Marca trágica de 200 mil mortes por Covid chega com óbitos em alta e mutação no vírus

A grande diferença entre a Europa e o território brasileiro, no entanto, é a falta de coordenação entre regiões.

© Reuters

Brasil BRASIL-CORONAVÍRUS 07/01/21 POR Folhapress

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil levou cerca de cinco meses para passar de 100 mil mortes para 200 mil mortes causadas pela Covid-19, mesmo intervalo que transcorreu entre os óbitos iniciais ocasionados pela doença e as primeiras 100 mil vítimas brasileiras.

PUB

Apesar dessa aparente simetria, porém, há indícios de que os dois momentos ocorrem em contextos opostos.

"Com 100 mil óbitos, a gente estava no começo da queda de mortes. Houve um longo platô [estabilização] e depois essa diminuição da gravidade da pandemia, uma flexibilização e a sensação errônea de que a coisa estava no final, de que estava melhorando", diz o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19.

"Com 200 mil, vemos uma ascensão da doença. Considerando que a notificação está bem atrasada, com uma espécie de represamento por causa da sobrecarga dos hospitais e das festas de fim de ano, infelizmente teremos um estouro", afirma.

Em parte, o país pode ter caído nessa armadilha por causa de aspectos contraintuitivos da dinâmica da doença; por outro lado, a falta de coordenação no combate à pandemia em nível nacional também deve ter contribuído para o problema.

Ambos os pontos podem ser ilustrados pela comparação entre o Brasil e a Europa, destaca Schrarstzhaupt. No continente europeu, após o controle inicial da transmissão com os lockdowns do primeiro semestre de 2020, a reversão de tendência - ou seja, o momento em que o número de casos diários voltou a crescer - se deu já no começo de julho.

No entanto, como existe um atraso considerável entre esse momento de virada e o crescimento descontrolado de novos casos, assim como o que existe entre novos casos e mais internações e entre internações e aumento de óbitos, a Europa só colocou em prática ações seriamente restritivas, como novos lockdowns, a partir do fim de outubro de 2020. Não há nenhuma razão para acreditar que o processo não esteja se repetindo no Brasil.

A grande diferença entre a Europa e o território brasileiro, no entanto, é a falta de coordenação entre regiões. "Por lá, ou abria tudo ou fechava tudo, com diferenças pequenas, na escala de uma semana, entre os países", explica o pesquisador.

"Aqui, por outro lado, houve um momento em que a gente parecia estar num platô eterno, sem mudanças. Mas, quando a gente olhava para os diferentes estados, percebia que a situação de cada um podia ser muito diferente da dos outros, por causa da grande variação de medidas de fechamento ou flexibilização. Por isso a gente nunca conseguiu uma redução de casos e óbitos tão grande quanto a do verão europeu."

Com a grande heterogeneidade entre estados e regiões brasileiras, a ilusão de que certos locais tinham sido relativamente poupados pela pandemia ainda parecia ficar de pé quando a marca de 100 mil vítimas foi atingida.

De lá para cá, o cenário mudou para pior. Estados da região Sul, como Rio Grande do Sul e Paraná (cerca de 9.000 e 8.000 mortos, respectivamente), que antes pareciam ter controlado melhor seus surtos, agora se aproximam dos 10 mil óbitos do Ceará, o mais atingido do Nordeste. Algo parecido vale para Minas Gerais, hoje o terceiro estado em número de vítimas."A conectividade entre as cidades é um fator muito importante e tem sido bastante ignorado", destaca Renato Pereira de Souza, pesquisador do Instituto Adolfo Lutz em Taubaté (SP).

"Aqui no vale do Paraíba, temos realizado alguns estudos apontando justamente como a circulação do vírus nas cidades maiores e de maior circulação influencia o que ocorre nas menores. Cidades como São José dos Campos e Taubaté, bem como o litoral Norte, têm um impacto enorme nas áreas ao redor, o que sugere a necessidade de uma resposta conjunta e sinérgica, mas está difícil. Nem ao Plano São Paulo [organizado pelo governo do estado] estão aderindo."

