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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se hoje Bruno Covas e Celso Russomanno trocam farpas na campanha eleitoral em São Paulo, até bem pouco tempo atrás o candidato do Republicanos tinha quase um feudo dentro do governo do tucano.
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Na gestão Covas, o Procon paulistano, órgão responsável por fiscalizar relações de consumo, nomeou indicados do deputado federal na função de fiscais e atuava praticamente em parceria em gravações do quadro de TV "Patrulha do Consumidor", apresentado pelo congressista na Record.
"Parabenizo aqui o prefeito Bruno Covas por ter colocado o Procon da capital de São Paulo à disposição da população", disse Russomanno ao encerrar uma das filmagens da "Patrulha do Consumidor", com a equipe do órgão, em junho deste ano.
Além das nomeações ligadas ao hoje adversário na disputa eleitoral, a gestão tucana loteou outros cargos para o partido de Russomanno, ligado à Igreja Universal, incluindo a utilização de empresas com contratos milionários com a prefeitura para abrigar indicados da sigla.
O deputado do Republicanos havia integrado a chapa do PSDB nas eleições gerais de 2018 e teve neste ano uma pré-campanha repleta de incertezas sobre a concretização de sua candidatura, a terceira seguida a prefeito. Uma das possibilidades aventadas no período era justamente concorrer como vice de Covas.
A promessa do presidente Jair Bolsonaro de participar da campanha acabou levando Russomanno a decidir novamente concorrer à prefeitura.
Na época da aproximação com o PSDB, o deputado conseguiu emplacar seus nomes à frente do órgão municipal de proteção do consumidor, a começar pelo coordenador, Marco Antônio Silva, policial federal aposentado e nomeado em dezembro do ano passado –quando Covas negociava com ele uma aliança nas eleições de 2020.
A reportagem localizou nas nomeações de Covas no órgão outros cinco fiscais que já haviam trabalhado anteriormente para Russomanno enquanto deputado, além de uma ex-cabo eleitoral que participou da campanha dele a deputado federal em 2018.
Ocuparam postos como encarregado de equipe, oficial de gabinete e assessor técnico.
Os indicados, que ganhavam salários de R$ 2.500 a R$ 4.700, foram demitidos pelo tucano entre setembro e outubro, quando começou a campanha eleitoral e foi confirmado que Covas e Russomanno não se aliariam na disputa. Em um só despacho, foram oito exonerações no órgão assinadas pelo prefeito, no dia 5 de outubro.
Uma dessas cinco nomeações havia sido a de Natiare Azevedo, 34, que participou de uma série de programas de TV nos últimos anos como sósia da cantora Sandy e era assessora parlamentar de Russomanno até 2017.
Em 2015, o hoje candidato do Republicanos disse ao jornal Folha de S.Paulo que Natiare era sua secretária e o acompanhava em todos os lugares. Na ocasião, reportagem do jornal mostrou que servidores da Câmara atuavam em uma ONG do deputado em São Paulo.
Mesmo sem formação na área, ela foi indicada fiscal pelo prefeito Bruno Covas. À reportagem Natiare disse que agora também está trabalhando na campanha do Republicanos, assim como outros dos demitidos do Procon.
"Fico triste pelo Bruno ter tirado a gente [dos cargos]. Não era nem para ninguém estar na campanha do Celso, era para estar exercendo a função ali [no Procon]."
Contou ainda que fazia trabalho de checagens nas fiscalizações do órgão do governo tucano, embora tivesse função em sua maior parte administrativa.
Outro caso de intercâmbio do gabinete do deputado com o Procon paulistano foi o da assessora de imprensa Patrícia Rubino de Oliveira, que foi exonerada da Câmara dos Deputados em 6 de janeiro e nomeada para o órgão da gestão Covas apenas uma semana depois.
O advogado Moisés Turoli, secretário parlamentar de 2015 a 2019, foi outro fiscal do órgão.
A nomeação deles aconteceu depois de Covas fazer uma reestruturação de cargos no Procon municipal, em novembro de 2019. Ele remanejou 12 postos de livre nomeação (sem concurso) de outros órgãos para a Coordenadoria de Defesa do Consumidor, dentro da Secretaria Municipal da Justiça.
A alocação de nomes conhecidos no órgão durante a gestão tucana proporcionou ao deputado federal mais facilidades na gravação de seus programas, no qual visita estabelecimentos comerciais para verificar queixas feitas por consumidores.
Indicados dele inclusive aparecem nas gravações do período.
A defesa do consumidor por meio da atuação televisiva é novamente neste ano uma das bandeiras da candidatura do deputado federal e o projetou na política nos anos 1990.
Em programas gravados no período em que Marco Silva coordenou o órgão na gestão Covas, é o próprio Russomanno quem anuncia as fiscalizações quando os fiscais chegam aos estabelecimentos, orienta o trabalho da equipe do órgão público e discursa aos representantes das empresas, em frente às câmeras, sobre normas requisitadas.
Em março, uma das notificações do Procon paulistano, feita a uma revenda de gás de cozinha, foi assinada por um fiscal que já havia até atuado em campanha anterior de Russomanno a prefeito, Alexandre Rodrigues. O caso acabou provocando uma ação de danos morais contra o candidato e a Record, ainda não sentenciada na Justiça.
Russomanno se afastou da apresentação da "Patrulha do Consumidor" em agosto por causa da lei eleitoral.
Marco Silva ainda participou neste ano das gravações do programa também na Record de Jorge Wilson, conhecido como "Xerife do Consumidor", que é deputado estadual em São Paulo também pelo Republicanos.
O mesmo Procon que levou a uma dobradinha Covas-Russomanno na prefeitura também virou motivo de rusga entre os adversários na atual campanha.
Na última terça (3), a Justiça Eleitoral concedeu direito de resposta a Covas por afirmação feita nas redes sociais pelo candidato do Republicanos, considerada falsa pelo juiz responsável. "Sabe o que o Bruno fez? Desativou o Procon da capital. Sabe por quê, gente? Para não fiscalizar!", dizia o material de Russomanno.
Antes, o tucano é que tinha sido alvo de representação do adversário por mencionar declaração do candidato do Republicanos sobre infecção do coronavírus em moradores de rua –Russomanno sugeriu que a falta de banho tornaria esse grupo mais protegido da Covid-19.
Em sabatina na quinta-feira (5), Covas questionou a atuação a favor de Russomanno de ministros do governo Jair Bolsonaro.
O candidato do Republicanos costuma chamar o tucano de "Bruno Doria", em referência ao governador de São Paulo, e tem dito que é "tradição" do PSDB é abandonar o cargo no meio do mandato. Em 2018, Russomanno apoiou João Doria na disputa ao governo paulista.
OUTRO LADOA reportagem procurou a assessoria da campanha de Bruno Covas e a Prefeitura de São Paulo.
A administração municipal, por meio de nota, disse que as nomeações para cargos de confiança seguem "critérios técnicos" e que "mudanças são normais dentro de uma administração pública" e representam uma prerrogativa dos gestores.
Não respondeu se as nomeações de pessoas ligadas a Russomanno envolviam alguma contrapartida política.
Disse ainda que o Procon do município "tem por finalidade promover e implementar ações voltadas à educação, proteção e defesa do consumidor, bem como orientar e harmonizar os interesses dos participantes das relações de consumo, sem nenhuma distinção de atendimento".
A reportagem também enviou perguntas a respeito do assunto para Celso Russomanno, que não respondeu.