PGR mira na pandemia e arquiva medidas contra Bolsonaro

Augusto Aras decidiu ignorar medidas contra o presidente Jair Bolsonaro por contrariar recomendações do Ministério da Saúde no enfrentamento à Covid-19

© Divulgação / TSE

Política Medidas 13/04/20 POR Folhapress

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem se oposto a tomar medidas contra o presidente Jair Bolsonaro diante das orientações dele à população que contrariam recomendações do Ministério da Saúde no enfrentamento à Covid-19. Em outra frente, foca iniciativas para direcionar recursos obtidos em ações judiciais e acordos com investigados ao combate à doença.

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Provocado em mais de uma oportunidade, o chefe do MPF (Ministério Público Federal) arquivou pedidos de providências contra o mandatário, o que tem gerado acusações de possível omissão dentro da própria PGR (Procuradoria-Geral da República).

Aras diz que não é papel do órgão entrar em disputas político-partidárias e que a prioridade agora são as gestões para levantar cerca de R$ 2,5 bilhões para a Saúde.

A pedido dele, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou que fosse destinado à pasta R$ 1,6 bilhão proveniente de um acordo da Petrobras com autoridades americanas, o chamado fundo da Lava Jato.

Segundo o ministério, desse montante R$ 1 bilhão já foi incluído em seu orçamento.

Outros R$ 800 milhões terão de ser pagos pelo empresário Eike Batista, que fechou colaboração com a PGR, sendo R$ 116 milhões agora e o restante ao longo de quatro anos.

Também se busca carrear para o ministério os R$ 51 milhões apreendidos num bunker atribuído ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, o que depende de autorização judicial.

Apesar dos esforços para capitalizar o governo, a condução dos casos envolvendo Bolsonaro tem sido fonte de críticas e de embates internos de Aras com seus pares.

Em 26 de março, um grupo de subprocuradores-gerais da República, coordenadores de câmaras temáticas da PGR, requereu a ele que recomendasse ao presidente que a implementação de políticas de saúde e a veiculação de pronunciamentos a respeito do coronavírus passassem a ser feitos em sintonia com as indicações das autoridades sanitárias.

Foi uma reação ao discurso de Bolsonaro em rede nacional, dois dias antes, no qual refutou a necessidade de isolamento social e minimizou os riscos da doença. Para o grupo de subprocuradores, as falas desautorizaram as medidas de saúde em curso.

Aras não levou o caso adiante. Em nota, afirmou que o MPF tem o papel de cooperar com as instituições, atuando para arrefecer polarizações e buscar soluções à crise.

Reclamou que o documento dos subprocuradores foi vazado à imprensa antes de chegar ao seu gabinete e que a finalidade do texto era a de "manifestar preocupação pessoal com políticas de governo".

O procurador-geral disse que não haveria instrumentos legais para efetivar a recomendação solicitada, caso o presidente se negasse a segui-la.

"Os chefes do Poder Executivo detêm liberdade de expressão para se posicionar sobre assuntos considerados relevantes para a sociedade, e não subordinam suas opiniões a organismos externos", diz a nota.

Em outra ocasião, subprocuradores pediram a Aras que ajuizasse no STF uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra a campanha "O Brasil não pode parar", lançada pela Presidência após Bolsonaro incitar brasileiros a saírem às ruas, e contra o decreto que classificou lotéricas e igrejas como serviços essenciais.

O chefe da PGR discordou, argumentando que a arguição deve ser usada para preservar a Constituição "na falta de outro meio eficaz". Destacou que uma ação semelhante, da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, estava em curso na Justiça em primeira instância e remeteu a representação ao MPF naquele estado.

Aras teve posição coincidente com a do governo federal em questão que gerou embates com gestores locais.

Em parecer enviado ao STF, pediu que uma liminar suspendesse interdições de transportes adotadas por governadores e prefeitos. Justificou que elas poderiam gerar desabastecimento e prejudicar o tráfego de pacientes e remédios. Os bloqueios foram criticados por Bolsonaro, que viu invasão da competência federal.

Outra vitória do presidente na PGR se deu na última terça (7), quando o órgão remeteu ao ministro do Supremo Marco Aurélio Mello seu entendimento sobre sete representações criminais contra ele.

Elas pleiteavam a abertura de investigação contra o mandatário por, supostamente, infringir em seus discursos e andanças "determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa", crime previsto no Código Penal.

Designado por Aras para atuar em casos dessa natureza, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, opinou contra o prosseguimento.

Para integrantes da PGR, o procurador-geral tem se equilibrado entre manter certo alinhamento com Bolsonaro –que o indicou mesmo estando fora da lista tríplice definida em eleição interna– e dar respaldo ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujas falas seguem em linha oposta à do presidente.

No dia 2, Aras se reuniu com o ministro e fechou um acordo que permite o repasse de informações técnicas da pasta ao gabinete criado pela PGR para acompanhar a epidemia. Indicou, com isso, que a instituição se guiará pelos dados das autoridades sanitárias.

Professora da FGV Direito SP, Eloísa Machado de Almeida diz que a atuação de Aras com relação a Bolsonaro não é surpreendente porque segue a linha adotada antes da pandemia. "Talvez o principal fator de destaque seja sua inação", diz a professora sobre a atuação de Aras durante a crise.

"Quando provocado a estabelecer limites no que se refere à incitação à quebra de quarentena, o PGR amenizou a situação dizendo que as falas do presidente, inclusive a campanha 'O Brasil não pode parar', são questões de liberdade de expressão", afirma ela.

Questionado sobre as críticas, o procurador-geral disse à Folha que a PGR "tem buscado resultados em iniciativas concretas para enfrentar a pandemia e ajudar a salvar vidas, sem participar de disputas político-partidárias e sem buscar protagonismo político no meio de uma pandemia".

"A PGR não é casa de solução política, mas de legalidade e de análises técnicas e jurídicas fundamentadas na Constituição e nas leis. Para afastar um presidente é preciso ir ao Congresso", afirmou.

Aras argumentou ser necessário separar as figuras do Estado e do governo.

"O Estado brasileiro está funcionando com profissionais de diversas áreas, atuando dia e noite no enfrentamento da Covid-19. O governo, representado pelo presidente, assim como parlamentares, têm liberdade de expressão e goza de certas imunidades."

Segundo Aras, eventuais atos administrativos que contrariem as orientações técnicas, contudo, podem ser passíveis de análise judicial.

O chefe do MPF afirmou que a obtenção de recursos é a prioridade durante a pandemia e que repassou essa recomendação aos membros do órgão.

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