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SÃO PAULO E BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o mundo ultrapassa a marca de 60,5 milhões de infecções pelo coronavírus, os comportamentos das curvas de novos casos nos EUA e na Europa refletem as diferenças na coordenação das respostas à pandemia que matou mais de 1,4 milhão em todo o planeta.
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Desde meados de setembro, europeus e americanos vivem um crescimento no número de novos casos. A partir de outubro, o aumento nas infecções tornou-se mais agudo e as duas curvas começaram a subir em posição quase vertical. Em novembro, porém, os efeitos da imposição de novas restrições na Europa puxaram a curva para baixo, enquanto o índice dos EUA segue em crescimento acelerado.
"Na Europa, após um início catastrófico nos primeiros meses do ano, houve em muitos países um 'lockdown' rigoroso, e a transmissão da doença caiu abruptamente", analisa o médico infectologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, professor da Unesp. "Assim, quando voltou a subir, também abruptamente, isso foi caracterizado como uma 'segunda onda'."
No fim de outubro, a chanceler alemã, Angela Merkel, que vinha sendo elogiada internacionalmente por ter encarado a pandemia com seriedade e rigor científico, reconheceu que a evolução da Covid-19 em seu país se tornou "dramática" e implantou novas regras de isolamento.
Nesta semana, as medidas foram prorrogadas até pelo menos 20 de dezembro, e Merkel admitiu que as restrições podem permanecer até janeiro. Nesta quinta, a Alemanha bateu o recorde de casos diários (32 mil) desde o início da pandemia, e o número de mortes (378) só fica atrás dos 510 óbitos registrados em 15 de abril. No total, o país tem 996 mil casos e 15 mil mortes por coronavírus.
Com dinâmica parecida, a França implantou 'lockdown' entre março e maio. Em 30 de outubro, voltou a restringir as atividades até que, nesta semana, o presidente Emmanuel Macron adotou um tom otimista ao anunciar um plano de reabertura gradual que permitirá aos franceses viajarem nas festas de fim de ano.
O ministro da Saúde francês, Olivier Veran, foi um pouco mais cauteloso e fez questão de lembrar que a Covid-19 "ainda não ficou para trás".
Atrás de EUA, Índia e Brasil, a França ocupa a quarta posição no ranking de nações com maior número de casos. E depois de quase zerar o número de óbitos diários em agosto, voltou a registrar mais de mil mortos por dia em pelo menos quatro ocasiões neste mês, relembrando o fantasma das mortes aos milhares no mês de abril. No acumulado, o país tem 2,2 milhões de casos e 50,7 mil mortes por Covid-19.
Fortaleza, da Unesp, chama atenção para o fato de que, quando as infecções voltaram a crescer na Europa, dizia-se que havia aumento de casos, mas não de óbitos. "Dois meses depois, há recordes diários de mortes, mostrando que estas sobem semanas após o aumento de casos", diz o infectologista, acrescentando que isso acontece porque as pessoas costumam passar por longos períodos de internação.
Analisar os dados para definir erros e acertos ainda é um desafio, explica Piotr Kramarz, cientista do Centro Europeu de Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês).
"A maioria dos países implementou várias medidas ao mesmo tempo, tornando extremamente difícil determinar o efeito individual de qualquer abordagem", explica. "Tentar atribuir as diferenças observadas na epidemiologia da Covid-19 às medidas de saúde pública executadas em um país é, portanto, extremamente difícil e não é algo que o ECDC tentou até agora."
Apesar dos sinais amarelos para a Europa, Deisy Ventura, coordenadora do doutorado em saúde global da USP, considera positiva a percepção da maioria dos governos sobre o momento e a forma de novas restrições.
"Um bom exemplo das respostas europeias foi o anúncio simultâneo de medidas quarentenárias e de proteção social que permitiram o cumprimento das primeiras", analisa.
Esse tipo de coordenação é diferente das medidas adotadas nos EUA, em que cada estado tem autonomia constitucional para definir suas próprias regras. Segundo os dados analisados pela reportagem, estados americanos que hoje apresentam alta de casos tiveram fases mais brandas nos meses iniciais da pandemia.
Essa constatação se verifica na Dakota do Norte, em Wyoming, no Novo México, na Dakota do Sul e em Minnesota, os cinco estados com as maiores proporções de novos casos.
Um levantamento do jornal The New York Times, a partir de dados da Universidade de Oxford, aponta ainda que estados que impuseram menos restrições nos últimos meses vivem agora os piores surtos. Também entram nessa lista estados como Iowa, Nebraska e Wisconsin. O NYT aponta Iowa como o único estado cuja taxa de infecção considerada alta apresenta uma tendência de queda. Até a tarde desta quinta-feira, todos os outros 49 estados somam os altos índices de novos casos às tendências de agravamento.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a gravidade da pandemia nos EUA é resultado da soma de fatores sanitários, mas também políticos. Se a pandemia de Covid-19 teve peso significativo para a derrota de Donald Trump, o contrário também é verdadeiro: a postura do líder republicano teve efeito agravante no cenário da saúde pública.
Para Ventura, as eleições americanas foram "decisivas para o desastre da resposta [ao coronavírus]". Ela classifica como "crimes contra a saúde pública" ações como os ataques do presidente a instituições como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças e a sugestão, nociva e sem fundamentos, de que os americanos poderiam ingerir desinfetante contra a Covid-19.
"Medidas de contenção de epidemias são sempre antipáticas e possuem elevado custo político, econômico e social", afirma. "Como candidato à reeleição, Trump não quis pagar esse preço." Em vez disso, segundo a especialista, recorreu à mesma estratégia de propaganda que o levou à Casa Branca em 2016: um misto de desinformação, extremismos e negacionismo científico.
Fortaleza traça ainda um paralelo com o Brasil. "O negacionismo do [presidente Jair] Bolsonaro e a apatia do Ministério da Saúde têm exigido que cada estado tome suas próprias medidas. Isso é claramente um enfraquecimento do pacto federativo, fazendo com que funcionemos como 'Estados Unidos do Brasil'."