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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A repercussão mundial da nova forma de informar os dados da Covid-19 no Brasil por parte do Ministério da Saúde alcançou no último domingo (7) os veículos internacionais e também as redes sociais.
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Alguns dos principais jornais estrangeiros destacaram negativamente as mudanças feitas pela pasta. As manchetes dos diferentes portais falavam em 'apagão de dados', 'sumiço de mortes' e 'governo elimina mortos pelo vírus'.
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Nas redes sociais, acadêmicos, jornalistas e usuários contrários ao governo mundo afora criticaram o novo formato, alegando que o 'apagar das luzes' fez a pandemia 'sumir' no país.
Com o título "Brasil para de publicar total de mortes por Covid-19 e retira dados de site oficial", o texto de um dos jornais mais lidos no mundo, o britânico The Guardian, diz que a medida, que teria sido determinada pelo presidente Bolsonaro, foi largamente criticada pela sociedade brasileira.
"Médicos, associações médicas e governadores de estados atacaram o que chamam de tentativa de controlar informação", diz o jornal.
O Guardian destacou as acusações feitas pelo empresário Carlos Wizard de que as secretarias estaduais de saúde estariam manipulando os dados, inflando os números de mortos pela doença para obterem mais recursos do governo federal.O jornal também reproduziu parte da nota emitida pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) em resposta às acusações de Wizard.
O The Washington Post reproduziu texto da agência internacional de notícias Associated Press que diz que o Brasil eliminou dados do total de mortos pela Covid-19 e deixou especialistas perplexos.
Influente no mundo árabe e em diversos países da África, o canal de notícias Al Jazeera deu destaque à queda do portal oficial de informações sobre a pandemia no Brasil, que ficou fora do ar desde a noite da sexta-feira (5) até a tarde do sábado (6). Quando voltou a funcionar, o site não exibia mais os números totais de mortes e casos no país.
Outra agência internacional de notícias, a Reuters disse que o Brasil tirou do público meses de dados sobre a pandemia no país, enquanto o presidente Bolsonaro defendeu os atrasos e as mudanças no registro de informações.
Nas manchetes francesas, os destaques foram a retirada dos dados públicos sem nenhuma justificativa apresentada nem por parte de Bolsonaro, nem pelo Ministério da Saúde. Um dos veículos reproduziu ainda a declaração do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, afirmando que "Do ponto de vista de saúde, é uma tragédia o desmanche da informação".
Relatos de médicos brasileiros que trabalham em hospitais e instituições de pesquisa no exterior ouvidos pela Folha criticaram a já falha comunicação do ministério antes. Agora, afirmam que ocultar os dados traz ainda mais desconfiança e deve ser cobrada transparência pela população e por autoridades.
Segundo especialistas, o acesso aos microdados -detalhamento dos casos e mortes, incluindo sexo, idade, local- já era dificultado pela pasta e trazia um panorama incompleto da pandemia no país.
Médico brasileiro radicado no Canadá e pesquisador em Toronto (Canadá), Atalah Haun, afirma que não existe do ponto de vista médico nenhum motivo para se esconder os números, e não é possível estabelecer medidas de combate à epidemia sem o conhecimento dos dados.
Para Márcia Castro, chefe do departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, é ainda mais incisiva na avaliação da fala de Wizard sobre a manipulação dos dados. Para ela, a fala "reflete a falta de conhecimento de saúde pública, do funcionamento do SUS, e do trabalho feito pelas secretarias de saúde, além de um desrespeito às pessoas trabalhando na linha de frente da pandemia e às vidas perdidas".
Castro afirma ainda que a varredura dos dados já vinha sendo feita por diversos grupos de maneira independente -um deles é novo portal coordenado pelo ex-secretário executivo do ministério, João Gabbardo, lançado na noite deste domingo (7). Por isso, os números estarão ali, mesmo com a mudança do governo, completa.