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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Diante da crise protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), parlamentares e articuladores do governo tentam blindar o Congresso para que a verborragia do chefe do Executivo não contamine pautas consideradas prioritárias, como as reformas da Previdência e tributária.
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Congressistas ouvidos pela reportagem apostam em uma blindagem automática das reformas econômicas por entenderem que há um consenso na importância de realizá-las.
Nesta terça-feira (27), as queimadas na Amazônia dominaram os discursos no Legislativo e deixaram em alerta parlamentares governistas e da oposição. Só no Senado, foram quase 20 manifestações, por mais de duas horas.
Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) indicam um aumento abrupto dos focos de queimada na Amazônia, o que levou chefes de Estado de outros países a criticar a política ambiental do governo Bolsonaro. O presidente, por sua vez, atribuiu a crise inicialmente à atuação de ONGs (organizações não governamentais), mesmo sem provas.
Na polêmica mais recente, Bolsonaro decidiu condicionar o recebimento de uma ajuda de US$ 20 milhões do G7 -grupo das sete maiores economias do mundo- a um pedido de desculpas do presidente francês, Emmanuel Macron.
O setor agrícola brasileiro teme que a crise provoque sanções ou um boicote a produtos nacionais. "A classe política é muito sensível a todas essas questões, trazem um impacto muito grande. A reforma da Previdência acaba sendo prejudicada por uma fala do presidente da República. Acaba desvirtuando um pouco aquilo que deve ser o objeto central do Brasil, que é a agenda econômica", diz a senadora Eliziane Gama (MA), líder do Cidadania.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tentam baixar a temperatura nas Casas que comandam.
De perfil apaziguador, Alcolumbre negociou com Maia a criação de uma comissão permanente de deputados e senadores para discutir mudanças climáticas. O colegiado deve ser instalado nesta quarta-feira (28).
Desde a semana passada, Maia vem tentando conter os danos do discurso radical de Bolsonaro. Na Câmara, acompanha o avanço de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que permite a exploração agropecuária em terras indígenas. Maia chegou a dizer que, caso o tema "gere mais narrativas negativas" para o país, não instalará a comissão especial para analisar este texto, deixando-o parado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
No campo econômico, a agenda adquiriu velocidade própria. "O problema da Previdência é que não tem outro caminho. Isso é consensual. A reforma tributária, somos nós que estamos protagonizando, não tem porque fazermos obstrução a nós mesmos. O pacto federativo também interessa a todos", diz o senador Major Olímpio (SP), líder do PSL, partido de Bolsonaro.
A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), concorda que as reformas estão blindadas, mas diz que o governo precisa ter foco em aprová-las. "O Congresso está trabalhando a pauta econômica paralelamente aos acertos ou erros do governo."
Um dos principais articuladores do governo no Congresso, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, diz acreditar que o ritmo de votação da pauta econômica no Congresso não será afetado. Marinho é ex-deputado federal e tem interlocução com bancadas governistas, de centro e da oposição.
Ele tem se destacado e acumulado e função de negociador político mesmo em assuntos fora da secretaria, como a reforma tributária. A reestruturação nos impostos está em estudo pela Receita Federal, enquanto Câmara e Senado debatem projetos sobre o mesmo assunto. "A proposta é do Legislativo, não é do governo", declara o presidente da comissão da Câmara, Hildo Rocha (MDB-MA).
"É um momento muito importante [a crise das queimadas]. Temos que ter olhar muito tranquilo, mas não podemos perder o foco na comissão [da reforma]", diz o líder da Maioria na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que é relator da reforma tributária na Casa. Mas a oposição trabalha para levar o tema para o Congresso.
O líder da Minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), passou a terça-feira coletando assinaturas em apoio à criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as causas da ampliação dos índices de desmatamento na Amazônia Legal.
No início da noite, ele já havia superado os 27 nomes necessários para criar a CPI da Amazônia. No entanto, para que ela se torne realidade, é preciso anuência do presidente da Casa.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM) protocolou requerimento para criação de outra CPI, desta vez com foco na investigação da atuação de "ONGs de fachada" na Amazônia e na destinação dos recursos do Fundo Amazônia.
O governo, por sua vez, trabalha para sufocar a criação de CPIs. "Não tem razão nenhuma para criar CPI agora. Não tem elementos concretos", diz o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Aliado de Bolsonaro, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) reconhece que declarações do presidente ampliam a crise, mas pondera que uma CPI criaria um ambiente de caos para a economia do país. "Há um novo governo e, às vezes, algumas falas potencializam o dano à imagem em relação à questão das queimadas. A gente tem que fazer o dever de casa, combater os focos, criar medidas de controle, de prevenção. Quando você tenta trazer para dentro do Congresso Nacional uma CPI para apurar incêndios na Amazônia, você bota mais lenha na fogueira e cria um ambiente de prejuízo para o país. A quem interessa trazer esta guerra para cá?", indaga Marcos Rogério.
Crítica do governo, mas de atuação mais independente, Tebet também se manifestou contra a criação da CPI. "Não é o momento. Não contribui. CPI paralisa o Congresso num momento em que o Brasil tem fome, tem aumento da desigualdade social, as pessoas estão começando a morar na rua e sabemos que a única saída para acabar com essa crise econômica é a aprovação da reforma. Tem que ter foco. Não podemos incorrer no risco de deixar nos contaminar por este debate ideológico", disse a senadora.
A questão ambiental, contudo, tem efeito na base de Bolsonaro. A bancada ruralista já começou a atuar para conter a crise.
O coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), anunciou nesta terça que o grupo apresentou um projeto de lei para endurecer a pena para quem cometer o desmatamento ilegal.
Líderes partidários alertam que outras crises estão no radar e podem interferir nas reformas. Reservadamente, citam como exemplos, os eventuais vetos presidenciais ao projeto de abuso de autoridade e a insistência de Bolsonaro na indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, como embaixador em Washington.