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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Esquecer o próprio nome, ver pessoas no rosto de outras ou mudar de humor com apenas um toque no ombro. Todas essas hipóteses parecem absurdas, mas são façanhas já realizadas por pessoas que dominam a técnica da hipnose.
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A prática já existe há pelo dois séculos, mas seus mitos são debatidos de tempos em tempos. Com a entrada do hipnólogo Pyong Lee na 20ª edição do Big Brother Brasil e com a cena de Justina (Julia Stockler) se submetendo a uma sessão de hipnose com Selma (Aline Borges) em "Éramos Seis", ambos produções da Globo, o assunto voltou a ficar em evidência.
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Afinal, qualquer um pode hipnotizar? Funciona com todo mundo? É perigoso? O mentalista Marcio Valentim afirma que a prática é, na verdade, tanto uma forma de entretenimento quanto de tratamento, e que tem sido cada vez mais procurada. Apesar de já ter feito uma série de cursos de aperfeiçoamento em hipnose, ele diz que não é preciso ter formação específica para utilizar a técnica.
Qualquer pessoa que saiba utilizar as técnicas corretamente e não tenha problemas em se comunicar é capaz de hipnotizar alguém. Mas para tanto, é preciso que a pessoa a ser hipnotizada esteja disposta a experienciar o processo e segura do que vai acontecer. "Ela é orientada a seguir alguns passos, mas se por alguma razão apresentar resistência, não será hipnotizada", explica Valentim.
Hipnoterapeuta especialista em transtornos mentais e professor de hipnose, Charles Bueno afirma que a pessoa que segue os comandos do hipnólogo sem receios pode ser capaz de se curar de traumas, conflitos familiares, inseguranças, vícios e até emagrecer.
São os tratamentos contra a ansiedade, por sua vez, que estão entre os principais motivos da busca pela hipnose. "Quase 100% das pessoas que me procuram pedindo ajuda sofrem bastante com ansiedade. Definitivamente, é o mal deste século", acrescenta Valentim. Hipnose é um estado semelhante ao sono, gerado por um processo de indução, no qual o indivíduo fica muito suscetível à sugestão do hipnotizador
É o caso da comerciante Cinthya Giacomini, 46, que conseguiu controlar sua ansiedade com a prática. Há dois anos ela faz sessões com Valentim e já usou a técnica para tratar de traumas pessoais, baixa autoestima e até para se libertar de dores na coluna que a acompanhavam há anos, e que demandavam injeções frequentes de morfina.
Sem apoio do psiquiatra que a acompanhava na época, Giacomini afirma que decidiu ir às sessões de hipnose por conta própria, e foi "a melhor coisa" que aconteceu em sua vida. "A hipnose tirou toda a tristeza que eu tinha guardada, e me fez conseguir enfrentar algumas pessoas de frente."
Em 2019, Giacomini conseguiu vencer um outro trauma: o de tirar a carteira de motorista e de dirigir um carro. "Hoje a coisa que mais amo na vida é dirigir. Se você conhecesse a Cynthia há dois anos, veria uma pessoa triste, cabisbaixa, simplória e submissa. Sou outra pessoa: acordo de manhã e agradeço. A hipnose transformou minha vida", diz ela, ao mencionar que trocou até de psiquiatra -o de hoje apoia o uso da técnica e faz o acompanhamento médico para dar seguimento à prática.
Agora a meta é emagrecer: a comerciante faz sessões de hipnose a cada 15 dias, que podem durar poucos minutos ou até três horas. Sua filha, Maria Clara, 19, também faz sessões para lidar com situações de nervosismo.
Ainda há diversos casos de famosos que usaram a hipnose para superar problemas: a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, chegou a usar hipnose para tratar dos enjoos matinais que teve durante a gravidez. Em 2014, segundo tablóides americanos, duas artistas também recorreram à terapia -a atriz Lindsay Lohan, para deixar de fumar, e Katy Perry, que queria esquecer o ex-namorado John Mayer.
