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BRASÍLIA, DF, E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Vinte governadores elaboraram uma carta "em defesa do pacto federativo" na qual criticam declarações de Jair Bolsonaro, feitas no último final de semana, sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, na Bahia.
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Na nota, divulgada nesta segunda (17), os governadores citam recentes falas de Bolsonaro "confrontando os governadores" e "se antecipando a investigações policiais para atribuir graves fatos à conduta das polícias e seus governadores".
A iniciativa de se posicionar contra as falas de Bolsonaro partiu do governador Wilson Witzel (PSC-RJ), endossada em seguida por João Doria (PSDB-SP). Ambos são adversários políticos do presidente. Depois, outros governadores chancelaram a proposta.
A carta, divulgada pelo Fórum dos Governadores, começou a ser gestada no final de semana, após Bolsonaro ter acusado a "PM da Bahia, do PT" de ter promovido a "provável execução" de Adriano, ex-capitão do Bope morto em operação conjunta das polícias baiana e fluminense no último dia 9.
O presidente insinuou que pode ter havido queima de arquivo pela polícia da Bahia, o que foi rebatido pelo governador do estado, Rui Costa (PT).
Investigações apontam que Adriano atuava em diferentes atividades ilegais: milícia, jogo do bicho, máquinas caça-níqueis e homicídios profissionais.
Homenageado duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio pelo hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido), o ex-PM é citado na investigação que apura a prática de "rachadinha" (esquema de devolução de salários) no gabinete do filho do presidente quando ele era deputado estadual.
O miliciano teve a mãe e uma ex-mulher nomeadas por Flávio.
O próprio Bolsonaro defendeu Adriano em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, quando era deputado federal. Ele criticou a condenação por homicídio do ex-policial militar e o chamou de "brilhante oficial".
Na época, Adriano havia sido condenado pelo assassinato do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. Mais tarde, em um novo julgamento, foi absolvido.
A carta dos governadores também aborda declarações de Bolsonaro sobre a reforma tributária. Segundo eles, o presidente se referiu à reforma, "sem expressamente abordar o tema, mas apenas desafiando governadores a reduzir impostos vitais para a sobrevivência dos estados".
No último dia 5, Bolsonaro disse que zeraria o imposto federal sobre os combustíveis se os gestores estaduais zerassem o ICMS. "Eu zero o [imposto] federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?", disse.
A conduta do presidente, avaliam os governadores, não contribui "para a evolução da democracia no Brasil".
"É preciso observar os limites institucionais com a responsabilidade que nossos mandatos exigem. Equilíbrio, sensatez e diálogo para entendimentos na pauta de interesse do povo é o que a sociedade espera de nós", diz a nota.
"Trabalhando unidos conseguiremos contribuir para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, pela redução da desigualdade social e a busca pela prosperidade econômica. Juntos podemos atuar pelo bem do Brasil e dos brasileiros", continua a carta.
Ao final, eles convidam Bolsonaro a participar de um encontro do fórum em 14 de abril.
Assinam a nota governadores de 20 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba, Distrito Federal, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Acre, Amapá, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Amazonas.
Não assinaram a carta Carlos Moisés (PSL-SC), Marcos Rocha (PSL-RO), Antonio Denarium (PSL-RR), Ronaldo Caiado (DEM-GO), Mauro Mendes (DEM-MT), Mauro Carlesse (DEM-TO) e Ratinho Júnior (PSD-PR).
Em entrevista à imprensa nesta segunda-feira, Rui Costa afirmou que as últimas declarações do presidente foram recebidas com indignação pelos governadores.
"Estados e municípios não podem ser agredidos de forma regular e constante pelo presidente da República. Governar não é isso, não é agredir prefeitos e governadores toda semana. É preciso dar um basta", afirmou o petista.
Além de criticar o comportamento de Bolsonaro, Costa sugeriu que o presidente se ocupasse mais dos problemas do país e menos dos problemas dos filhos.
"Espero que o presidente dedique seu tempo para cuidar do desemprego, do aumento da pobreza e de parar de tirar o Bolsa Família do Nordeste. [...] Ao invés de ficar cuidando os problemas dos filhos, ele deveria cuidar dos problemas do país", afirmou.
Ele afirmou ainda que não será a polícia da Bahia, mas a do Rio, que vai investigar as possíveis relações do miliciano Adriano da Nóbrega com autoridades do país. Os celulares apreendidos com o ex-capitão, diz o governador, foram remetidos para o Ministério Público do Rio.
"Se há receio de alguém em saber se naqueles telefones existem contatos com autoridades do país, quem vai responder isso é o Ministério Público do Rio de Janeiro. Não é a Bahia que vai apurar com quem aquele bandido, aquele marginal, mantinha conversas e negociações".
Na primeira vez em que falou sobre a morte do ex-PM, no sábado (15), o presidente driblou antigas convicções para colocar em xeque a gravidade da atuação criminosa do miliciano.
Bolsonaro criticou a polícia da Bahia por não ter preservado a vida do ex-capitão durante a operação. Normalmente, o presidente é um forte apoiador das polícias, mesmo quando as ações resultam em mortes. Ele é crítico de defensores de direitos humanos, aos quais geralmente se refere com deboche.
Em outubro do ano passado, por exemplo, durante solenidade no Palácio do Planalto para lançamento de campanha do pacote anticrime, o presidente defendeu policiais que acumulam autos de resistência (mortes em decorrência de ação da polícia).
"Muitas vezes a gente vê que um policial militar ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu", afirmou.
No sábado, Bolsonaro também ensaiou uma defesa da presunção de inocência, não replicada no passado diante de condenações de adversários. "Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando capitão Adriano por nada, sem querer defendê-lo", afirmou.
Quando o ex-presidente Lula foi solto, em novembro do ano passado, Bolsonaro disse que o petista estava momentaneamente livre, mas carregado de culpa, e o chamou de criminoso. Assim como o ex-PM, Lula não tem sentença transitada em julgado.
Os laços de Adriano com a família do presidente podem ir além das contratações. Segundo o MP-RJ, contas do ex-capitão foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, suspeito de comandar o esquema de devolução de salários no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro.
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
Por que Adriano estava escondido na Bahia?
Por que Leandro Guimarães deu abrigo a Adriano em sua fazenda?
Por que Adriano deixou a fazenda de Leandro para se esconder no sítio de Gilsinho? Ele ficou sabendo que a polícia planejava uma operação? Se sim, como?
A casa onde Adriano foi morto tinha um colchonete, alguns móveis e alimentos, sinais de que pode ter sido preparada para receber alguém. Alguém ajudou Adriano a se esconder?
Se Adriano estava em um terreno cercado e com chances mínimas de fuga, por que a polícia, em vez de invadir a casa, não fez um cerco, reduzindo as chances de confronto e morte?
Se a Secretaria de Segurança Pública da Bahia vai investigar as circunstâncias da morte, por que o local onde Adriano foi morto não foi protegido ou isolado, evitando contaminação?
Qual a real extensão do relacionamento entre Adriano e a família Bolsonaro?