'Guardião da floresta' foi morto em conflito com caçadores, diz PF

Paulo Paulino, 26, foi assassinado em 1º de novembro passado, no Maranhão

© Reuters

Justiça Índios 10/01/20 POR Folhapress

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O assassinato, com um tiro, do indígena guajajara Paulo Paulino, 26, em 1º de novembro passado, no Maranhão, ocorreu durante um conflito com caçadores de animais silvestres que entraram sem autorização na terra indígena Arariboia, apontou o inquérito aberto pela Polícia Federal. Um dos caçadores, Márcio Gleik Pereira Moreira, 37, também morreu no conflito, com um tiro.

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A PF discordou da versão inicial dos indígenas de que teria ocorrido uma emboscada de madeireiros, mas reconheceu à reportagem que os caçadores não tinham ordem para estar dentro da terra indígena.

Paulino era um dos "guardiões da floresta", um grupo formado por guajajaras e hoje com 120 integrantes que atuam para proteger a Arariboia da invasão frequente de madeireiros e caçadores.

Outro "guardião", Laércio Guajajara, 34, também recebeu um tiro no conflito e passou a receber a proteção do governo do Maranhão ao lado de outros dois "guardiões".

O relatório final produzido pela PF do Maranhão foi encaminhado à Justiça Federal sem ser divulgado à imprensa. A PF indiciou quatro pessoas, mas seus nomes também não foram revelados.

O Ministério Público Federal, que ainda pode pedir novas diligências, concordar ou não com o resultado do inquérito policial, informou que ainda não recebeu o resultado das investigações e se recusou a fornecer à reportagem o nome do procurador da República responsável pelo caso.

O trecho de uma nota divulgada à imprensa pela PF contrariou o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

A PF informou, na nota, que "foi possível afastar as hipóteses relacionadas a conflitos étnicos ou mesmo por emboscada de madeireiros a indígenas, tudo convergindo para a conclusão de que o lamentável episódio se originou da troca de tiros motivada pela posse de uma das motocicletas utilizadas pelos não indígenas".

Em nota nesta quarta-feira (8), o Cimi contestou: "A Polícia Federal, ao reduzir o assassinato de Paulino Guajajara a um lamentável episódio de troca de tiros, desconsidera uma história de mais de 40 anos de conflitos com madeireiros nesse território, ao longo dos quais os indígenas vêm sendo assassinados e tendo seus territórios destruídos sem que nenhum assassino seja punido".

"Ao desprezar o contexto de violência e de violações aos direitos e territórios indígenas, mesmo quando se trata de terras indígenas já demarcadas, a Polícia Federal demonstra sua opção política pela criminalização dos povos e de seus processos de luta por direito e por território, naturaliza o racismo institucionalizado pelo Estado e acaba por reforçar, com esta posição, as políticas de extermínio dos povos originários", diz a nota do Cimi.

A reportagem procurou a PF para saber se as mortes ocorreram a partir da invasão da Arariboia por caçadores, o que não foi mencionado na primeira nota.

Em resposta, a PF reconheceu que "conforme resultado das investigações, é possível afirmar que, apesar de proibido, não indígenas adentraram na Terra Indígena Arariboia para caçar, utilizando de motos que foram danificadas por indígenas. Esta constatação foi corroborada por várias fontes de informação, inclusive admitido por indígena diretamente envolvido nos fatos, sob o argumento que pretendia impedir o retorno dos invasores ao local".

A principal atividade dos "guardiões da floresta" tem sido a repressão aos invasores da terra indígena, o que inclui apreensão e destruição de equipamentos utilizados nos crimes ambientais.

Indagada se levou isso em conta ao falar de suposto "furto" da motocicleta, a PF respondeu à reportagem que, "apesar da importância essencial para o fortalecimento dos valores étnicos e culturais dos povos primitivos (indígenas) e à preservação do meio ambiente", considera "importante ressaltar que o Estado detém a exclusividade de organizar e executar atos próprios de preservação da ordem pública, não reconhecendo indistintamente a terceiros a legitimidade para a promoção de atos próprios dos órgãos de segurança pública ou de persecução penal".

