Sob Bolsonaro, 'Planalto não vai comentar' vira padrão de resposta a jornalistas

Jornalistas de veículos nacionais e internacionais relataram casos em que não tiveram perguntas respondidas pelo Planalto

© Getty Images

Política Imprensa 20/01/21 POR Folhapress

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - "Prezado, o Planalto não vai comentar." A frase, com algumas variações, é uma das respostas mais comuns -quando há respostas- a questionamentos feitos por jornalistas de veículos nacionais e estrangeiros à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, a Secom.

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O órgão, que entre outras funções faz a assessoria de imprensa do presidente da República, já pertenceu à estrutura da Secretaria de Governo na atual administração, mas agora está oficialmente sob o guarda-chuva do Ministério das Comunicações. A Secom é comandada pelo secretário-executivo do ministério, Fabio Wajngarten.

Levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo com base em de demandas de seus repórteres em Brasília à Secom ao longo de 2020 encontrou ao menos 36 emails com 92 perguntas ou pedidos de manifestação do presidente ou do governo. Deste total de mensagens encaminhadas, 20 não foram respondidas e, nas outras 16, o retorno era de que não seria feito qualquer comentário.

Em 17 de abril, por exemplo, após Bolsonaro ter mencionado em duas ocasiões uma suposta pesquisa que indicava que 50% dos prefeitos brasileiros eram favoráveis à reabertura do comércio em meio à pandemia de Covid-19, a Folha de S.Paulo pediu que a Secom indicasse o artigo ao qual o chefe do Executivo se referia."Prezado jornalista, o Planalto não comentará. Atenciosamente, Secom/PR", foi a resposta.

Em 6 de maio, solicitou-se informações a respeito das regras para a gravação de reuniões ministeriais, assunto que ganhou relevância depois que o ex-ministro Sergio Moro acusou Bolsonaro de querer interferir na Polícia Federal e citou encontro de 22 de abril. A reportagem recebeu a mesma reposta dada à outra demanda.

Jornalistas de outros veículos nacionais e internacionais também relataram, reservadamente, casos em que não tiveram perguntas respondidas pelo Planalto.

No início do governo, o Executivo contava com um porta-voz, o general Otávio Rêgo Barros. Além de ler boletins, o militar respondia diariamente perguntas dos jornalistas.

Com o destaque na mídia, Bolsonaro colocou o general na geladeira até que, em outubro do ano passado, oficializou a saída de Rêgo Barros.

Procurado, o general disse que não se sentia confortável em fazer comentários envolvendo o governo.

Quando a Secom estava sob a Secretaria de Governo do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, Bolsonaro promovia periodicamente cafés da manhã com a imprensa.

A prática foi interrompida ainda em 2019, depois que o presidente usou um termo pejorativo para se referir aos nordestinos.

Sem o porta-voz e os cafés da manhã, o presidente passou a falar na entrada do Palácio da Alvorada. Porém, diante de perguntas que considerava incômodas ou manchetes do dia que não considerava favoráveis ao governo, Bolsonaro agredia verbalmente jornalistas, mandando-os, por exemplo, calar a boca.

O comportamento do presidente incitava seus apoiadores a xingar jornalistas. A hostilidade ascendeu a um ponto em que os principais veículos de comunicação do país decidiram deixar a cobertura na porta do Alvorada para não expor seus profissionais ao risco de agressão física.

Em agendas em que está mais próximo dos jornalistas, Bolsonaro se recusa a responder perguntas. Em agosto passado, ao ser questionado sobre cheques no total de R$ 89 mil que teriam sido depositados entre 2011 e 2016 pelo ex-assessor Fabrício Queiroz e pela esposa dele, Márcia Aguiar, na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o presidente ameaçou um repórter.

"Minha vontade é encher tua boca na porrada", reagiu Bolsonaro.Em declarações longe dos repórteres, o presidente segue hostilizando a imprensa. No dia 18 de dezembro, ao discursar em formatura de soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro, ele incitou a PM contra jornalistas.

"Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma para poder agir", disse Bolsonaro.

Ainda no início do segundo semestre de 2020, Bolsonaro parou de falar com os jornalistas e passou a levar seus apoiadores para o jardim do Alvorada, numa área interna da residência oficial, onde a presença da imprensa é vetada.

Uma página bolsonarista do YouTube, no entanto, tem autorização para entrar, gravar e fazer perguntas. O material editado é publicado no canal, que também veicula imagens de momentos em que o presidente está cercado apenas pela entourage palaciana, sem imprensa por perto.

Na terça-feira (12), Tercio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República e integrante do chamado "gabinete do ódio", passou a compartilhar em uma rede social trechos gravados pelo canal simpático a Bolsonaro antes mesmo que a página fizesse a publicação.

"Não tenho informações privilegiadas de dentro do Planalto, do Congresso ou de onde quer que seja", disse Anderson Rossi, dono do canal, em uma nota publicada no vídeo de terça. O Planalto não se manifestou.

As conversas com apoiadores têm trechos excluídos na publicação, mas sempre estão presentes as críticas de Bolsonaro à imprensa.

"Não em perseguição da minha parte. Não existe perseguição para nenhum órgão de imprensa. Eles continuam livres, muitos extrapolando, mentindo, desinformando. E digo mais: eles não deturpam mais, eles mentem", disse Bolsonaro em uma das interações com a claque.

