Sobrecarga e riscos pioram saúde mental de médicos e enfermeiros

Nos últimos 50 dias, ao menos 32 servidores estaduais e municipais de saúde de São Paulo, sendo sete médicos, morreram infectados pelo novo coronavírus

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Lifestyle SAÚDE-MENTAL 07/05/20 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O suicídio de uma médica de Nova York que atendia pacientes com Covid-19 chamou atenção para um problema ainda pouco debatido no Brasil: a piora da saúde mental dos profissionais da saúde em meio a pandemia.

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Ainda não há estudos sobre isso, mas a percepção de entidades e de especialistas é que, com o aumento de mortes de colegas de trabalho pela doença, aliado ao medo do contágio e às exaustivas jornadas, quadros emocionais e psiquiátricos tendem a se agravar.

Veja também: Covid-19: Pandemia matou mais de 150.000 pessoas na Europa

Nos últimos 50 dias, ao menos 32 servidores estaduais e municipais de saúde de São Paulo, sendo sete médicos, morreram infectados pelo novo coronavírus. Só no Hospital do Mandaqui (zona norte) foram três, um técnico de enfermagem e dois auxiliares.

Veja também: Três médicos caíram, sem explicação, de janelas de hospitais na Rússia

Até nesta quarta (6), o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) contabilizava 73 mortes de profissionais pela Covid-19 no país. A maior parte (41) com menos de 60 anos. O município de São Paulo, lidera o ranking com 18 mortos.

"A equipe já está muito cansada pelo excesso de trabalho e se sente impotente diante das mortes de pacientes e de colegas. Vai dando aquele desespero porque a gente tem familiares e pode contaminá-los também", afirma a secretária-geral do SindSaúde-SP (sindicato dos servidores estaduais), Célia Regina Costa.

Segundo ela, foi uma batalha conseguir que os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) chegassem a todos os funcionários e agora será outra obter suporte emocional para os servidores que estão na linha de frente.

"Isso é necessário principalmente nos locais em que os colegas faleceram. No Mandaqui, tem uma equipe inteira traumatizada. De 11 colegas, dois deles faleceram. Eles sentem a morte muito próxima."

Ela conta sobre uma fisioterapeuta que atuava na UTI do Hospital do Servidor Público Estadual que, assintomática e sem ser testada, seguiu trabalhando e indo para a casa. Com isso, contaminou a irmã, que morreu, e a mãe, que na UTI do Hospital das Clínicas. "Isso transforma a vida da pessoa. Como superar esse sofrimento sozinha?"

A enfermeira Renata Prieto, presidente do departamento de enfermagem da Amib (Associação de Medicina Intensiva), diz que os colegas estão com muito medo.Prieto publicou nesta quarta (6) uma carta endereçada ao presidente Jair Bolsonaro em que relata o dilema vivido pelo pessoal da enfermagem, que soma 2,3 milhões de profissionais, a maior força de trabalho da saúde no país.

"Além de acumularmos todas as angústias do cidadão comum, estamos mais expostos ao risco de contaminação e lidando com falta de EPIs, sobrecarga de trabalho com jornadas exaustivas e ainda presenciamos colegas sendo agredidos fisicamente e psicologicamente durante o traslado até suas casas."

Somado a essas questões, segundo ela, há profissionais que pertencem aos grupos de risco e que seguem na linha de frente porque não foram liberados para a quarentena.

"A questão psicológica tem causado um impacto grande. A sobrecarga física e mental tem sido absurda. As pessoas relatam esgotamento", diz.

Segundo ela, embora haja várias iniciativas de ofertas de terapia online, os profissionais não têm tempo de buscar essa ajuda porque precisam conciliar as jornadas exaustivas com os afazeres domésticos quando chegam em casa.

O ideal, afirma, seria que esse suporte fosse oferecido dentro dos hospitais. "Estão todos aterrorizados com a quantidade de mortes. Tenho tentado levar algum conforto e otimismo por meio de lives, lembrando que 80% dos sintomáticos vão ter melhora."

Esses desafios impostos pela Covid-19 vêm a se somar a outros quadros emocionais que já acompanham os profissionais de saúde, segundo a psiquiatra Carmita Abdo, secretária da AMB (Associação Médica Brasileira).

Ela afirma que essa população tradicionalmente apresenta taxas superiores de problemas mentais, como burnout, uso de drogas e suicídio, em relação à população geral pelas adversidades inerentes à área da saúde.

"Agora esses números tendem a se intensificar. Não temos dados consolidados mas sabemos que está aumentando muito o número de profissionais que precisam se afastar porque estão esgotados."

Pesquisa realizada pela APM (Associação Paulista de Medicina) detectou que de um universo de 2.312 médicos ouvidos no país, 86,6% têm a percepção de que os colegas estão apreensivos, deprimidos, insatisfeitos e revoltados.

Segundo Abdo, vários centros médicos no país, como o HC da USP, têm oferecido suporte emocional para cuidadores, psicoterápíco e/ou medicamentoso, mas que é preciso vencer o estigma relacionado às questões de saúde mental.

"Esses profissionais ainda se sentem constrangidos em buscar um serviço dessa natureza, temendo se colocar como vulnerável ou frágil."

Uma outra dificuldade anterior, explica a médica, é a de que as pessoas têm dificuldade de identificar que estão com algum problema mental. "Elas já trabalham dentro de um nível de pressão tamanho que isso parece natural. Quando não, preferem recorrer à automedicação."

Johnson lança programa com terapia online Uma iniciativa que será lançada no próximo dia 13 pela Johnson & Johnson Brasil oferecerá cuidado psicossocial a profissionais da saúde pública e privada de todo o país, especialmente médicos e enfermeiros.

Numa primeira fase, serão ofertadas 7.600 sessões gratuitas de terapia online. Os profissionais poderão baixar os aplicativos e ter acesso aos serviços de apoio emocional e psicológico oferecidos por plataformas digitais.

Segundo Fabricio Campolina, da Johnson & Johnson, a Covid-19 trouxe desafios mesmo aqueles profissionais preparados para atuar em situações emergenciais.Ele explica que o conteúdo do programa foi adaptado para dialogar com as angústias e dilemas vivenciados atualmente pelos profissionais.

Afirma que a meta é conseguir mais parceiros, como secretarias de saúde e associações de profissionais, para que a iniciativa seja ampliada, inclusive envolvendo psiquiatras em casos que só a ajuda terapêutica não for suficiente.O programa é feito em parceria com o hub de inovação Distrito e as startups Moodar e TNH Health.

A Moodar é uma plataforma de teleterapia, acompanhada por uma equipe de psicólogos.

Já TNH Health faz uso de inteligência artificial para simular conversas, com informações e conteúdo para problemas de saúde emocional como depressão e ansiedade.Além de um check-up do estado de saúde, o profissional receberá dicas para lidar com situações de estresse e pressões do dia a dia, e exercícios de autocuidado.

"Curiosamente, a gente não tem observado que, ao conversar com um robô de inteligência artificial, a pessoa veja menor valor. Ao contrário, ela se sente mais à vontade de falar dos seus problemas."

Os profissionais poderão ter acesso ao programa por meio do site: https://cuidandodequemcuidadenos.com.br/.

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