Ativistas veem censura e não reparação em veto de 'E o Vento Levou'

Um canal da HBO decidiu tirar o filme de seu catálogo e causou polêmica

© Divulgação / Warner

Cultura Debate 12/06/20 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Este é um dos momentos mais felizes de minha vida, e quero agradecer cada um de vocês", disse a atriz Hattie McDaniel quando subiu ao palco da 12ª edição do Oscar, em 1940, para receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante. "Espero sinceramente ser sempre motivo de orgulho para a minha raça e para a indústria cinematográfica. Meu coração está pleno demais para lhes dizer como me sinto, e posso dizer 'obrigada'. Que Deus os abençoe."

PUB

Diferentemente de todos os outros premiados daquela noite, McDaniel era uma pessoa negra e se tornou, naquele momento, a primeira atriz de sua raça a receber uma estatueta da cerimônia.

O prêmio foi entregue devido ao seu trabalho no filme "E o Vento Levou", de Victor Fleming, inspirado na trama do livro de mesmo nome, escrito por Margaret Mitchell, que narra uma história de romance, marcada por encontros e desencontros, vivida pela personagem Scarlett O'Hara, papel de Vivien Leigh, uma jovem branca filha de um latifundiário, no sul dos Estados Unidos durante a Guerra de Secessão.

No longa, McDaniel, filha de um casal ex-escravo, interpreta Mammy, uma empregada doméstica da família O'Hara, sarcástica, engraçada e amorosa com seus patrões. Além dela, os outros atores negros que compõem o elenco também interpretam criados.

Sempre doces, obedientes e ingênuos, os negros de "E o Vento Levou", no entanto, são uma representação deturpada da realidade existente no sul dos Estados Unidos durante a época representada, o início da década de 1860, marcada por horrores da escravidão, responsável pela comercialização, estupro, tortura e assassinato de povos negros.

Militantes negros criticaram o filme quando lançado, em 1939, mas isso não impediu que a obra levasse oito prêmios no Oscar, incluindo o de melhor filme, e se tornasse um clássico. Agora, oito décadas depois do lançamento, "E o Vento Levou" está envolvido numa nova polêmica, e dessa vez, intensificada pelas redes sociais.

Em meio aos recentes protestos contra o racismo nos Estados Unidos –motivados pelo assassinato de George Floyd– John Ridley, roteirista de "12 Anos de Escravidão", escreveu na segunda-feira um artigo no jornal Los Angeles Times dizendo que o filme de Fleming "perpetua alguns dos estereótipos mais dolorosos das pessoas de cor" e, por isso, deveria ser urgentemente retirado da plataforma de streaming recém-lançada HBO Max.

No dia seguinte, a empresa anunciou que retirou a obra e pretende devolver o longa ao catálogo, no futuro, acompanhado de um material de contextualização histórica que promova a discussão sobre as problemáticas em questão, como Ridley já havia sugerido.

Diversas obras artísticas ao longo da história já foram acusadas de promover algum tipo de opressão e geraram uma série de críticas. Entre textões no Facebook, trending topics no Twitter e vídeos no Instagram, as polêmicas ganham agora um ritmo cada vez mais frenético na era da internet.

A decisão da HBO Max, por exemplo, teve grande repercussão, que foi desde as acusações de censura até o destaque que "E o Vento Levou" conquistou ocupando o topo das vendas de best-sellers da Amazon.

O professor e cineasta Dodô Azevedo diz que a atitude da HBO não só é um tipo de censura à arte como também uma propaganda "de sua parte tóxica".

"Esse filme é e será lembrado como a prova de que melhoramos como seres humanos. Isso faz parte da nossa história e não merece censura", diz ele. "Muitos filmes foram usados para propaganda nazista e é muito importante analisar para que isso não se repita."

A retirada temporária do filme da plataforma é também criticada por Thiago Amparo, especialista em direito. "A censura pode acontecer por razões moralmente aceitáveis ou não, mas o ato é o mesmo. E isso pode até ter um efeito contrário e incentivar um interesse pela obra desacompanhado de qualquer contextualização."

O livro "Racismo Recreativo", de Adilson Moreira, publicado no ano passado, sugere como alternativa que o consumo de produtos artísticos que contenham discursos e ideias opressoras sejam realizados sempre alinhados a um material capaz de expor as problemáticas em questão, ação prometida pela HBO, mas ainda sem data definida.

"O racismo continua presente na nossa sociedade devido à ausência de debate sobre ele", diz Moreira. "Esse pode ser um ponto de partida para nós entendermos o momento presente e não reproduzirmos certas narrativas. Esse é um bom exemplo de letramento racial."

No caso do Brasil, a filósofa Djamila Ribeiro considera que livros como o "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato, que segundo ela, não só disseminam discursos racistas, como também os estimulam, não devem constar numa grade educacional infantil. "Se adultos quiserem ter [o livro] nas suas estantes, tudo bem. Mas uma criança está em processo de formação."

Quando questionada sobre a decisão da HBO, Ribeiro diz que não considera o caso como censura. "Isso é só uma plataforma retirando um filme que romantiza a violência racial. Censura seria se ele não fosse exibido nunca mais em nenhum lugar."

Diante de tantas discussões e protestos contra o racismo, é preciso ter em mente a necessidade de promover mudanças significativas, e não sentir só uma "meia culpa". É o que diz Amparo, que interpreta a decisão da HBO Max como uma "censura temporária", ao analisar os acontecimentos atuais envolvendo a luta antirracista.

Ele diz ainda que a empresa deveria aproveitar a preocupação para investir em mais produções culturais negras.

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

politica Polícia Federal Há 18 Horas

Bolsonaro pode ser preso por plano de golpe? Entenda

fama Harry e Meghan Markle Há 9 Horas

Harry e Meghan Markle deram início ao divórcio? O que se sabe até agora

fama MAIDÊ-MAHL Há 18 Horas

Polícia encerra inquérito sobre Maidê Mahl; atriz continua internada

justica Itaúna Há 18 Horas

Homem branco oferece R$ 10 para agredir homem negro com cintadas em MG

economia Carrefour Há 16 Horas

Se não serve ao francês, não vai servir aos brasileiros, diz Fávaro, sobre decisão do Carrefour

economia LEILÃO-RECEITA Há 15 Horas

Leilão da Receita tem iPhones 14 Pro Max por R$ 800 e lote com R$ 2 milhões em relógios

brasil São Paulo Há 18 Horas

Menina de 6 anos é atropelada e arrastada por carro em SP; condutor fugiu

fama LUAN-SANTANA Há 18 Horas

Luan Santana e Jade Magalhães revelam nome da filha e planejam casamento

politica Investigação Há 10 Horas

Bolsonaro liderou, e Braga Netto foi principal arquiteto do golpe, diz PF

mundo País de Gales Há 17 Horas

Jovem milionário mata o melhor amigo em ataque planejado no Reino Unido