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WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Melania Trump tinha um objetivo duplo ao discursar no segundo dia de convenção republicana, nesta terça-feira (25). O primeiro era pessoal, e o segundo, um desejo da campanha de seu marido, Donald Trump, que tenta garantir a reeleição em novembro.
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Em desvantagem nas pesquisas nacionais e na maioria dos estados-chave, o presidente busca reescrever a narrativa de que foi um péssimo líder diante da pandemia que já matou milhares nos EUA. Assim, escalou a primeira-dama para suavizar a imagem de seu governo.
Em discurso de quase 30 minutos, Melania assumiu um papel realista e fez uma declaração sóbria, demonstrando empatia e preocupação com as famílias das vítimas da Covid-19, em um marcante contraste com a retórica agressiva da maioria dos oradores do evento até agora, inclusive Trump, que ignora ou maquia a realidade da pandemia nos EUA.
Mas não deixou de defender o republicano e dizer que ele fará tudo o que puder para resolver a crise sanitária que deixou mais de 177 mil pessoas mortas no país.
"O inimigo invisível impactou todos nós. Minha simpatia vai a todos que perderam um ente querido, e minhas orações, a todos que estão sofrendo. Sei que muitos estão ansiosos e se sentem desamparados. Quero que saibam que vocês não estão sozinhos", disse a primeira-dama.
Ela falou dos Jardins de Rosas, dentro da Casa Braca, vestida da verde militar e diante de uma plateia que não usava máscaras. De acordo com a imprensa americana, o público chegava a 70 pessoas -número que ultrapassa o limite para agrupamentos ao ar livre permitidos em Washington, de até 50 pessoas.
"Donald não vai descansar antes de fazer tudo o que puder para ajudar quem foi atingido por essa pandemia [...] Ele não é um político tradicional, ele não é só de falar, ele busca ações", completou a primeira-dama, ecoando a ideia de Trump de que haverá uma vacina para a Covid-19 até o final do ano.
O outro desafio de Melania no discurso desta terça era buscar redenção pessoal. Há quatro anos, quando falou na convenção que lançou Trump à Casa Branca, foi acusada de plagiar trechos de um discurso que a então primeira-dama Michelle Obama havia feito em 2008, quando Barack Obama fora oficializado candidato democrata à Presidência.
O trecho, copiado quase na íntegra, falava sobre "trabalhar duro para conseguir o que quer", "sua palavra ser sua obrigação" e a necessidade de "tratar as pessoas com respeito" como valores aprendidos por Melania com sua família -um de seus assessores na época assumiu a responsabilidade pelo plágio.
Nesta terça, ela abordou temas como a pandemia, os imigrantes, a crise dos opioides e fez um aceno a mulheres -principalmente as dos subúrbios americanos que votaram em Trump para um primeiro mandato, mas, agora, cansadas da retórica agressiva do presidente, flertam com a candidatura do democrata Joe Biden. Nos EUA, o eleitorado feminino representa 55% do total, e pesquisa recente da CNN mostra que, nos subúrbios, 60% declaram apoio a Biden.
O discurso de Melania foi considerado por analistas o mais importante em quatro anos de governo Trump e portador de alguma leveza em meio à convenção que repete a mensagem de que os EUA serão mergulhados no socialismo e no vandalismo caso Biden vença a disputa. O ex-vice de Obama, no entanto, é um perfil moderado do establishment de seu partido e conduz uma campanha centrista.
A previsão era de que o discurso de Melania não entrasse em detalhes políticos e abordasse a história de sua vida, uma imigrante que chegou aos EUA da Eslovênia, país de passado comunista, e que foi criada próxima à classe trabalhadora. Ela se tornou modelo em Nova York, onde conheceu Trump, e se casou com o republicano em 2005. No ano seguinte, teve um filho com ele e se naturalizou cidadã americana.
"Vim de um país comunista e ouvia falar dos EUA como a terra da oportunidade. Como imigrante, entendi a importância de viver em liberdade." Pesquisas mostram que a aceitação da primeira-dama entre eleitores independentes, principalmente entre mulheres, é melhor que a do presidente.
O debate da imigração é caro para Melania. Trump sustenta uma forte política anti-imigração e tem endurecido medidas contra a entrada regular e irregular de estrangeiros no país. Foi esse tema também que originou uma das passagens mais polêmicas de Melania na Casa Branca.
Ela preparou uma visita a crianças imigrantes que estavam na fronteira entre EUA e México depois que o governo de seu marido decidiu separá-las dos adultos que as acompanhavam, processados por tentarem entrar em território americano sem documentos.
O gesto foi uma rara oposição pública de Melania à política de Trump, mas foi abafado pela imagem em que ela, a caminho do Texas, foi registrada vestindo uma jaqueta com a frase: "Eu realmente não me importo. E você?". Melania justificou que os dizeres eram dirigidos à cobertura que jornalistas fazem do governo de seu marido, considerada por ela desleal.
Pré-pandemia, sua principal bandeira era o projeto "Be Best", para desencorajar o bullying online entre crianças, com quem costumava interagir de maneira mais natural, sempre longe dos holofotes.
Esta não é a primeira vez que Melania se descola de Trump na pandemia -o presidente minimizava a crise no início, enquanto ela apareceu em fotos usando máscara e defendendo o distanciamento social.