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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Apesar de o governo pintar a derrubada de medidas provisórias como uma vitória, parlamentares, nos bastidores, afirmam que essas manobras são resultado da falta de articulação política do Executivo em relação a propostas com impacto nas contas públicas.
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Nas últimas semanas, o Congresso deixou medidas provisórias, editadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), perderem a validade. Interlocutores do governo saíram a campo com o discurso de que isso é uma demanda do próprio Palácio do Planalto.
Na última quarta-feira (5), o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), postou em uma rede social um vídeo em que afirmava ser uma vitória do Executivo a perda de validade das MPs 946, que liberava o saque de R$ 1.045 do FGTS, e 950, que isentava famílias de baixa renda da tarifa de energia elétrica.
Ao justificar a decisão do governo de pedir a retirada de pauta da duas MPs, inviabilizando as votações, o deputado afirmou que o Executivo já tinha conseguido atingir o efeito desejado durante a vigência das medidas -os textos têm validade de 120 dias; depois disso, caducam.
"E a gente não precisa gastar tempo votando o texto da medida provisória que já resolveu o problema", argumentou. Ele citou ainda casos em que as alterações feitas pelos relatores das MP desagradavam o Executivo.
Segundo líderes partidários e outros parlamentares relataram reservadamente à reportagem, a justificativa tem fundamentação, mas não conta toda a história.
Barrar as MPs tem sido o último recurso do governo após congressistas usarem os projetos do Executivo para ampliarem despesas públicas, o que contraria o Ministério da Economia.
Foi o que aconteceu com a MP 946. No Senado, após pressão, o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ampliou o saque do FGTS a todos os trabalhadores demitidos.
Nas contas citadas por Vitor Hugo para defender a retirada de pauta da MP, o texto saiu da Câmara com um impacto de R$ 29 bilhões. No Senado, a conta escalou para mais de R$ 120 bilhões.
A fragilidade da base de sustentação do governo acaba pesando nas discussões no Congresso.
Líderes alinhados ao governo precisam negociar de última hora para travar mudanças de impacto fiscal, a exemplo de ampliações como as que o relator da MP 950, deputado Léo Moraes (Podemos-RO), tentou fazer no texto, proibindo reajustes na conta de luz.
Nos últimos dias, não foram poucos os esforços para construir uma rede que permitisse ao governo ter os votos para retirar as duas propostas de pauta. Em troca, o Planalto se comprometeu a enviar novos projetos -a própria 946 exigiu manobra do tipo, para permitir os saques pelos trabalhadores nascidos entre julho e dezembro.
Com uma base política ampla e alinhada com o Planalto, não seria necessário adotar essas táticas e ficaria mais fácil aprovar uma versão em linha com o que o governo propôs, dizem líderes partidários.
Sem essa coesão, o Executivo preferiu deixar as MPs caducarem para minimizar o desgaste que o governo teria ao brigar para barrar uma ampliação de benefícios sociais -como a extensão do saque do FGTS ou a proibição de reajuste da tarifa de luz até o fim do ano. Ao não levar os textos a voto, o Planalto evita deixar a digital em uma decisão impopular.
As duas MPs caducaram também em um contexto político desafiador ao governo. Na semana anterior, DEM e MDB decidiram deixar o chamado blocão, grupo montado no início deste ano para definir a formação da Comissão Mista de Orçamento. Era composto por PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, PROS e Avante.
Na votação para barrar a MP que ampliava os saques do FGTS, o governo contou com o apoio dos dois partidos dissidentes. No entanto, no dia seguinte, ambos foram contrários à retirada de pauta da medida provisória que favorecia consumidores de luz de baixa renda, evidenciando que, mesmo na agenda econômica, o apoio não é garantido.
A decisão de retirar as duas MPs de pauta, no lugar de encarar uma provável derrota em plenário, travou a apreciação de outras MPs na Câmara. Os deputados não puderam votar medidas que perdem a validade na próxima semana.
As MPs 951 e 952 perderão a validade na próxima quarta-feira (12). A primeira estabelece regras para compras públicas, sanções para licitação e certificação digital. Já a 952 trata da prorrogação de prazo para pagamento de tributos incidentes sobre a prestação de serviços de telecomunicações.
Ambas ainda precisam passar pelo Senado. Se sofrerem mudanças, voltam para a Câmara, antes de seguirem para sanção presidencial.
A tática de retirar os textos de pauta também busca reduzir outro tipo de exposição ruim para o governo, que é vetar temas com apelo popular chancelados pelo Congresso.
Só neste ano, já são quase 40 vetos presidenciais, entre eles alguns negativos para a imagem do Planalto, como aquele ao projeto que concedia indenização de R$ 50 mil a familiares de profissionais mortos em decorrência do novo coronavírus e aquele à proposta que permitia o saque do FGTS a trabalhadores do setor aéreo.
Mesmo contando com o apoio informal do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tem conseguido adiar a convocação de sessão para votar os vetos de Bolsonaro, o governo corre o risco de vê-los derrubados por falta de base nas duas Casas.
Alguns líderes argumentam que, além da falta de articulação no Congresso, há falhas na comunicação dentro do próprio governo. Léo Moraes, líder do Podemos na Câmara e relator da 950, afirmou que estava negociando as mudanças na medida provisória com o Ministério de Minas e Energia e com empresas do setor e que o líder do governo na Câmara não havia se envolvido nas discussões.
Moraes diz que fez várias tentativas de conversar com Vitor Hugo sobre o relatório, mas nunca conseguiu falar com o deputado. Quando isso ocorreu, foi informado de que a orientação do governo seria pela caducidade da MP.