Biografia expõe homem que carregou fardo da lenda do boxe Muhammad Ali

A biografia "Muhammad Ali: Uma Vida", de Jonathan Eig, lançada no Brasil pela Editora Record no fim de 2020, traz ao longo de quase 800 páginas fatos novos, fruto de pesquisas e de mais de 600 entrevistas conduzidas com mais de duas centenas de pessoas

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Esporte Biografia 14/02/21 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dos principais personagens da história do esporte, senão o maior, o polêmico tricampeão mundial dos pesos-pesados Muhammad Ali tornou-se tema de inúmeros livros, e provavelmente continuará sendo.

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A biografia "Muhammad Ali: Uma Vida", de Jonathan Eig, lançada no Brasil pela Editora Record no fim de 2020, traz ao longo de quase 800 páginas fatos novos, fruto de pesquisas e de mais de 600 entrevistas conduzidas com mais de duas centenas de pessoas. Também tem o mérito de não ignorar o material já publicado sobre o personagem, ao realizar um trabalho de curadoria.

Trata-se de uma iniciativa relevante, dado que biografias anteriores trouxeram variados recortes de sua trajetória que se sobrepunham, por vezes com narrativas contraditórias. Entre as obras abordadas estão a autobiografia "O Maior: Minha História", de Ali com Richard Durham; "O Rei do Mundo" (David Remnick); e "Muhammad Ali: His Life and Times" (Thomas Hauser).

Bem-escrito e de agradável leitura, "Muhammad Ali: Uma Vida" não se concentra exclusivamente nos feitos do pugilista sobre os ringues. O pontapé, ou no caso, a combinação de golpes inicial da narrativa se baseia em uma minuciosa pesquisa da árvore genealógica de Ali.

Daí emergiram fatos desconhecidos, inclusive pelo próprio Ali, sobre seus antepassados. Seu bisavô, John Clay, foi provavelmente o filho não-reconhecido do dono de uma fazenda de escravos, e seu avô, