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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, negou nesta segunda-feira (3) que tenha defendido junto a autoridades brasileiras que a derrubada de barreiras comerciais ao etanol americano beneficiará a reeleição do presidente Donald Trump.
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"Qualquer interpretação de que minha defesa de interesses comerciais de longa data, durante um ano eleitoral, foi uma tentativa para beneficiar um candidato presidencial específico é simplesmente incorreta", disse Chapman, em nota divulgada pela embaixada em Brasília.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou no final de junho, autoridades americanas passaram a argumentar que o governo Jair Bolsonaro poderia melhorar as chances de reeleição de Trump caso aceite eliminar uma sobretaxa ao etanol americano importado.
Na semana passada, após o tema voltar a ser noticiado por jornais brasileiros, o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, controlado por democratas, enviou uma carta à embaixada em Brasília exigindo explicações.
Eliot Engle, presidente do comitê congressual, disse que o uso de argumentos políticos e eleitorais para a defesa de um objetivo comercial seria "inapropriado para um embaixador americano" e uma potencial violação de leis dos EUA, uma vez que os diplomatas deveriam adotar uma postura não partidária.
O deputado americano demandou que Chapman detalhasse em uma correspondência ao comitê o conteúdo de suas tratativas com membros do governo brasileiro sobre etanol.
"Em nenhum momento solicitei aos oficiais brasileiros que tomassem quaisquer medidas em apoio a qualquer candidato presidencial [americano]", defendeu-se Chapman, no comunicado divulgado nesta segunda.
Chapman alega que publicações da imprensa "descaracterizam" assuntos discutidos com autoridades brasileiras, alegando que o diplomata americano sugeriu que um "resultado particular de uma questão poderia favorecer as chances de eleição de um candidato presidencial sobre outro".
"O meu papel nessas reuniões foi continuar a defender o comércio aberto e a cooperação em questões comerciais, bem como buscar outras áreas de interesse mútuo para o Brasil e os Estados Unidos", afirmou.
Segundo relatos feitos à reportagem, os americanos trabalham pelo fim de uma cota de importação anual sem tarifa de 750 milhões litros de etanol -o que ultrapassa esse volume paga uma taxa de 20%.
A cota em vigor já é resultado de um agrado aos americanos: até o ano passado ela era limitada a 600 milhões de litros por ano, mas foi incrementada para o valor atual após gestões da administração Trump.
Os EUA produzem etanol a partir do milho, e o produto é mais barato que o similar brasileiro, feito com cana-de-açúcar.
Os americanos são os maiores vendedores da substância ao Brasil: em abril, segundo dados do governo compilados pela UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), foram 142,5 milhões de litros importados, sendo que 127,6 milhões vieram dos EUA.
A entrada do álcool estrangeiro no país afeta principalmente pequenos usineiros no Nordeste, que no ano passado tentaram, sem sucesso, impedir a elevação da cota de importação.
O fim das barreiras de importação é um pleito antigo dos EUA, mas os americanos voltaram à carga nos últimos meses com novos argumentos.
O principal deles, apresentado em conversas com autoridades brasileiras e relatado à reportagem, é que desta vez o tema é politicamente sensível porque Trump deve se beneficiar eleitoralmente do aumento de vendas de etanol nos estados do meio-oeste que fazem parte do Corn Belt (cinturão do milho).
A cota de importação atual vence no final de agosto, quando o presidente Jair Bolsonaro precisará decidir se atende ao pleito de seu aliado estratégico ou não. Tentam resistir ou ao menos reduzir os impactos de uma nova concessão os produtores nacionais de etanol, a bancada ruralista no Congresso e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
No governo brasileiro, as principais vozes em defesa do fim da cota para o etanol americano são o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República.
Eles são expoentes da chamada ala ideológica e advogam por um alinhamento automático com os Estados Unidos.
Membros da administração Bolsonaro e parlamentares que são contrários ao novo aceno a Washington têm argumentado que os americanos estão usando uma justificativa política para conseguir uma vitória comercial há muito desejada: o fim de obstáculos para a venda de etanol no Brasil.
Nada indica, dizem, que o levantamento das barreiras teria potencial para influenciar de forma significativa a disputa eleitoral nos estados do meio-oeste.
O presidente da FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), teve uma conversa recente com o embaixador Chapman e disse que, embora o diplomata não tenha defendido explicitamente a reeleição de Trump, havia sim um componente político implícito na mensagem do americano.
"É impossível, não temos como abrir a cota de etanol sem limites para os americanos. Se não, nós quebramos o mercado, principalmente os produtores do Nordeste", disse o deputado.
O presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Evandro Gussi, reagiu à mensagem do embaixador Chapman e disse que os EUA não buscam "defesa de interesse comerciais de longa data", como alega o diplomata.
"[Os americanos] Focam apenas em resolver um problema de curto prazo que eles mesmos criaram. Os produtores americanos acreditaram que o etanol teria uma maior participação em sua matriz de combustíveis, porque o governo sinalizou nesse sentido. No entanto, a pressão do lobby do petróleo impediu esse avanço, e eles, hoje, têm estoques elevadíssimos. Em resumo, querem transferir o problema deles para nós. Se quisessem políticas de livre comércio maduras, iriam falar sobre a isenção da tarifa de 140% que eles cobram para açúcar brasileiro. No dicionário americano, 'livre comércio' só é traduzido do inglês para o português", disse Gussi, em nota.