© REUTERS/Ueslei Marcelino
FOLHAPRESS - Acordos de colaboração premiada são meios para obtenção de provas na investigação criminal, de acordo com a legislação brasileira. A palavra do delator não vale nada se não for acompanhada de evidências que corroborem sua narrativa, mesmo que ela pareça plausível.
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Se rigor semelhante tivesse sido adotado no exame das confissões do ex-procurador Rodrigo Janot, talvez elas jamais tivessem vindo à luz no formato que o país conhece agora, com a chegada de "Nada Menos que Tudo" às livrarias.
Responsável por algumas das ações mais espetaculosas da Operação Lava Jato nos quatro anos em que chefiou a Procuradoria-Geral da República, Janot conta episódios desconhecidos dos bastidores da investigação e faz novas acusações contra políticos que incriminou no passado.
Mas a inconsistência de muitas histórias e as revelações chocantes que o livro faz sobre o temperamento explosivo do autor enchem o leitor de dúvidas sobre seus relatos e acabam tornando o resultado final pouco convincente.
Nas entrevistas que concedeu a veículos de imprensa para divulgar o livro nesta semana, Janot disse que pensou em matar o ministro Gilmar Mendes dentro do Supremo Tribunal Federal, onde teria entrado com uma pistola e disposto a cometer suicídio depois de executar o desafeto.
Mas a maior parte dessas informações não aparece no livro, onde o episódio é narrado sem detalhes e sem que o alvo de Janot seja nomeado. O leitor chega ao fim do trecho sem saber que ele entrou armado no prédio do STF, como diz agora, e sem entender por que desistiu do atentado.
O ex-procurador abre o primeiro capítulo com a cena de uma reunião em março de 2015, em que o então vice-presidente Michel Temer (MDB) lhe teria pedido o arquivamento de uma investigação sobre o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que acabara de assumir a presidência da Câmara dos Deputados.
Janot afirma ter reagido com indignação ao pedido, usando até palavrões para responder a Temer, mas não explica por que não tomou nenhuma providência na época para expor a suposta tentativa do vice-presidente de se intrometer no seu trabalho.
Páginas adiante, após contar que mandava aviso prévio aos congressistas sempre que pedia ao Supremo autorização para investigá-los, Janot diz que, quando chegou a hora de Cunha, preferiu comunicar Temer e o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e não o deputado.
O ex-procurador afirma que agiu assim porque estava em guerra com Cunha, e Temer era o chefe do seu partido. Mas fica difícil entender a indignação do primeiro capítulo quando se percebe que o próprio Janot abrira a porta para políticos com interesse em interferir no seu trabalho.
Em muitas passagens, o ex-procurador parece empenhado em acertar contas com os que atravessaram seu caminho quando estava no poder -de colegas que se tornaram desafetos no Ministério Público a políticos que um dia teriam ido ao seu gabinete oferecer vantagens na tentativa de se livrar do cerco da Lava Jato.
"Não suporto a teatralidade que alguns homens públicos impõem a si mesmos com receio de desagradar a uma determinada plateia", diz Janot a certa altura, perto do fim do livro. "Prefiro dizer o que penso, mesmo que isso implique choque de opinião, a agradar a quem quer que seja com uma falsa ideia a meu respeito."
Ao revisitar as decisões mais controversas de sua gestão, Janot deixa claro que não se arrepende de nada. Ele afirma ter adotado critérios rigorosos nas negociações com os delatores da Lava Jato, mas não titubeia ao discorrer sobre os casos em que o rigor parece ter sido deixado de lado.
Ao narrar suas tratativas com o ex-senador petista Delcídio do Amaral, por exemplo, o ex-procurador diz o seguinte no livro: "Sabíamos que a delação do senador seria explosiva, como acabou sendo, nem tanto pelo conteúdo, mas pela identidade do delator".
Divulgada em meio à campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, a delação de Delcídio contribuiu para incendiar o ambiente político quando faltavam poucos dias para a sessão em que a Câmara dos Deputados afastou a presidente do cargo para que fosse processada.
Mas as principais acusações feitas pelo ex-senador naufragaram na Justiça, que as rejeitou por falta de provas. Em pelo menos dois casos, como Janot reconhece no livro, as investigações foram encerradas a seu pedido por não terem chegado a lugar nenhum. Não faz mal. "Isso se deve muito mais à complexidade dos crimes narrados do que a eventuais falhas da delação", diz Janot