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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Caso a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) dê aval neste domingo (17) para as primeiras vacinas contra a Covid, o Brasil pode ter doses em janeiro para apenas 30% do público previsto na primeira fase do plano nacional de vacinação.
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Até então, essa fase, a primeira entre os prioritários, era planejada para ocorrer com trabalhadores de saúde, idosos acima de 75 anos ou asilados, população indígena e povos ribeirinhos, que somam 14,8 milhões de pessoas.
As vacinas submetidas à análise da Anvisa neste domingo, no entanto, devem atingir apenas 5 milhões de pessoas caso tanto os pedidos da Fiocruz e Butantan sejam aprovados, segundo cálculo inicial da Saúde apresentado em reunião com prefeitos.
Isso ocorre devido ao fato de que, embora os dois laboratórios peçam aval juntos a 8 milhões de doses, parte delas (caso de 6 milhões do Butantan) exige uma segunda dose em intervalo de 21 dias, portanto só 3 milhões seriam aplicados em janeiro, enquanto outras (caso de 2 milhões da vacina de Oxford) devem ter intervalo de três meses.
Para especialistas, a baixa oferta inicial de doses indica que o Ministério da Saúde terá que definir, com urgência, "as prioridades das prioridades" para dar o primeiro passo na imunização até que haja um cronograma exato das doses nos meses seguintes.
A reportagem apurou que a pasta planeja colocar nesse grupo idosos que vivem em asilos, indígenas aldeados e profissionais de saúde na linha de frente da Covid. Não há, porém, uma estimativa de quanto esses profissionais representam.
Embora a análise da Anvisa envolva 8 milhões de doses, o número real que estará disponível ainda dependerá do Brasil conseguir confirmar a entrega das 2 milhões de doses de vacinas previstas a serem importadas pela Fiocruz, cuja liberação imediata foi negada pelo governo da Índia.
Caso isso não ocorra, a previsão inicial pode ser menor. O Butantan, que pleiteia aval para 6 milhões de doses, diz ter outras 4 milhões já prontas, mas cujo uso deve depende de novo pedido de aval à Anvisa. Já a Fiocruz não informou o cronograma de produção de mais doses, que ainda dependem da chegada de insumos.
A discussão demonstra parte dos desafios que o Brasil terá que enfrentar para iniciar a vacinação contra a Covid-19.
O Ministério da Saúde diz já ter fechado contratos para obter 354 milhões de doses de vacinas ao longo deste ano. A pasta, porém, não divulgou os cronogramas detalhados, e seu uso também deve depender de novo aval da Anvisa –por isso, técnicos planejam o início da vacinação com base apenas nesses 8 milhões e fazem a conta para 5 milhões de pessoas.
O governo também não confirmou a data de início da imunização. A prefeitos o ministro Eduardo Pazuello disse que a expectativa era que isso ocorresse no dia 20 de janeiro, às 10h.
Em outros momentos, afirmou que a pasta faria a distribuição de doses em até cinco dias após aval da Anvisa, o que poderia estender a previsão ao longo da semana.
Na prática, o país corre risco de iniciar a vacinação enquanto atualiza parte do plano nacional de vacinação, cuja última versão é de 16 de dezembro e tem lacunas.
"Não tenho dúvidas de que o SUS vai dar conta de vacinar, mas vamos passar por um stress desnecessário. É ir andando e trocando a roda", diz a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Carla Domingues.
Para ela, a falta de informações claras sobre o cronograma de todos públicos prioritários na estratégia demonstra o atraso no planejamento. "É difícil fazer uma campanha com essa imprevisibilidade."
O plano de vacinação também prevê entre esses grupos idosos, pessoas com doenças crônicas, quilombolas, policiais e bombeiros, trabalhadores da educação, pessoas com deficiência, motoristas de ônibus, caminhoneiros, presos e funcionários do sistema prisional. Mas não há um cronograma para todos eles.
Para tentar acelerar a oferta inicial, alguns especialistas têm defendido que as primeiras vacinas sejam distribuídas para um maior número de pessoas mesmo com risco de atraso na segunda dose.
"Entre correr o risco de ter alto número de não vacinados e atrasar a segunda, eu preferiria vacinar 8 milhões de pessoas e tentar encurtar esse atraso do que não vacinar", afirma Renato Kfouri, diretor da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações).