A PF informou que não iria se manifestar sobre a nota do Cimi.

Em dezembro, a Folha de S.Paulo entrevistou a mãe de Márcio Gleik, Antônia Moreira Pereira, 55, no assentamento rural de Brasilândia (MA), que fica a poucos quilômetros do local das mortes. Ela se disse indignada com o noticiário sobre seu filho e afirmou que ele "não era madeireiro, não era bandido como dizem".

"E não era caçador [profissional]. Ele caçava por esporte, para comer. O caçador tem que ter a carteira. Meu filho era assentado há 17 anos. Uma pessoa do bem, que nunca ofendeu a ninguém. Meu filho era uma pessoa inocente, ele morreu por uma tragédia, uma covardia maior do mundo, com a qual eu nunca posso me conformar", disse Antônia.

Márcio deixou três filhos, o maior com 17 anos, e o menor com 13. Ele estudou até a 5ª série. O pai foi assassinado numa briga de bar quando Márcio ainda era pequeno e a mãe disse que criou sozinha a criança.

Antônia afirmou que trabalhava com educação infantil quando, no começo dos anos 2000, resolveu comprar um lote em Brasilândia, que passou a ser desenvolvido pelo filho. Há dois anos ela também se mudou para uma casa próxima à do filho.

"Ele criava um gadinho, fazia barrinhas de queijo para manutenção, para comprar sal para o gado, remédio, vacina, e para a gente se manter. Era a renda que a gente tinha. Fazia hortinha de verdura, rocinha que plantava feijão. Deixou o feijão plantado, ele deixou tudo organizado", disse a mãe.

Antônia contou que seu filho gostava de participar de caçadas nos finais de semana. "Era um lazer. Eles matavam tatu, veado. Depois eu mesmo cozinhava. Acho que nunca mais eu consigo comer carne de caça depois disso."

Segundo a família, lideranças indígenas da região de Brasilândia costumavam autorizar a entrada de estranhos na terra indígena, mas sem o conhecimento dos "guardiões".

No dia 1º de novembro, Márcio e seu grupo de amigos deram de cara com os dois "guardiões", Paulino e Laércio, que tinham vindo de outra aldeia da Arariboia sem saber da presença dos caçadores.

Paulo Paulino era "guardião" guajajara havia cerca de seis anos, segundo Laércio contou à reportagem em dezembro. Nascido numa aldeia da terra indígena Arariboia, Paulino era um dos mais engajados no trabalho de proteção do território, tendo participado de várias ações de repressão, apreensão e destruição de equipamentos.

Paulino participou da primeira operação dos "guardiões", por volta de 2013, nas aldeias Mucura e Bacabal."No primeiro dia quase teve conflito porque eles queriam partir para cima da gente. Não tínhamos estrutura nenhuma. Chegamos a pé e numas motinhas velhas. Éramos apenas seis no máximo. O Paulino também começou nesse dia. Quando abordamos os caminhões, ele chegou. Ele era muito criança, mas chegou com flechas e todo pintado. Não precisou chamar nem convidar ele. Ele já teve essa atitude de guerreiro desde menino e desde então nunca mais se separou da gente. Eu também estava com flecha, borduna, espingarda", disse Laércio.

A terra indígena Arariboia tem sido alvo frequente de madeireiros e caçadores.

Segundo dados de satélite coletados pelo ISA (Instituto Socioambiental), a invasão madeireira ao território se agravou desde a campanha eleitoral que elegeu o presidente Jair Bolsonaro. De setembro de 2018 a outubro de 2019, os ramais abertos por madeireiros dentro da Arariboia cresceram 27%, de 981 km para 1.240 km.

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