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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Dois policiais militares foram filmados atirando contra dois jovens negros em uma moto durante uma abordagem em Belford Roxo, na região da Baixada Fluminense, na madrugada de sábado (12). Os garotos foram encontrados mortos em outro local, e os PMs foram presos em flagrante após as famílias dos meninos obterem as imagens.
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O vídeo mostra as vítimas passando de motocicleta quando são interceptadas por um agente, que levanta o fuzil. Um clarão sai da arma, indicando um tiro, e os jovens caem no chão. A gravação, feita por volta da 1h, não mostra resistência nem qualquer motivo aparente para eles terem sido atingidos.
Em seguida, o mesmo policial chuta um dos meninos caídos, que são revistados, e um carro branco que estava parado atrás da viatura deixa o local. Um deles é levado para o outro lado da rua de cabeça abaixada, e o outro se arrasta para o mesmo lugar com as mãos levantadas.
Minutos depois, ainda com vida e caminhando, os jovens entram no carro da polícia. Um está com uma camiseta amarrada na cabeça, onde parece ter sido lesionado. Os PMs então deixam o local, um dirigindo a viatura com as vítimas e o outro, a moto.
Uma câmera de outro ângulo mostra o que aconteceu enquanto eles estavam do outro lado da rua. Um dos policiais bate com o cano do fuzil na cabeça de um dos meninos sentado, que depois se levanta, fica de costas para a parede e é algemado. A íntegra dos vídeos foi obtida pelo UOL.
Na tarde do mesmo dia, os corpos dos dois jovens foram encontrados em uma localidade conhecida como Babi, a alguns quilômetros de distância da ocorrência. A Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense investiga o caso.
Os mortos são Edson de Souza Arguinez Junior, 20, que estava no segundo ano do ensino médio e fazia bicos como camelô, e Jhordan Luiz de Oliveira Natividade, 17, que trabalhava em um lava-jato, segundo as famílias. Eles foram enterrados nesta segunda-feira (14).
"Meu filho era tudo para mim. Era amoroso, muito brincalhão. Eu era o amor da vida dele e ele era o meu amor. Destruíram uma família. Não vou falar que ele não tinha defeitos, porque todos temos, mas as qualidades dele superavam todos os defeitos", disse à Folha a mãe de Edson, Renata de Oliveira.
"Esses monstros não são gente, porque se fossem não matavam por matar. Eles podiam bater, levar para a cadeia, para o hospital. Eles tiveram a oportunidade, mas acharam melhor matar, tirar uma vida. É um pedacinho de mim que se foi", ela lamentou.
A tia de Jhordan, Vanessa, contou que ele tinha acabado de completar 17 anos. "Ele era um ótimo menino. Era um menino excelente, ótimo como filho, neto, sobrinho", afirmou enquanto preparava as camisetas que a família usaria no velório.
As famílias começaram uma busca pelos meninos na manhã de sábado. Ao serem informados sobre uma abordagem policial, parentes de Jhordan foram ao local e notaram que existiam câmeras de segurança. À tarde, souberam de dois corpos encontrados em outro bairro.
A perícia realizada posteriormente no local da abordagem indicou haver sangue no solo, assim como nos tapetes da viatura. Os policiais deixaram o plantão sem relatar nada a seus superiores, e o livro de controle de armamento do dia de serviço não dá conta de nenhum disparo, o que contraria o clarão observado no vídeo.
As imagens foram apresentadas ao 39° Batalhão da PM (Belford Roxo). Com isso, o cabo Julio Cesar Ferreira dos Santos e o soldado Jorge Luiz Custodio da Costa retornaram ao batalhão para prestar depoimento. Em seguida, foram levados à divisão de homicídios da região e presos em flagrante.
No domingo (13), o Juízo da Central de Custódia converteu a prisão em preventiva, entendendo que isso seria necessário para garantir o andamento regular da instrução do processo. O juiz Rafael Rezende concluiu que há indícios de autoria e prova da materialidade do homicídio qualificado.
"Há fortes indícios de que os custodiados, com o objetivo de encobrir uma abordagem policial malsucedida, deram cabo da vida das vítimas de forma a ocultar suas condutas pretéritas, restando evidente que a prisão cautelar é necessária para a garantia da ordem pública", escreveu.
"Ademais, o simples fato de os custodiados não terem registrado a ocorrência em nenhuma delegacia, tampouco encaminhada a outro órgão, tendo deixado o plantão sem nada relatar aos seus superiores, demonstra que não pretendem colaborar com as investigações, sendo certo que o regular andamento da instrução criminal deve ser garantido pela segregação preventiva", completou.
Em sede policial, os agentes confirmaram a abordagem, mas negaram os disparos. Ambos prestaram depoimentos quase idênticos, e relataram que o piloto da moto perdeu o controle ao desviar de Custódio. Por isso, os jovens teriam caído.
Também afirmaram que o ferimento na cabeça em uma das vítimas aconteceu, provavelmente, em função da queda e que perguntaram se eles queriam ser levados ao hospital, mas eles teriam negado. Eles disseram que revistaram os garotos e não encontraram nada que indicasse qualquer crime.
Os agentes contaram ainda que os jovens foram colocados na viatura para que uma busca pelos antecedentes criminais fosse realizada na delegacia. Depois de andar cerca de 40 m de carro, no entanto, eles teriam liberado as vítimas, por concluírem que não seria necessário o encaminhamento.
Em seu depoimento, Custódio afirmou que eles deixaram os jovens irem embora porque a busca pelos antecedentes criminais foi feita no trajeto. Ele reconheceu que a liberação de suspeitos antes de chegar na delegacia não é usual.
Os agentes disseram, ainda, que estavam em patrulhamento de rotina quando foram avisados de que a mãe de Custódio havia passado mal e estava no hospital municipal de Belford Roxo. Saindo da unidade de saúde, os policiais teriam retornado pela rua onde a motocicleta passou.
Eles afirmaram que pararam ali porque viram um carro estacionado e, pelo horário e região, consideraram a situação suspeita. Segundo eles, os jovens passaram logo após terem feito a abordagem do veículo.
Na decisão do flagrante, o delegado Uriel Alcantara Machado Nunes relatou que Custódio se negou a fornecer a senha de desbloqueio do celular.
"Incontestável a necessidade de emissão de ordem judicial com o fito de se determinar a quebra do sigilo telefônico do indiciado, a qual deverá recair em seu aparelho, que se encontra apreendido. Para tanto deverá ser emitido ofício judicial determinando-se a extração de tudo o que interessar à investigação, em especial registro de chamadas, fotografias e conversas de aplicativos", escreveu.
Em nota, a Polícia Militar disse que os policiais foram ouvidos pela 3ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar e que suas armas, tanto as da corporação quanto as particulares, foram recolhidas e apresentadas à Polícia Civil.
A corporação também afirmou que, assim que o comando da corporação tomou conhecimento dos fatos, todas as medidas pertinentes foram tomadas de imediato. A Polícia Civil não respondeu quais procedimentos já foram realizados na investigação e quais ainda serão.
A reportagem entrou em contato com o advogado de Custódio, Paulo Vinícius Ribeiro, que afirmou que ainda estava tendo acesso ao processo e que não poderia passar mais detalhes. Não foi possível contatar a defesa do cabo Julio Cesar Santos.