BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Há quase um ano, a província de Formosa, uma das mais pobres da Argentina, está completamente isolada do resto do país. Apenas moradores podem entrar ali, e mesmo assim, só depois de cumprir longas e draconianas medidas sanitárias impostas pelo governo local para combater o coronavírus.
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Imagens de ginásios lotados, sem isolamento das pessoas infectadas, de acampamentos abarrotados nas fronteiras e de gente pedindo ajuda aos gritos de dentro de quartos de hotel têm chocado os argentinos.
Além de exigir um teste com resultado negativo para para ingressar no território, o governo obriga a quarentenas, em locais designados pelas autoridades, que ultrapassam os 20 dias -excedendo a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Atualmente, há 18.800 moradores mantidos em ginásios, escolas e hotéis, que sofrem com a falta de água, comida e acesso a higiene e não recebem acompanhamento médico.
Os locais, trancados e vigiados pela polícia, estão lotados, o que impede que sejam cumpridas as medidas de distanciamento social.
Os testes para o diagnóstico de Covid-19 demoram dias para serem realizados e os resultados são entregues apenas oralmente, sem laudos. Também é assim, sem apresentar documentos oficiais, que as autoridades comunicam as pessoas sobre quantos dias elas devem permanecer no local -há relatos de moradores que estão há mais de um mês de quarentena.
Nas fronteiras da província, há mais de 7.500 moradores acampados de maneira precária, alguns tentando voltar para casa desde março.
Muitos deles têm os documentos necessários e, ainda assim, não conseguem entrar no território. Outros não têm dinheiro para pagar o exame de PCR. Assim, acabam ficando nos acampamentos, onde também falta comida e água -entidades de direitos humanos têm distribuído doações nesses locais.
Acusações de violações de direitos humanos vêm se acumulando, e a Anistia Internacional divulgou um comunicado afirmando que as medidas sanitárias do governo de Formosa excedem as normas de um Estado de Direito e violam os direitos humanos. A organização pede uma intervenção do governo nacional.
No dia 11 de outubro, Mauro Rubén Ledesma, 23, foi encontrado morto por um pescador no rio Bermejo, na fronteira entre Formosa e a vizinha Chaco. O rapaz havia pedido a permissão especial de voltar para casa, onde estão sua filha de 2 anos e sua mulher, mas ela foi recusada. Por meses, ficou esperando a oportunidade de cruzar a fronteira, até que se desesperou e tentou entrar na província ilegalmente, a nado.
No começo deste mês, Zunilda Gómez, grávida, o marido e seus três filhos foram retirados de casa, na cidade de Clorinda, e levados pela polícia a um centro de isolamento sanitário.
Eles fizeram o teste, e o resultado deu negativo. Ainda assim, ficaram isolados mais de dez dias em um quarto sem água ou limpeza e com poucas visitas de um médico. Zunilda perdeu o bebê.
As duas histórias são parte de uma série de depoimentos colhidos por advogados e políticos locais, que pretendem levar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A Igreja Católica também se pronunciou, repudiando os métodos usados em Formosa. Jornalistas estrangeiros ou de outras províncias da Argentina não podem entrar na região, mesmo com as permissões de trânsito emitidas pelo governo nacional e que, em teoria, valem para todo o país.
Na semana passada, a vereadora e advogada Gabriela Neme foi detida ao visitar vários centros de isolamento pedindo a liberação de pessoas que já estavam havia mais de um mês nesses locais com testes negativos ou sem sintomas da doença -neste caso, para cumprir a quarentena em casa.
"O ambiente é tão insalubre para todos que está levando a contágios pessoas que não tinham o vírus", afirmou ela à reportagem.
Ela foi presa diante de câmeras de TV e solta horas depois, mas responderá a um processo. "Estou com hematomas e machucados já documentados, também entrarei com uma ação contra o Estado", disse.
Para o senador Luis Naidenoff, o que está sendo feito em Formosa é uma demonstração de poder que não tem a ver com a saúde. "É um abuso de autoridade. Temos vários exemplos de outras medidas de quarentena, na Argentina e em outros países, em que é possível cumprir com os protocolos, evitar aglomerações, manter distância social e higiene sem causar esse sofrimento ou abusos de direitos humanos", afirmou.
Formosa é governada desde 1995 por Gildo Insfrán, filiado ao Partido Justicialista (a sigla peronista), que comanda a província como um caudilho -a legislação regional permite a reeleição indefinida.
De acordo com os dados oficiais, 41,6% dos 630 mil habitantes de Formosa viviam abaixo da linha da pobreza em 2019, segundo pior resultado em todo o país e acima da média nacional, de 35,4% -no Brasil, o índice fica em 24,7%, aponta o IBGE. No IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), a região é a lanterna no ranking argentino.
Mais de 80% da população tem empregos vinculados ao poder público e praticamente não há oposição. Mesmo com acusações de vínculo com o contrabando (a província faz fronteira com o Paraguai) e de desvio de verbas federais, Insfrán é blindado pelo peronismo -movimento político que tem entre seus principais integrantes o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner.
Naidenoff, que pertence ao partido de oposição União Cívica Radical, afirma que "Insfrán se apoia numa das práticas mais antigas de poder na América Latina, o clientelismo e o medo. Ninguém se levanta contra ele porque aqui não há Estado de Direito. A Justiça da província está em suas mãos, o cidadão não tem proteção, não tem uma Justiça a quem recorrer e teme seu poder".
Em resposta às críticas sobre as medidas para tentar conter o coronavírus, Insfrán responde diz que "nosso objetivo é salvar vidas" e cita dez mortos por conta da doença -o número, sobre o qual pairam dúvidas por falta de comprovação, é o menor do país. "Vocês pensam que para nós é agradável tomar essas medidas? Claro que não."
Insfrán diz que os ataques contra ele por conta das medidas sanitárias são "uma perseguição política porque este é um ano eleitoral", afirmou, referindo-se às eleições legislativas de outubro.
VACINAÇÃO
Nesta quinta-feira (28), devem chegar ao país 5 milhões de novas doses de vacina vindas da Rússia. Até agora, já receberam as duas doses da Sputnik V 200 mil argentinos que trabalham na área da saúde em todas as províncias do país.
Agora, o governo prepara o início da vacinação da população em geral, começando pelos idosos e pela população em risco.
A Argentina também fechou um acordo com a vacina de Oxford/AstraZeneca, prevista para chegar em março. E há negociações ainda em aberto com a Pfizer, a Sinovac e a Sinopharm, além da Moderna.
A Argentina, que tem 44,45 milhões de habitantes, já registrou quase 1,9 milhão de infecções e 47 mil mortes pela doença, segundo a universidade Johns Hopkins.
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— Republic Ana 41% 🇦🇷🇮🇹 (@RepubblicAna) January 26, 2021