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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na eleição de 2018, o empresário paranaense Carlos Nacli, 39, e o especialista em tecnologia mineiro Newton Martins, 48, estiveram entre os mais atuantes defensores da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.
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Numa campanha em que o WhatsApp foi fundamental, eles criaram o ZapBolsonaro, ferramenta que reunia cerca de cem grupos de apoiadores de Bolsonaro, com quase 15 mil participantes no total.
Recentemente, no entanto, a antiga dupla se desfez, embora ambos digam que continuam amigos.Nacli rompeu com o presidente que ajudou a eleger e hoje defende o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
"Sergio Moro representava um dos pilares da campanha de Bolsonaro: a Justiça para todos", diz Nacli, que hoje vive em Portugal, onde atua no ramo de distribuição de alimentos.
"O trabalho da Lava Jato abriu a janela de oportunidade para que Bolsonaro se lançasse candidato. Fico decepcionado pelo rumo que ele escolheu", diz ele, que criou o grupo ZapBrasil, no qual defende uma chapa com a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) para presidente e Moro como vice, em 2022.
Já Martins mora em Boston (EUA), onde segue com a marca ZapBolsonaro em site, Twitter e canal de YouTube. Ele se mantém fiel ao presidente. "Bolsonaro está fazendo muito pelo povo brasileiro e estancou grande parte da corrupção, mesmo com tanto apedrejamento pela mídia, Judiciário e parte do Legislativo."
Partidário da reeleição do presidente, ele diz ter ficado "de coração partido" com a briga entre Moro e Bolsonaro e afirma que ambos foram importantes para seu despertar como um ativista de direita."Eu comecei a me interessar por política por causa da Lava Jato. E a partir de 2018 passei a apoiar Jair Bolsonaro", declara Martins.
A cisão entre os dois antigos parceiros é um exemplo de como o barulhento racha entre Bolsonaro e seu ex-ministro tem potencial para causar um abalo profundo no eleitorado mais à direita em 2022.
Lavajatismo e bolsonarismo são indissociáveis na onda conservadora que tomou o país há dois anos.
Mas o presidente agora tem uma sombra, especialmente entre os que colocam o antipetismo como fator preponderante para o voto. Moro, afinal, é o homem que condenou e mandou prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-juiz tem dito que não pensa num projeto político nesse momento, mas poucos duvidam que terá papel fundamental em 2022, seja como candidato ou cabo eleitoral.
Para o professor de filosofia conservador Francisco Razzo, Moro pode encarnar a partir de agora a visão de uma direita democrática, em contraste com o projeto marcadamente autoritário de Bolsonaro.
Este, segundo ele, pode ser um bom caminho para o ex-ministro da Justiça se posicionar no debate político.
"O ambiente antipetista segue sendo muito forte no país. A direita que resiste ao PT, mas que não quer saber de AI-5 e ditadura, tem uma tendência a preferir alguém como o Moro", diz Razzo, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária" (Record).
Em março, ele publicou um artigo no jornal Gazeta do Povo declarando seu arrependimento por ter votado em Bolsonaro na última eleição.Razzo afirma que o maior desafio do ex-juiz é reconquistar apoio de setores moderados que o admiravam, mas que ficaram chocados quando ele se aliou a Bolsonaro.
"Quando Moro foi para o bolsonarismo, queimou muito o filme como alguém que esteja preocupado com o Estado de Direito", afirma.
Por outro lado, diz o professor, Moro é uma figura híbrida, que transita entre o centro e a direita. "Ele é muito difícil de definir, se movimenta o tempo todo, o que pode ser uma vantagem, pois amplia seu campo de atuação", afirma.
O ex-ministro tem sido estimulado a abraçar de vez a carreira política. Tem convites em aberto de ao menos quatro partidos (Podemos, Novo, PSL e Patriota), além do apoio de figuras relevantes na direita, como o ex-deputado Xico Graziano, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) e alguns militares da reserva. Mas, por enquanto, ele tem preferido a cautela.
O rompimento levou a uma reação imediata de Bolsonaro para manter a hegemonia no campo da direita. Deputados e comentaristas ligados ao presidente passaram a caracterizar Moro como uma pessoa não comprometida com ideais conservadores.
Empresário e ativista digital influente entre bolsonaristas, Leandro Ruschel afirma não acreditar que Moro possa ser identificado com um homem de direita, muito menos conservador. "Pouco se sabe sobre a sua matriz ideológica, mas nas pistas que ele deu, demonstrou que acredita num dirigismo do Estado que não é conciliável com as teses conservadores de supremacia da iniciativa individual", afirma Ruschel.
Segundo ele, a única característica de Moro que não condiz com uma postura de esquerda é a dureza com o crime. "As pessoas enxergam essa faceta e já assumem que ele seria conservador nos outros temas, o que não parece ser o caso."
Professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, Jorge Zaverucha concorda que Moro não é ideologicamente conservador, o que deve fazer Bolsonaro aumentar sua ascendência sobre essa parcela do eleitorado.
Autor de livros a respeito da relação entre democracia, autoritarismo e as Forças Armadas e um crítico da esquerda, Zaverucha vê o ex-juiz muito bem posicionado para arrebanhar dois eleitorados que em alguma medida se tocam: o antipetista e o de centro.
"O bolsonarista tem opiniões de direita, mas o lavajatista, não necessariamente", afirma o professor.
Para Zaverucha, Moro pode pegar votos da direita democrática e até de uma esquerda não-petista e moderada. "Ele só não vai ter votos nos extremos, isso com certeza", afirma.
O risco maior para o ex-ministro, avalia o professor, não é tanto a acusação de não ser conservador puro sangue, mas que cole a pecha de traidor."A palavra traidor tem um componente muito forte, e a tentativa bolsonarista é com isso evitar que um eleitorado menos instruído migre para o lado do Moro", afirma.
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