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Não existe um tempo certo para o luto: cada pessoa vai passar pela experiência de uma forma. E, de acordo com especialistas ouvidas pela Agência Brasil, nenhuma forma de atravessar este período de acostumar-se com a ausência deve ser julgada. "Há quem se cobre sobre o próprio reequilíbrio, e não se julga autorizado a sorrir ou chorar, dependendo da situação", exemplifica Milena Câmara, psicóloga e pesquisadora que atua no grupo de estudos International Working Group on Death, Dying and Bereavement (grupo de trabalho internacional sobre morte, o morrer e o luto).
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A tendência é que os enlutados contem os dias um a um a partir da morte da pessoa. De acordo com as observações de Elaine Alves, professora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora em emergências e desastres, os três primeiros meses tendem a ser os mais difíceis nesta construção da resiliência. Contudo, ela alerta que o ciclo do primeiro ano ainda tende a ser mais doloroso pois tudo acontece pela primeira vez, inclusive o dia de Finados. "Nesse sentido, o Finados é uma data horrorosa porque é a primeira vez que a pessoa recebe essa homenagem. Ou seja, a morte é concretizada", pontua Elaine.
A psicóloga brasiliense Juliana Gebrim aponta, inclusive, que após este primeiro ano, com as dores no mesmo patamar, é necessário busca de ajuda profissional. Um sinal de que chegou a hora de recorrer a este tipo de apoio é quando a pessoa enlutada detectar que não consegue mais realizar as atividades que fazia antes.
Nesse caminho de reconstrução do mundo interno, as pesquisadoras recomendam tolerância do próprio enlutado e de todos que o cercam. É importante garantir o direito à dor alheia e evitar dar receitas para quem está sofrendo. "Precisamos ter atitude afetuosa e compreensiva sobre a dor de si ou do outro. Toda dor é legítima. O sofrimento faz parte da experiência humana. Não se permitir pode levar ao adoecimento", explica Milena Câmara, que considera cruel que existam comparações entre as dores ou minimização dependendo da relação social que exista. "Muitas vezes, o enlutado quer apenas ser ouvido. Como não sofrer? O vazio é pra sempre. A dor não precisa ser pra sempre. Estamos vivendo lutos coletivos. Não tem como não sentir o impacto".
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Poupar a realidade de crianças e idosos tende a ser o movimento natural de muitas pessoas. Porém, negar a verdade pode gerar consequências piores. Segundo Elaine Alves, os idosos já vivenciaram mais experiências de luto e, possuem condições de serem informadas e atendidas sobre a morte de alguém próximo.
A psicóloga brasiliense Simone Lavorato defende que os mais velhos devem ser estimulados a participar das atividades, ainda que à distância, e encorajados a momentos prazerosos, como tocar instrumento, pintar e escrever. Milena Câmara entende que o diálogo precisa ser aberto, e que eles tenham espaço de trabalhar os seus receios. No caso das crianças mais novas, o uso de metáforas como "ele foi embora e não volta mais" pode gerar compreensões errôneas como se a pessoa tivesse ido embora por algo que a criança fez.
Explicações fantasiosas não podem ser disseminadas. Para a psicóloga Simone Lavorato, os menores entendem os recados de forma literal. "Tive uma paciente criança que entendeu em algum momento que o coronavírus era uma ameaça que chegava de navio e principalmente à noite. Por isso, temos que tomar cuidado como falamos com eles".
A antropóloga Braulina Baniwa, que é pesquisadora indígena do laboratório Matula da Universidade de Brasília (UnB), explica que o processo de luto guarda diferenças entre os mais de 305 povos originários do Brasil. "Existe um desconhecimento sobre as práticas e culturas em relação a esse tema". Ela pede que haja maior conscientização sobre a necessidade de ouvir quais são os ritos de cada lugar. "No meu povo, ao mesmo tempo que é dolorido, entendemos que esses ritos fortalecem os nossos familiares e a memória dos que partiram", disse. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), de onde conversou por telefone com a Agência Brasil, a cientista social salienta que os ritos de despedida celebram a vida dos que partiram.
Ainda no Amazonas, na cidade de Manacapuru, o cacique Francisco Uruma, da aldeia Tururucari-Uka, do povo da etnia Omágua-Kambeba, testemunha que a forma de despedida é respeitada integralmente na comunidade. "A gente planeja nas roças e pergunta como a pessoa quer que seja a despedida. Quando alguém parte, é um evento de celebração da vida de alguém. Desde pequenas, falamos com as crianças sobre isso. Explicamos que quem partiu sempre continua conosco".
Na Bahia, o agricultor Simplício Rodrigues, da comunidade quilombola Rio das Rãs, em Bom Jesus da Lapa, também destaca que o dia do velório e do enterro tem comida, bebida e o agradecimento àquela pessoa que se foi. "O cemitério é um lugar que fica dentro da nossa comunidade e homenageamos sempre quem já partiu".
Encontrar olhos e abraços que sejam cúmplices no momento do luto. Grupos de apoio de iniciativas não governamentais e também vinculados à rede pública ajudam a reerguer pessoas que respiravam apenas a dor da perda. Nesses lugares, com atendimento gratuito, enlutados trocam ideias e enxugam as lágrimas uns dos outros. Um dos exemplos é de um grupo organizado no Rio de Janeiro pela assistente social Márcia Torres. É o Amigos Solidários na Dor do Luto (saiba mais como participar e confira relação de algumas dessas entidades abaixo). Os encontros presenciais, mediados também por profissionais de psicologia, voltaram com as medidas de distanciamento. Mas também já fizeram videoconferências aos sábados. "Desde a covid, tivemos a adesão de muito mais pessoas que buscam apoio", afirma.
Uma das palestrantes mais convidadas para encontros em grupos de apoio de todo o país é a brasiliense Vânia Borges, de 52 anos. Em 22 de dezembro de 2010, ela foi a única sobrevivente de um acidente de carro, em que ela perdeu os quatro filhos, que eram crianças, e o marido. Ela tentou salvar as filhas, queimou 70% do corpo, passou 90 dias em hospital. Quando saiu da unidade de saúde, descobriu que a família havia sido sepultada. Ao invés de se revoltar e desistir, resolveu fazer da vida uma missão de ajuda a outras pessoas enlutadas.
"Eu precisava levar minha história para outras pessoas. Minhas primeiras palestras, fiz em cadeira de rodas. A gente não esquece nunca. Mas passei a sublimar. Mães me ligam até de madrugada e eu tenho ajudado sim". Ela escreveu o livro Pérolas do asfalto, sobre o caminho de soerguimento. Ela fala com sobriedade de encher e molhar os olhos de quem a ouve. Mesmo quando trata do assunto mais difícil, ela permanece com tranquilidade e resiliência. Ela sorri para as conversas e para a vida. "Resolvi fazer o caminho do amor. Hoje eu trabalho em escola, não tomo remédios. Fui enfrentando mesmo e isso foi um bálsamo. Já olhei as fotos, ouvi músicas que lembram minha família o tempo inteiro e o efeito foi bom. Depois do acidente, voltei para minha casa". Fez o substantivo "luto" se transformar em um verbo no presente e inspirador.
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