A posição ainda não tem consenso. E há outros impasses. "O problema é que tem região que não pode ficar levando vacinas a conta-gotas, e tem que levar as duas doses."
Para a epidemiologista Ethel Maciel, assim que as doses forem aprovadas, é preciso uma campanha de comunicação que informe quais os primeiros públicos a serem vacinados e como isso ocorrerá.
José Cássio de Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP, cobra uma posição sobre a previsão de doses próximos meses. "Se soubermos quando vamos ter isso [mais doses], a situação fica mais tranquila, senão vai ser corrida ao ouro. E aí fica fila, com pessoa idosa, e facilita a transmissão da Covid."
Outro risco é que, sem uma campanha de comunicação eficiente, haja queda nas medidas de prevenção, como uso de máscaras. "A população tem que estar consciente que essa vacina é para redução de casos graves e óbitos, sem redução na transmissão. As medidas têm que ser mantidas."
O decorrer da vacinação também deve trazer mais desafios. Um deles é o acompanhamento da aplicação das novas doses em um contexto de uso de diferentes vacinas com tecnologias diferentes.
Em geral, o ministério diz que isso será feito por um sistema específico, com uso de um aplicativo pela população.
Especialistas cobram mais definições sobre esse processo.
"As vacinas não são intercambiáveis; quem tomar a do Butantan vai ter que tomar a do Butantan, e quem tomar a da AstraZeneca, a da AstraZeneca. Se não tiver um registro nominal eficiente, informatizado, vai ser impossível acompanhar isso", diz Domingues.
O mesmo vale para o monitoramento e a resposta a eventos adversos. "A população está muito preocupada. Se tiver um óbito na sequência, como alguém que infartou, vão dizer que é a vacina. Se não tiver uma investigação e sistema de vigilância preparado para fazer investigação rápida, vamos ter problema."
Kfouri concorda. "Se tiver qualquer coisa com coincidência temporal, vão dizer que foi por isso. Vamos ter que ter resposta rápida ou vamos sofrer com antivacinismo."
Apesar dos impasses, Mauro Junqueira, do Conasems, conselho que representa secretários municipais de saúde, diz que os municípios estão preparados para a vacinação.
"É óbvio que [o volume inicial de doses] não dá para todo mundo na primeira, na segunda semana, e o gestor na ponta vai priorizar as suas equipes [de saúde que atendem Covid], mas em fevereiro já teremos mais", aponta. "Já os idosos não vamos tirar do asilo, a equipe vai lá vacinar."
Ele prevê que a primeira etapa de vacinação dure de três a quatro dias. "A gente sabe vacinar, e temos seringas e agulhas pra começar a vacinação. O que precisa é termos segurança que a vacina vai chegar e informação para que as coisas ocorram de forma tranquila."
Questionado sobre a definição dos grupos prioritários, o Ministério da Saúde diz que "detalhamentos sobre o quantitativo de doses que atenderá cada grupo dentro da primeira fase do plano de vacinação serão divulgados nos próximos dias".
Diz ainda que aguarda a aprovação, por parte da Anvisa, de uma ou mais vacinas para poder anunciar a data oficial de início da vacinação no Brasil. "Estima-se que a imunização começará até 5 dias após este aval", aponta a pasta, segundo a qual todos os estados "receberão as vacinas de forma simultânea".
Sem dar previsões por mês, a pasta tem dito que, de 212 milhões de doses da Fiocruz, 100,4 milhões estarão disponíveis até julho, e o restante nos meses seguintes. No caso do Butantan, seriam 46 milhões de doses no primeiro semestre.
Sobre o acompanhamento de doses, a pasta diz que o aplicativo Conecte-SUS trará o registro da vacina utilizada, além de alerta para segunda dose, em uma espécie de carteira digital de vacinação.
"Com esta ferramenta, será possível que o agente de saúde aplique a segunda dose da vacina correta na data prevista e evite que uma pessoa tome doses de vacinas de laboratórios diferentes. Caso o paciente ainda não esteja cadastrado nas bases de dados, o profissional poderá registrá-lo no momento do atendimento."
A pasta diz ainda que está em fase de contratação de uma campanha de comunicação, prevista para 20 de janeiro.