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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Poucas semanas depois do motim de policiais no Ceará, o Rio de Janeiro vive também uma polêmica que mistura Polícia Militar e política. Um embate envolvendo um soldado youtuber e um coronel tem gerado tensão na corporação fluminense e na internet e já chegou até ao Ministério da Justiça de Sergio Moro.
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Na última quinta (5), o policial Gabriel Monteiro, 27, publicou um vídeo acusando o coronel da reserva Ibis Pereira, 56, que foi comandante-geral da PM em 2014, de "conluio" com uma facção criminosa, sem apresentar provas. A partir desse dia, sugiram duas "ondas de solidariedade" nas redes sociais incluindo políticos e policiais: uma a favor de Monteiro e outra a favor de Pereira.
O soldado tem 1,8 milhão de seguidores no Facebook, já foi do MBL (Movimento Brasil Livre) e costuma defender Jair Bolsonaro (sem partido) e pautas da direita. Já o ex-comandante é conhecido por falar de direitos humanos na segurança pública e hoje é pesquisador e assessor da deputada estadual do Rio Renata Souza (PSOL). Ambos foram procurados, mas não deram entrevista.
Monteiro diz na gravação: "Recentemente eu recebi uma mensagem de um morador da favela que desabafou comigo, falando que o coronel Ibis, o ex-comandante-geral da PM, estava em conluio direto com o Comando Vermelho. [...] Eu fui questioná-lo, porque eu tinha fotos do coronel Ibis dentro do coração do CV, dentro da Maré [até agora não mostradas], onde nenhum policial consegue adentrar, a não ser o Bope e o Choque com uma megaoperação. E o Brasil todo ficou sabendo que o coronel Ibis não soube responder às minhas perguntas."
O soldado se referia a vídeos que publicou no ano passado, abordando o coronel em ao menos duas ocasiões e lhe fazendo perguntas. Ele reclama, na gravação mais recente, que por causa dos seus questionamentos está sendo submetido a um conselho disciplinar e perdeu seu porte de armas e funções externas na PM.
Ele de fato está respondendo um procedimento interno na Comissão de Revisão Disciplinar, previsto para avaliar conduta dos agentes, como informou a Polícia Militar. "A PMERJ tem como pilares os princípios da hierarquia e disciplina. Vale ressaltar que o rito do procedimento prevê a ampla defesa e o contraditório quanto às imputações de transgressões disciplinares nele contidas."
Diante da tensão e da alegação de Monteiro de que vem recebendo ameaças de morte de integrantes do Comando Vermelho – sem detalhá-las –, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) pediu ao Ministério da Justiça proteção ao soldado. A pasta confirmou que recebeu o requerimento, mas disse que ele ainda não foi analisado: "Informamos também que não há envolvimento da PF e não há agenda prevista neste ministério com o citado".
O PM foi à Câmara dos Deputados em Brasília nesta terça (10), acompanhado do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), por isso sua assessoria afirmou que ele não teria disponibilidade para dar entrevista a tempo da publicação desta reportagem. Questionada, porém, a equipe não disse com quem ele se encontrou.
Em resposta às acusações, o coronel Ibis tem rebatido que não cometeu qualquer crime e que questões internas das corporações militares não devem ser comentadas publicamente por seus agentes. "Trata-se de uma ação leviana, descomprometida com o bem da instituição, em busca de holofotes em um ano eleitoral", publicou. À reportagem, ele afirmou que não gostaria de falar mais sobre o caso.
No programa ao vivo "Aqui na Band", nesta segunda (9), o ex-comandante argumentou que não está mais na ativa e foi apenas convidado para dar uma palestra em 2019 no Complexo da Maré, na zona norte carioca, o que acabou não acontecendo. "Eu iria falar naquela ocasião sobre estrutura de segurança pública no Brasil para moradores daquela localidade", disse ele.
"Para quem não conhece, eu gostaria de dizer o que é a favela da Maré", continuou. "Ela tem 140 mil moradores, a maioria gente de bem, gente pobre, gente honesta. Ela não tem 140 mil bandidos. Dentro da Maré existem equipamentos públicos, tem quase 50 escolas e um batalhão da PM. O local onde a palestra ia acontecer fica a menos de 100 metros de um batalhão. Eu não tive que negociar com traficante."
A ONG Redes da Maré, que fica a 200 metros do 22º batalhão da Polícia Militar, confirmou a informação e se disse indignada que, por causa do convite, "esse profissional venha sendo constrangido, desmoralizado sob a acusação de ter ligação com grupo armado", afirmou em nota. "Isso não faz o menor sentido e entendemos esse tipo de perseguição como um preconceito claro sobre as favelas e seus moradores."
REDES SOCIAIS E SITE CLONADO
A polêmica inflou com a manifestação de diversas partes nas redes sociais, incluindo a própria PM, o governador Wilson Witzel (PSC) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Para completar, neste domingo (8) o site da corporação fluminense foi clonado, exibindo a frase "Como entrar na favela da Maré sem levar tiro" e uma foto do coronel Ibis Pereira. Ainda estava fora do ar até a tarde desta terça.
A Polícia Militar replicou uma publicação de Monteiro no Twitter, dizendo que o soldado está na ativa há quatro anos e já respondeu a mais de 70 faltas disciplinares, a maioria delas por falta ao serviço. "Seu comportamento é classificado como mau, com 16 punições em sua ficha", escreveu. Sobre o coronel, disse no mesmo post que "não há denúncia contra o oficial em questão. Caso seja apresentada ela será apurada com base nos regulamentos da Corporação".
Já Witzel escreveu que "a PMERJ, como as demais instituições militares do país, tem como pilares os princípios da hierarquia e da disciplina. Todos os soldados respondem à Comissão de Revisão Disciplinar". Outros oficiais e políticos, como a deputada federal Major Fabiana (PSL-RJ), também saíram em defesa do coronel.
Do outro lado, Gabriel Monteiro recebeu o apoio da #somostodosgabrielmonteiro, uma das mais comentadas no Twitter na última quinta. Eduardo Bolsonaro publicou que, apesar de não conhecer o soldado, "retirar seu porte [de arma] é quase uma sentença morte". Olavo de Carvalho, guru do presidente, escreveu que "Gabriel Monteiro tem de ser reintegrado na Polícia Militar com INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PROMOÇÃO [sic]."
Outro que o elogiou foi o deputado estadual Filippe Poubel (PSL). O soldado foi cedido ao gabinete do parlamentar, na Assembleia Legislativa do Rio, depois que um outro processo disciplinar seu foi anulado pelo Secretário de Polícia Militar, coronel Rogério Figueredo, em agosto de 2019, apesar de recomendação contrária da Corregedoria.