© Ueslei Marcelino / Reuters
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em meio à crise do novo coronavírus, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem sinalizado intenções de impor limites às ações do presidente Jair Bolsonaro.
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A maioria dos ministros, apesar de entender que cabe ao governo federal coordenar o combate à pandemia, está disposta a impedir qualquer movimento do chefe do Executivo para afrouxar as medidas contra o alastramento da doença no país.
As recorrentes declarações de Bolsonaro relativizando a necessidade de isolamento social incomodam integrantes da corte, que passaram a conversar nos bastidores sobre como garantir uma atuação técnica do Executivo no enfrentamento à doença.
Gestos públicos da insatisfação do STF com o presidente foram dados recentemente, por exemplo, com as decisões de dar andamento a duas ações contra Bolsonaro.
Em vez de negar seguimento ou deixar os processos em ritmo lento, os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes preferiram levar à frente os questionamentos que tratam especificamente da atuação de Bolsonaro durante a crise.
Um deles é uma notícia-crime do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) contra o presidente por supostamente violar lei que determina pena a quem desrespeitar ordem do poder público para evitar propagação de doença contagiosa. Nesse caso, Marco Aurélio pediu para a Procuradoria-Geral da República se manifestar.
O outro é uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil para que Bolsonaro se adeque às exigências da Organização Mundial da Saúde em relação à doença. Moraes deu 48 horas para o presidente prestar esclarecimentos na ação.
O professor de Direito Thomaz Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Direito-Rio), explica que não há nada de extraordinário nos despachos de Marco Aurélio de encaminhar à PGR a notícia-crime contra Bolsonaro e de Moraes de pedir esclarecimentos à Presidência da República na ação da OAB, mas ressalta que as decisões passam uma sinalização importante.
"Não tem nada de excepcional, mas claro que sinaliza que o procedimento está andando. Não diz nada sobre o desfecho que o processo vai ter, mas é diferente de deixar essa notícia-crime parada ou engavetada", avalia.
Mesmo que esses casos não evoluam e não tenham consequências práticas, enquanto abertos podem virar uma arma política para a corte.
Essas sinalizações se juntam a várias outras que os ministros já vinham emitindo.
Recentemente, a corte preservou a competência dos estados no enfrentamento à pandemia e derrubou os efeitos de norma do Planalto para restringir a Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a crise.
Até o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, que costuma fazer gestos em direção a Bolsonaro em busca de consenso, tem mandado recados ao Palácio do Planalto.
No último dia 16, convocou uma reunião entre os chefes de Poderes e de tribunais superiores para discutir o combate ao novo coronavírus e evitou convidar Bolsonaro.
A justificativa foi que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o advogado-geral da União, André Mendonça, estavam presentes e detalharam as ações técnicas do governo no combate à pandemia. Toffoli não quis convidar Bolsonaro para o encontro.
Dias depois, ele pautou para a primeira sessão após o agravamento da crise discussões sobre os limites de atribuições de governos federal, estadual e municipal em áreas que têm gerado conflito entre Bolsonaro e esses entes.
Uma delas questiona a medida provisória do governo que obrigou que todas as decisões sobre transporte intermunicipal passe pelo governo federal e, a depender do resultado, o julgamento pode representar menos poder à União.
Na contramão do discurso de Bolsonaro, Toffoli também defendeu, na segunda (30), o respeito às decisões estaduais de isolamento social.
"Tudo que tem ocorrido no mundo leva a crer na necessidade do isolamento, realmente", ressaltou.
Nos bastidores, os ministros afirmam que é momento de dar todo suporte técnico necessário para o Executivo enfrentar a doença e que é necessário respeitar a análise de cientistas e estudiosos da área.
O ministro Alexandre de Moraes levou menos de 48 horas para analisar a ação da AGU e dar liberdade para o governo descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e manobrar o orçamento no combate à disseminação do coronavírus.
Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso também seguiram o mesmo comportamento dos demais colegas em relação ao chefe do Executivo em meio à crise.
Primeiro, Barroso decidiu, mesmo depois de a Secretaria Especial de Comunicação negar a veiculação, proibir a campanha "O Brasil não pode parar", feita pelo governo.
Na decisão, o ministro aproveitou para refutar o argumento de que o Brasil tem uma situação econômica diversa dos demais países e, por isso, tem que adotar medidas diferentes.
"Nada recomenda que as medidas de contenção da propagação do vírus sejam flexibilizadas em países em desenvolvimento. Ao contrário, tais medidas, em cenários de baixa renda, são urgentes e devem ser rigorosas", disse.
Depois, foi a vez de GIlmar criticar o governo. Nas redes sociais, o ministro comentou a demora no pagamento dos R$ 600 a trabalhadores informais aprovado pelo Congresso e rebateu a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que seria necessária uma proposta de emenda à Constituição para liberar a verba.
"Não adianta tentar colocar a culpa na Constituição Federal: as suas salvaguardas fiscais não são obstáculo, mas ferramenta de superação desta crise. O momento exige grandeza para se buscar soluções de uma Administração Pública integrada e livre do sectarismo. #PagaLogo".
O ministro Luiz Fux, um dos ministros da corte mais próximos de Bolsonaro, também tem ido na direção oposta à do presidente, defendendo o isolamento social.
Para o professor Thomaz Pereira, o Supremo tem agido sempre que o governo foge dos acordos criados entre estados, municípios e órgãos federais, como o próprio STF e o Congresso.
"O tribunal tem atuado contra o Executivo quando o Executivo está fora do consenso ou faz coisa que restringe direito fundamental de maneira que não está ligada ao que seja necessário para lidar com a crise, como ocorreu com a Lei de Acesso à Informação. Mas, quando o governo pede mais poderes para lidar com a crise na direção do consenso, o tribunal rapidamente se manifestou", diz.