Durante a pandemia de Covid-19, o acesso a informações também foi dificultado. No início da crise, Bolsonaro não adotou a prática de outros chefes de Estado de, diariamente, repassar pessoalmente informações sobre a crise sanitária. Durante um tempo, esse papel coube ao então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Com o subordinado em evidência e defendendo práticas com as quais não concordava, como o distanciamento social, Bolsonaro levou as entrevistas coletivas do Ministério da Saúde para o Planalto. As perguntas passaram a ser em número limitado, e nunca foi explicado o critério de definição dos veículos que poderiam apresentar indagações.

Sob alegação de que se trata de agenda pessoal, compromissos do presidente como viagens de lazer também não são informados à imprensa, mesmo que utilizem estrutura paga com dinheiro público.

Em seu livro de memórias "Uma Terra Prometida", o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama relata seu incômodo no início do governo com o pool de imprensa, grupo de repórteres e fotógrafos que precisava ser alertado toda vez que ele deixasse a Casa Branca e era transportado em uma van do próprio governo.

Na obra, Obama conta que os jornalistas o acompanhavam até mesmo quando saía para jantar com sua esposa, Michelle, ou ía assistir aos jogos de futebol das filhas.

O americano diz que coube a seu secretário de imprensa à época, Robert Gibbs, lhe explicar que os movimentos de um presidente são notícia e que os jornalistas precisavam estar presentes caso algo importante acontecesse.

"A falta de transparência é algo que limita o exercício da democracia", diz o vice-presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Cid Benjamin.

Para o general Santos Cruz, a relação de um governo com a imprensa deveria ser baseada no respeito e na transparência.

"Isso é o mínimo que tem que ter, 100% de transparência. Você está lá para servir à população. Uma das maneiras de servir é informar. Isso não é favor, é obrigação. Tudo é com dinheiro público", afirma o ex-ministro, que deixou o governo em junho de 2019. "As coisas são muito simples, não precisa ter grandes estratégias para você ser honesto, transparente e educado."

A Folha de S.Paulo encaminhou à Secom em dezembro oito perguntas a respeito dos assuntos abordados nesta reportagem. Os questionamentos, porém, também não foram respondidos, elevando para 21 o número de mensagens ignoradas. Em 2021, a prática se manteve. Foram encaminhadas 10 perguntas, mas nenhuma foi respondida até a publicação desta reportagem.Algumas das solicitações que o Planalto não respondeu em 2020

Algumas questões foram resumidas, mas preservam a essência do que foi questionado, de maneira mais ampla, à Secretaria de Comunicação da Presidência.

15.jan

Em alguns desses encontros houve discussão de temas relacionados à empresa privada do secretário Fabio Wajngarten? Qual o tema dos encontros? Qual a motivação pública para o volume de encontro com essas emissoras?13.marQue horas será divulgado o resultado do exame realizado pelo presidente Jair Bolsonaro? Caso seja positivo, ele se licenciará do cargo?

19.mar

Solicito as cópias dos resultados dos dois exames realizados pelo presidente Jair Bolsonaro que comprovam que ele não foi contaminado pelo coronavírus.

24.mar

O Planalto confirma que um motorista do comboio presidencial foi diagnosticado com Covid-19? Ele será mantido em quarentena?

1º.abr

A respeito das reuniões que o presidente teve nesta quarta-feira com dois grupos de médicos, seguem algumas dúvidas: De onde são os profissionais? Qual o motivo dos encontros? O que foi debatido? Por que o ministro Luiz Henrique Mandetta não foi chamado?

8.abr

Solicito os valores bruto e líquido recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro no mês de março pelo exercício da Presidência da República.

O presidente tem a intenção de aplicar redução da jornada e do salário no Executivo, a exemplo do que hoje é possível ser feito na iniciativa privada? Se sim, para quais funções e em qual proporção (25%, 50%, 70%, outra)?

17.abr

O presidente Jair Bolsonaro afirmou hoje, em duas ocasiões, que leu artigo em que consta pesquisa segundo a qual 50% dos prefeitos do Brasil são favoráveis à reabertura do comércio. Podem, por favor, indicar a qual artigo o presidente se refere e qual a pesquisa?

6.mai

Todas as reuniões do presidente com ministros são gravadas em vídeo? Qual o critério para gravar? Quem faz a gravação? Com quem fica a gravação? A gravação é guardada por quanto tempo? A gravação é considerada sigilosa? Se for sigilosa, é sigilosa por quanto tempo?

12.mai

O Instagram apagou ontem uma publicação feita pelo presidente Jair Bolsonaro, uma vez que o material compartilhado, segundo a agência de verificação Lupa, continua informação falsa. Qual o comentário do Palácio do Planalto em relação à decisão do Instagram de apagar a publicação? Por que o presidente compartilhou uma publicação com fake news?

13.mai

Algum parente ou amigo (a) próximo contraiu a covid-19? Algum veio a falecer? O sr. é a favor ou contra a redução de salário e verbas de políticos e do Judiciário durante a pandemia?

Há algum protocolo para gravação de reuniões de presidente da República com ministros. Há previsão legal? Quem estabelece se a reunião é ou não gravada? O que acontece com a gravação?

7.ago

Gostaria de saber se o Planalto pretende comentar informações reveladas pela revista Crusoé sobre novos empréstimos de Fabrício Queiroz à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

17.set

Estamos fazendo matéria sobre eventos com autoridades desrespeitando regras de distanciamento e uso de máscaras. O presidente é citado por causa da cerimônia desta quinta-feira (17) na Paraíba. Gostaria de saber se o Planalto gostaria de se manifestar.

11.out

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou que o artigo do projeto anticrime, que foi invocado para liberar o líder do PCC André do Rap, não estava no texto original. Ele disse ainda que se opôs à inserção do ponto, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, por temer solturas automáticas de presos perigosos. Solicito um posicionamento da Presidência da República.

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