Ansiedade e adultização rondam misses mirins

A erotização de crianças está cada vez mais em discussão

© Wikimedia 

Lifestyle Concursos 29/12/19 POR Folhapress

NATAL, RN (FOLHAPRESS) - "É tipo a cara de quem está tentando fazer cocô", ela explica seu macete para dar o famoso "sorriso de miss", com muita dentição à mostra.

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Neste concurso de beleza, vários dentes são de leite. No Miss Teen/Infantil Brasil, com final num resort em Natal, são quatro categorias: mirim (4 a 7 anos), infantil (8 a 10), pré-teen (11 a 13) e teen (14 a 18).

Na faixa caçulinha, o anúncio da campeã, a paulista, leva a lágrimas não só de emoção. Algumas crianças que perderam choram e pedem a mãe.

Se nem sempre gente grande sabe lidar com a pressão e a consequente frustração da derrota, as pequenas parecem sentir mais. Quanto mais velhas as concorrentes são, menos cara de choro se vê.

As conversas, aí, migram para cortar doces da dieta, ou a rival que estaria acima do peso. Do que adianta ter bumbum e peito se você é gorda?, questiona uma participante de 10 anos ao ver as meninas de 14 a 18 anos serpentearem o palco em moda praia.

Na fileira de trás da plateia, a parente de uma das competidoras avalia que uma das aspirantes a miss teria mais chances "se pentear os cabelos". São crespos.

Em setembro, Silvio Santos tascou gasolina num debate já incendiário: se concursos dessa natureza são saudáveis para menores de idade, e em que grau eles podem estimular a sexualização precoce e até atrair pedófilos.

O dono do SBT é alvo de uma investigação do Ministério Público de São Paulo por um torneio de miss infantil apresentado em seu programa. A certa altura, Silvio joga para o auditório: "Agora vocês, que estão com o aparelhinho [para votar], vão ver quem tem as pernas mais bonitas, o colo mais bonito, o rosto mais bonito e o conjunto mais bonito".

O Brasil não monopoliza essa polêmica. O reality americano "Toddlers and Tiaras" (2009-16), que trazia bastidores de competições mirins, tem um acervo delas.Se até injeções de botox em crianças se tem notícia lá fora, a versão brasileira explicita no regulamento o veto a crianças de biquíni ou maiô, inclusive nas redes sociais. Frisa-se que as imagens "podem ser usadas por pessoas mal intencionadas fora de contexto e em situações impróprias, causando constrangimento público à criança", o que é proibido pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A regra vale para as participantes de 4 a 13 anos. Está tudo liberado para as adolescentes, que desfilam com biquínis a milímetros do fio dental.

Mãe de uma mini-Miss São Paulo, a empresária Elaine, 37, ela própria coroada na juventude, acha que está "tudo mais sensualizado". Na época dela, era um maiô e olha lá.

A filha de 10 anos, que pratica hipismo e define uma boa campeã como "uma menina elegante e educada", é fã de tutoriais de beleza do YouTube. Enfiada num vestido de plumas brancas que custou $ 2.200, ela já apresentou à mãe a escovinha de limpeza facial favorita das blogueiras.

A advogada Ana Carolina, 46, diz se preocupar em manter o ambiente saudável para a filha -que acabaria a noite em segundo. "Falo: papai do céu que sabe o que acontece, você tá aqui pra se divertir, ninguém só ganha".

Elaine faz coro. "Tem que ser uma brincadeira. Quando vira obrigação, fica chato."

As duas garotas têm conta no Instagram, e por lá vez ou outra pipocam comentários de teor pedófilo. Como na vez em que a filha de Ana Carolina posou ao lado de uma atriz para fazer propaganda.

A mais velha estava vestida de pizza, a criança, de cachorro-quente. Um homem reagiu à foto: "Essa já está no ponto, a outra [a menor], não". A mãe deletou assim que viu.

Apesar de proibido no regulamento, mesmo as pequeninas fizeram um ensaio com maiô, todos em tom rosado. Os retratos aconteceram no resort onde se hospedaram a pedido da organização (cada uma bancando a própria parte, fora algumas centenas de reais pela inscrição).

Segundo Gerson Antonelli, diretor nacional do concurso, "a organização não dá respaldo a esse tipo de coisa".

Para a final, cada criança precisou levar três trocas de roupa: a de abertura, um "vestido curto rodado (princesa) na cor branca", o de gala, que as deixava parecendo cópias de mocinhas da Disney, e um "traje esporte de sua escolha".

Maria Cleonice, 57, é avó da candidata potiguar, que mal saíra da chupeta quando começou a "carreira". Mostra duas fotos da neta de cinco anos: ela fantasiada de Frida Kahlo, num duelo em que ganhou como Miss Simpatia, e comemorando três anos com festa da Barbie, seu ideal de beleza.

Maria, que na mocidade também competiu ("fui Rainha Industriária"), conta que passou um pito na maquiadora oficial do concurso. A mulher, diz, recebeu dela R$ 300 para pintar a neta nos três dias de evento. Na primeira noite, colocou cílios postiços na menina. "Aqui ela tá criança, ali, miniadulta", diz a avó, exibindo fotos do antes e depois.

As derrotas nem sempre são bem digeridas em Natal. Mãe de uma candidata que saiu de mãos abanando, Ana Paula, 34, reclamava nos bastidores que o saiote do vestido da menina sumiu e que ela pagaria R$ 1.000 se não o achasse, já que o traje era alugado.

Puxa de canto o produtor artístico do campeonato, Marcelo de Oliveira, 50, que encorajava as concorrentes a pedir dinheiro ao Papai Noel já pensando na inscrição para 2020.

Ana critica o jeito "seco, frio" de anunciar as vencedoras. Por que não dizer as três melhores colocadas? Isso desincentiva a criançada, diz. "Não precisa de coroa, só faixinha."

Depois, nas redes sociais, ficaríamos sabendo o top 3 de cada categoria. A filha dela não estava nele.

A Miss Amapá mirim, 6, já dizia querer "ser top" aos dois anos, conta a mãe, a médica Fernanda, 40, enquanto a pequena abre um espacate.

Cabelos na cintura e camiseta onde se lê "fashion devotion" (devoção à moda), ela se mostra confiante. Perdeu e postou dias depois numa rede social, sob uma foto sua: "Competir sempre, vencer talvez, desistir, NUNCA!".

"Criança não precisa se preocupar com os padrões de beleza. Ao se fazer um concurso, você começa a estabelecer padrões", diz Ênio Roberto de Andrade, psiquiatra infantil do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Sem "recursos emocionais", podem desenvolver de ansiedade a depressão, afirma.

E tem a questão do trabalho, lembra a procuradora Ana Maria Villa Real, titular da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente.

"Casos em que crianças e adolescentes possam estar sujeitas a erotização e sexualização precoces, a desgastes emocionais, constrangimentos, merecem a máxima atenção de todos os órgãos integrantes da rede de proteção."

As adolescentes que desfilaram de biquíni no Miss Teen Brasil, de 14 a 18 anos, também devem ser protegidas, segundo Villa Real. Isso as sujeita a "possíveis situações de exposição desnecessárias para a faixa etária, com as quais sequer estão preparadas para lidar".

Gerson, o manda-chuva do concurso, diz que o "foco são as crianças, sua segurança e incentivar o espírito de competição saudável e amizade". "Mas alguns pais são muito competitivos."

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