O próprio Pyong Lee já praticou a hipnose, mas no formato de show de palco, com artistas brasileiros. Ele fez Mr. Catra esquecer que é pai, Celso Portiolli trocar seu primeiro nome por tabule (típica salada árabe), e Eliana rir da cara de Luan Santana como se ele fosse o comediante mais engraçado do mundo.
No BBB 20, Lee fez com que Ivy visse seu filho em Gabi Martins, e que ela e Rafa Kalimann acreditassem que Manu Gavassi era o apresentador Tiago Leifert. A classe médica, em geral, reconhece os resultados positivos do uso da técnica nos tratamento de disfunções.
Entre dezenas de casos, um estudo realizado pelos médicos do Massachusetts General Hospital revelou que pacientes com doenças cardíacas submetidos a apenas uma sessão de hipnose têm mais chances de vencer a luta contra o tabagismo do que aqueles que usam adesivos de nicotina. Na Faculdade de Medicina de Harvard (EUA), pesquisadores constataram que a técnica torna a realização de biópsia de nódulos de mama menos dolorosa.
Para Bueno, os resultados da prática são bastante expressivos e podem surgir em poucas semanas. "A velocidade da cura é o que mais me impressiona. No meu método de trabalho, raramente ultrapasso oito sessões para lidar com vícios", diz. "Mas depende muito da força de vontade e engajamento da pessoa. Ela precisa vir por conta própria, decidida que é aquilo que quer."
A quantidade de benefícios, porém, não significa que não existam perigos na prática. Segundo Bueno, o problema não está na técnica em si, mas nas pessoas que a aplicam sem ter o domínio dela. "Quando você pratica a hipnose, pode trazer memórias traumáticas reprimidas na pessoa. E se o profissional não tem conhecimento e capacidade para resolvê-las, pode piorar o estado de quem é hipnotizado."
Valentim explica que ao praticar a hipnose, o profissional deve ter sempre em mente que está lidando com uma vida: "É fundamental ser responsável, ético, e dominar a técnica". O mentalista afirma que uma abordagem inadequada, por exemplo, pode provocar lesão na coluna cervical após um puxão mais forte no braço da pessoa. "Por lidar diretamente com a saúde, é importante procurar profissionais de confiança ou com relevância no meio para começar o tratamento."
MEDOS E MITOS
Embora a hipnose seja desmistificada a cada ano, com a divulgação de resultados positivos da prática, o tema ainda enfrenta preconceitos dos mais diversos. "As pessoas acham que podem ser controladas por outros, tem medo de contar algum segredo ou de ficarem presas nesse estado", cita Charles Bueno. "Mas nada disso pode acontecer. A pessoa fica consciente o tempo inteiro. Então, se em algum momento ela sentir que está escutando algo que não é positivo para ela, ela sairá do estado de hipnose."
Cinthya Giacomini atesta que fica "completamente consciente durante as sessões", e que a técnica serve mais como um relaxamento para que ela própria acesse partes de seu subconsciente. "Eu me sinto envolvida dentro de uma bolha de ar quente. É como se fosse um grãozinho de areia. Uma sensação muito gostosa, que não dá vontade de sair."
Marcio Valentim esclarece que não há nenhum tipo de mágica por trás da hipnose, e que "nada de mirabolante acontecerá com a pessoa hipnotizada". "Aos poucos, o brasileiro está se familiarizando com a hipnose, o que ajuda a desconstruir ideias distorcidas a respeito da prática. A internet tem ajudado nessa visibilidade, além de permitir que o assunto seja pesquisado com mais profundidade."
Tanto ele quanto Bueno dizem acreditar que o preconceito seja menor hoje se comparado ao período em que começaram a estudar o assunto, mas que ainda há muito trabalho a ser feito. "Com a exposição de Pyong na televisão, veio uma grande procura, mas o preconceito sempre vai existir porque a maioria das pessoas ainda vê a hipnose como entretenimento, como brincadeira", diz Bueno. "Somente a pessoa que se abre para conhecê-la entenderá o que ela é. Acredito que ela ainda tem muito o que evoluir e aparecer."