No que diz respeito à própria doença, a mudança recente mais preocupante é o surgimento de novas variantes do vírus Sars-CoV-2 com potencial aparentemente maior de infectar pessoas, como a B117, já identificada no Brasil e se espalhando velozmente em território europeu, a começar pelo Reino Unido.

"Durante algum tempo nós tivemos uma circulação de linhagens genéticas do vírus muito similares entre si e relativamente conservadas [com poucas mutações]", explica o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica, do Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem como objetivo justamente mapear a variabilidade genética do Sars-CoV-2 no Brasil.

"Agora, tudo indica que se abriu um leque de diversidade, com a introdução e geração de novas linhagens, e isso deve se intensificar enquanto não temos um processo de vacinação ocorrendo", diz Spilki, que é professor da Universidade Feevale (RS).

Um cenário como esse preocupa não necessariamente porque a evolução viral causaria sintomas mais graves nos doentes - até onde se sabe, a variante B117 não tem esse efeito, por exemplo. A questão é que basta uma eficiência maior para infectar pessoas para que, no acumulado, os efeitos sobre a saúde pública sejam mais graves, já que o número absoluto de pessoas internadas e mortos também acaba sendo maior.

"Tanto a transmissão quanto a virulência [agressividade do vírus] são características que dependem também do hospedeiro e de sua resposta à infecção. Então, a percepção dessas alterações e de seu impacto é por vezes difícil e talvez fique clara só após alguns meses", pondera Souza.

Um elemento que não parece ter mudado entre os dois momentos, ou no máximo mudou muito pouco, é a capacidade de identificar com precisão os casos, fazendo testes de PCR (o mais confiável, a partir do material genético do vírus) de modo mais intenso.

Uma maneira de medir isso é a chamada positividade, diz Schrarstzhaupt - ou seja, quantos testes dão resultado positivo para Covid-19 divididos pelo total dos testes feitos. Considera-se que, se uma grande proporção de testes feitos dá resultado positivo, é sinal de que o surto não está sendo controlado direito e muitos casos estão escapando da detecção - e é isso o que continua sendo constatado no Brasil.

Rômulo Leão Silva Néris, virologista e doutorando da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vê mais semelhanças do que diferenças entre agosto de 2020 e o momento atual.

"Ainda estamos batendo nas mesmas teclas, tentando provar para as pessoas que não existe tratamento eficaz e escalável e que distanciamento e uso de máscaras funcionam", lamenta ele. "O país acabou atuando na base do achismo, da sabedoria popular, com algumas decisões municipais e estaduais e essencialmente 'não decisões' do lado federal."

"Tenho a impressão de que estávamos mais conscientes e chocados com os 100 mil. Agora, chegamos aos 200 mil achando que tudo está normal. Perdemos a capacidade de nos chocar", diz a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.

PARTILHE ESTA NOTÍCIA

RECOMENDADOS

politica Polícia Federal Há 18 Horas

Bolsonaro pode ser preso por plano de golpe? Entenda

fama Harry e Meghan Markle Há 10 Horas

Harry e Meghan Markle deram início ao divórcio? O que se sabe até agora

fama MAIDÊ-MAHL Há 19 Horas

Polícia encerra inquérito sobre Maidê Mahl; atriz continua internada

justica Itaúna Há 18 Horas

Homem branco oferece R$ 10 para agredir homem negro com cintadas em MG

economia Carrefour Há 16 Horas

Se não serve ao francês, não vai servir aos brasileiros, diz Fávaro, sobre decisão do Carrefour

economia LEILÃO-RECEITA Há 16 Horas

Leilão da Receita tem iPhones 14 Pro Max por R$ 800 e lote com R$ 2 milhões em relógios

brasil São Paulo Há 18 Horas

Menina de 6 anos é atropelada e arrastada por carro em SP; condutor fugiu

fama LUAN-SANTANA Há 18 Horas

Luan Santana e Jade Magalhães revelam nome da filha e planejam casamento

politica Investigação Há 10 Horas

Bolsonaro liderou, e Braga Netto foi principal arquiteto do golpe, diz PF

mundo País de Gales Há 17 Horas

Jovem milionário mata o melhor amigo em ataque planejado no Reino Unido