Peça de Gregorio Duvivier que mistura memes e mitologia vira livro

Texto de 'Sísifo', espetáculo que fez sucesso no ano passado, é lançado agora em meio à pandemia

© Wikimedia

Cultura Livro 28/09/20 POR Folhapress

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - "Sísifo", título do espetáculo do ano passado -e do livro com o texto da peça, que Gregorio Duvivier e Vinicius Calderoni lançam agora-, é o nome de um grego que enganou a morte duas vezes. Mas não foi por essa façanha que ele ficou famoso, e sim por ter sido condenado pelos deuses do Olimpo a empurrar uma enorme pedra montanha acima.

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Ao chegar no topo, porém, a pedra rolava de volta para baixo. E assim, todos os dias Sísifo subia novamente a montanha com a pedra, fazendo exatamente a mesma coisa, num movimento infinito.

Desse curioso mito filosófico, a dupla de artistas parte para falar do mundo, do homem, de política, do meio-ambiente, de tudo. "A gente tinha muita coisa que queria dizer e essa foi a base que encontramos", conta o coautor e diretor da peça, Vinicius Calderoni.

A primeira descoberta dos autores foi que Sísifo pode ser descrito como o primeiro gif do mundo. Gif é um pequeno trecho de vídeo, de um ou dois segundos, repetido "ad nauseam". Por exemplo: o olhar de um ator reprovando alguma situação. O gif mostra o ator reprovando, então recomeça e vemos o ator reprovando, começa e de novo o ator reprova, e assim segue para sempre.

A peça é toda ela uma tentativa de transpor para o palco a linguagem dos gifs e dos memes (o meme, em geral, é uma imagem parada com uma legenda engraçada ou que faça um comentário político-social do momento). A dramaturgia era aparentemente simples –uma rampa iluminada, um ator subindo e, ao final dela, caindo no escuro.

"De cara percebemos a ligação estreita que isso tinha com o fazer teatral", diz Calderoni. De fato, o ator de teatro deve fazer todas as noites a mesma peça, dizer exatamente as mesmas falas, numa repetição eterna enquanto está em cartaz. "Mas o ambulante gritando na praia, o motorista rodando na cidade e mesmo o amor são trabalhos de Sísifo", lembra Duvivier.

Os dois recorrem à mesma explicação a respeito de como fizeram essa transposição: "A New Yorker [revista americana] tem um concurso em que mostra um cartum e pede para seus leitores legendarem como quiserem", diz Calderoni. "Qual é a legenda que podemos fazer para uma trajetória de um cara que está no pé da rampa e depois chega ao topo e cai?", pergunta Duvivier. A resposta é: qualquer uma. Todas as histórias podem ser contadas nessa trajetória.

A questão principal do texto, segundo Calderoni, é como realizar isso 60 vezes (o número de saltos que o personagem dá durante a peça) sem que se torne algo maçante. "Como tornar isso interessante? Como criar variações na repetição? Como sair do mesmo ponto de partida e acabar no mesmo ponto de chegada, mas com trajetórias tão diferentes quanto as vidas de duas pessoas."

Duvivier carregou essa pedra montanha acima 75 vezes desde a estreia de "Sísifo" em abril de 2019, no Festival de Teatro de Curitiba. Esteve em temporadas no Rio de Janeiro, São, Paulo, Belo Horizonte e Portugal, com sessões lotadas e cerca de 25 mil espectadores. Em março deste ano, estava em Salvador quando a quarentena desabou sobre nossas cabeças.

Ao todo, Gregorio pulou da rampa 3.375 vezes, já que em cada encenação ele saltava 45 vezes. "A gente brincava que eu não estava fazendo teatro, e sim triatlo", diverte-se o ator. "Cara, eu terminava cada espetáculo ensopado, já que não tenho histórico de atleta."

A rampa, desenhada por André Cortez e iluminada por Wagner Antônio, tinha seis metros de comprimento. No fim, ela estava a 1,60 metro do chão, enquanto o pulo no escuro era em cima de um enorme colchão com uns 30 centímetros de altura.

O livro, que sai pela Cobogó, teve uma edição em Portugal, pela editora Tinta da China. Além da peça em si, a obra traz textos dos dois autores comentando um pouco sobre a criação e encenação de "Sísifo", além de fotos da rampa e de Gregorio em cena.

SÍSIFO

Preço: R$ 38 (112 págs.)

Autor: Gregorio Duvivier e Vinicius Calderoni

Editora: Cobogó

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