Navios da Marinha atracam no Pará para atender população ribeirinha

O navio que, vagarosamente, vai cortando as áreas isoladas da floresta, leva um privilégio para o povo da região: o acesso à saúde

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Brasil Marinha 14/06/20 POR Notícias Ao Minuto

O Navio Auxiliar Pará – vasta embarcação da Marinha do Brasil com 56 metros de comprimento – vai se movendo lentamente pelos furos e estreitos dos rios amazônicos. Das margens, surgem rabetas (barquinhos com motor traseiro) e catraias (canoas a remo) com crianças sozinhas, mães com muitos filhos, homens sem camisa. Eles esperam algum donativo – uma roupa, uma comida. É a triste realidade das populações ribeirinhas, literalmente, à margem da cidadania.

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O donativo pode matar a fome por um dia, mas o navio que, vagarosamente, vai cortando as áreas isoladas da floresta, leva um privilégio para o povo da região: o acesso à saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um médico para cada mil habitantes. A Ilha do Marajó, com seus 16 municípios – oito deles com os piores Índices de Desenvolvimento Humano do país – tem 0,12 médicos por mil habitantes. Ou seja, um profissional para atender mais de 8.300 pessoas. Para efeitos de comparação, Brasília, a capital do país, tem 5,1 médicos por mil habitantes.

Para ajudar as pessoas da Região Norte, com diversas necessidades, a esperança vem dos seis navios da Marinha (os auxiliares Pará, Breves e Soure; as patrulhas Bracuí e Bocaina; e o rebocador Iguatemi), que estão equipados com consultórios médicos, odontológicos, laboratórios e até mesmo ultrassom e mamógrafo.

“Todos os médicos são cedidos pelo Hospital Naval de Belém - e todos querem muito vir, para ter a experiência de ajudar e de fazer, às vezes, até 200 consultas em apenas um dia. A população daqui tem muitos problemas gástricos por má alimentação e verminoses” - explicou o 1o Tenente Clínico Geral João Pedro Aquime.

O Comandante Robledo de Lemos Costa e Sá, do Grupamento de Patrulha Naval do Norte, relatou o que é preciso fazer para que um navio desses entre em missão médica por 15 dias.

“Para conseguir os recursos, vou para Brasília, aos gabinetes dos deputados do Pará e do Amapá, mostrar o projeto e pedir verbas das emendas parlamentares. Eles confiam nas Forças Armadas e sugerem as cidades ribeirinhas por onde o navio vai passar”.

Em 2019, foram feitos 11.013 procedimentos odontológicos, 5.757 exames laboratoriais, 2.835 consultas médicas, 570 mamografias, 376 preventivos de câncer do colo do útero e mais de 71 mil medicamentos foram distribuídos gratuitamente para os ribeirinhos. Isso tudo em apenas 28 dias em que os navios estiveram atracados. Afinal, muitas vezes é preciso navegar cinco dias para chegar até uma cidadezinha à beira rio. Mas dá resultados.

“Desde a primeira vez que vim para cá, em 2013, a saúde bucal deles melhorou muito. Já estou indo para a minha décima missão. Agora eu faço mais limpezas do que extração. Em comunidades isoladas, como Ajuruxi e Ariramba [ambas no Amapá], eles tinham dentes mais bem cuidados do que em Santana [o segundo maior município do Amapá]” - gratifica-se o dentista Rhamir Saulo, Capitão-Tenente da Marinha.  

A 3o Sargento Fuzileiro Naval, Érika Pantoja, é paraense e tem familiares no município de Muaná, na Ilha do Marajó. Será a primeira missão dela na região. “Meus parentes estão orgulhosos porque irei participar da entrega de cestas básicas e livros nos municípios marajoaras. É um povo muito humilde e muito necessitado, já vi casos de gente que teve problemas de saúde e teve que viajar de barco por várias horas até Belém para conseguir socorro”, relatou.

Além da assistência médico-odontológica e das ações “Pão da Vida” (entrega de cestas básicas) e “Maré do Saber” (doação de livros para escolas públicas), os navios da Marinha também costumam levar técnicos do INSS, membros dos Tribunais de Justiça do Pará e da Justiça Federal.

“Já realizamos até casamento coletivo para 40 casais com a presença dos juízes que vieram embarcados. Às vezes, o juiz tem que fazer divórcios também. É a oportunidade que eles têm de se casar ou de se separar”, afirmou o Comandante Robledo.

Tão necessário quanto a oficialização do matrimônio, para os ribeirinhos que não possuem postos do INSS na região a chegada do navio é a possibilidade de conseguir a aposentadoria rural ou algum outro benefício. “A burocracia impede os ribeirinhos de emitir benefícios do INSS. O cidadão tem que ir de Breves [a cidade mais populosa de Marajó, com 103 mil habitantes] até Belém. Só a passagem de ida custa R$ 148. E são, no mínimo, quatro audiências. O ribeirinho desiste, não tem como”.

Ano passado, os postos móveis da Justiça Federal realizaram 1.565 atendimentos e os representantes do TJ-PA embarcados atenderam 968 pessoas. O próximo passo é conseguir verba para instalar antenas sateliais para acesso de internet nos navios da Marinha. Com essa tecnologia, os postos móveis poderão se conectar imediatamente à central do INSS e agilizar a concessão de benefícios.

“A ciranda econômica dos municípios ia girar muito melhor se todas as pessoas tivessem acesso aos benefícios do INSS de forma rápida, on-line”, vislumbra o Comandante Robledo.

Como os recursos ainda não vieram, mas com sede de ajudar ao máximo as populações isoladas do Norte do país, o alto oficial da Marinha continua batendo de porta em porta nos gabinetes de deputados e senadores, em Brasília, atrás das emendas parlamentares. “Só saio de lá quando já está tudo assinado.”

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