'Governo vende o almoço para pagar o jantar', diz relator de contas

Bruno Dantas é o relator das contas do primeiro ano de governo de Bolsonaro

© Reuters

Economia Contas 12/08/19 POR Estadao Conteudo

Relator das contas do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas diz que o forte bloqueio de despesas do Orçamento tem levado o governo a "vender o almoço para pagar o jantar", em situação dramática para o funcionamento dos ministérios.

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Dantas diz que serviços poderão ser afetados e faz um alerta para a falta de planejamento do governo nos cortes de gastos. Para ele, a busca de receitas extraordinárias não passa de uma "solução-tampão". "O fato é que o governo precisa adotar mecanismos para solucionar o problema sem infringir a legislação vigente", afirma ele, responsável também no TCU pela área que cuida dos assuntos do Ministério da Economia e dos bancos públicos.

Segundo ele, não é possível mais tolerar "artifícios tão exóticos quanto nocivos" a pretexto de viabilizar o fechamento das contas: "Quando a gestão fiscal não se pauta nesse corolário, o tribunal pode emitir alertas e, no limite, na análise da prestação de contas do presidente da República, opinar pela rejeição dessas contas".

Como o sr. tem visto a situação das contas públicas com o corte?

A sensação que dá é que o governo está vendendo o almoço para comprar o jantar. Contam com receitas que até podem acontecer. Mas, pelo volume e concentração, se algo der errado, no fim do ano o governo terá um problema sério. O timing do Congresso não é igual ao do Executivo. Há dificuldade do governo de lidar com a situação, que é dramática.

Qual o risco?

Em economia se fala muito da profecia autorrealizável. O governo tem a tentação de dizer que está tudo bem. Se ele diz que não vai cumprir as metas, problemas mais graves podem acontecer. Mas isso acaba impedindo-o de planejar para resolver o problema. Se o governo começasse a planejar cortes pontuais, talvez causasse menos prejuízos à população.

O governo projeta que o resultado fiscal ficará abaixo do previsto. Ministérios podem parar por conta do contingenciamento?

Sem dúvida podem. Temos frustração de receita pela falta de crescimento. O governo tem mais dados que nós, mas é preciso olhar as declarações com cautela. O governo tem interesse em criar o clima de otimismo, mas isso não pode significar falta de transparência sobre as contas públicas.

O governo já consumiu até mesmo a reserva de contingência do Orçamento. Não é perigoso?

Sim. Há risco de paralisação ou realização precária de serviços públicos.

Não pode haver um shutdown? O TCU poderá enviar alertas?

O papel do TCU é acompanhar a execução orçamentária e financeira para evitar que o País chegue a uma situação limite, como a de um shutdown. O tribunal acompanha as medidas adotadas para garantir metas e outras regras fiscais. Quando a gestão fiscal não se pauta por uma ação planejada e transparente, o tribunal pode emitir alertas e, no limite, na análise da prestação de contas do presidente da República, opinar por sua rejeição.

Como o sr vê o momento atual da gestão fiscal?

A situação fiscal do País é crítica. Independentemente das causas que levaram a isso, o governo precisa adotar mecanismos para solucionar o problema sem infringir a legislação.

O quadro pode piorar?

Sim, há riscos relacionados à concretização de receitas extraordinárias previstas para o fim do ano, o que pode afetar o cumprimento da meta de resultado primário.

Caso essas projeções não se confirmem, pode haver impacto para o cumprimento da meta?

Sim. Porém, atualmente não estão inseridas nas estimativas as receitas dos leilões dos excedentes relacionados à cessão onerosa.

Como sair do embaraço das regras fiscais que muitas vezes não se comunicam?

Em qualquer gestão financeira, não se pode fugir do básico: despesa tem de ser menor que receita. Hoje, parâmetros e margens fiscais estão próximos do limite ou são negativos. Há pouco espaço de remanejamento de gastos. O governo parece estar buscando receita extraordinária, embora seja apenas uma "solução-tampão".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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