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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A decisão da Justiça de Nova York de rejeitar a proposta de financiamento, no modelo DIP (devedor em posse, na sigla em inglês), de US$ 2,4 bilhões (R$ 12,7 bilhões) da Latam complica a situação da empresa e aumenta sua restrição de caixa no curto prazo, mas a companhia ainda tem alternativas para tentar contornar o problema, avaliam analistas.
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Segundo alguns desses observadores, a negativa da justiça americana aumenta a chance de falência da companhia aérea. Isso seria negativo para o mercado brasileiro, que se tornaria ainda mais concentrado, com impacto sobre o preço e disponibilidade de passagens.
Outros entendem que é precipitado fazer esse tipo de avaliação, já que a empresa ainda pode apelar da decisão, retirar a cláusula de conversão de dívida em ações com desconto de 20% (que foi considerada injusta pelo juiz) ou buscar outras opções de financiamento.
Procurada, a Latam disse nessa sexta-feira (11) que ainda "está avaliando a sentença".
O grupo entrou com o pedido de empréstimo em maio, no âmbito da recuperação judicial nos Estados Unidos. Em julho, a operação no Brasil também entrou com pedido de recuperação nos EUA.
A Latam tem dívidas de quase US$ 18 bilhões (R$ 95,76 bilhões) e foi impactada pela interrupção e queda na demanda de voos com a pandemia de Covid-19.
Como parte da recuperação, a companhia tenta um empréstimo com a Oaktree, gestora de investimentos americana, e com seus acionistas controladores, a Qatar Airways e as famílias Cueto e Amaro.
A Oaktree daria US$ 1,3 bilhão (R$ 6,9 bilhões) e os acionistas, US$ 900 milhões (R$ 4,8 bilhões), podendo elevar o empréstimo para um total de US$ 2,4 bilhões (R$ 12,7 bilhões). Segundo a proposta, os controladores determinavam que o pagamento do empréstimo a eles fosse feito pela Latam em dinheiro ou em ações, com 20% de desconto neste caso.
O juiz James L. Garrity, do Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York, considerou na quinta-feira (10) que a opção de converter a dívida em ações com desconto daria aos acionistas um tratamento diferenciado em relação aos outros credores, o que seria injusto, e assim rejeitou toda a proposta de financiamento.
"A Latam é uma empresa que está num dos setores mais impactados pelo coronavírus e precisa de recurso urgente, pois está com seu capital de giro totalmente prejudicado, o que pode inviabilizar a operação da empresa", avalia Gustavo Bertotti, analista da Messem Investimentos. "Isso vai trazer mais incerteza em relação ao desempenho da companhia no mercado."
Bertotti avalia que a decisão da justiça americana aumenta a chance de falência da aérea. "Quando há um passivo muito grande e um capital de giro negativo, a empresa não vai quebrar por prejuízo, mas pode parar por falta de capital de giro. Há risco de falência sim, já que a operação pode parar."
Para Ilan Abertman, analista da Ativa Investimentos, a empresa pode buscar um novo plano de financiamento com os mesmos acionistas, com condições diferentes, mas o grande problema é que isso deve levar tempo, o que pode resultar num crescimento da dívida.
Além disso, a Latam tem uma dificuldade adicional em relação a concorrentes como Azul e Gol, que é operar mais linhas internacionais, as mais prejudicadas na crise sanitária. Segundo Abertman, no mês passado, o fator de utilização da Latam estava em cerca de 65%, enquanto as concorrentes estavam em mais de 70%, o que mostra que a empresa está ficando para trás.
Conforme o analista, a chance de falência da empresa existe, e seria muito prejudicial ao mercado brasileiro. "Com três grandes empresas, o mercado nacional já é muito concentrado, com duas, ia ficar muito mais, com consequências sérias para o viajante."
Felipe Bonsenso, advogado especialista em direito aeronáutico, afirma que é muito agressiva a avaliação de que a decisão da corte de Nova York pode precipitar a falência da empresa.
"Vejo um caminho para companhia de ou ela ingressar com uma apelação, recorrendo dessa decisão, o que deve ter uma resposta da corte de NY entre três e seis meses. Ou voltar a discutir com os investidores para tentar uma nova negociação comercial, estabelecendo novas condições para esse financiamento, excluindo por exemplo a convertibilidade em ações."
O advogado avalia que o impasse não tem impacto imediato para as operações da empresa.
"Não vai impactar os passageiros, pois a empresa ainda tem provisionamentos, disponibilidade de recursos, é diferente do caso da Avianca, em que a empresa já não tinha mais nada, nenhum ativo ou recurso."
Essa também é a avaliação de André Castellini, sócio da Bain & Company e especialista em aviação.
Ele lembra que, além do grupo formado pelo a Oaktree, Qatar Airways e as famílias Cueto e Amaro, um outro grupo de credores, formado pelo Knighthead Capital Management e Jefferies Finance, também havia proposto um financiamento DIP à empresa.
"[A decisão da Justiça de NY] não é o fim do mundo, porque existem outros investidores que já haviam manifestado interesse em dar o empréstimo, a taxas parecidas. O problema é que qualquer alternativa vai demorar", diz Castellini, destacando que a corte demorou mais de um mês e meio para tomar a decisão dessa quinta-feira.
Assim, o analista avalia que a lentidão na entrada de recursos deve pressionar ainda mais a situação de caixa da empresa, que terá que apertar mais o cinto, cortando gastos e renegociando com fornecedores adiamento de obrigações.
Mas ele afirma que não deve haver nenhum efeito imediato mais relevante para o mercado, o que estaria evidente no comportamento das ações de Azul e Gol nesta sexta-feira, já que a primeira fechou em alta de 1,8% e a segunda em queda de 2,4%.
"Se isso tivesse sido interpretado como um golpe grave para a sobrevivência da Latam, as ações das concorrentes teriam subido de forma mais vigorosa, o que não aconteceu."
Por fim, analistas avaliam que a Latam pode usar o fracasso em obter o financiamento para endurecer ainda mais negociações com os sindicatos de trabalhadores.
No Brasil, a Latam emprega cerca de 20 mil pessoas. Em agosto, demitiu ao menos 2.700 tripulantes, após fracasso nas negociações de um acordo com o sindicato da categoria para redução permanente de remuneração.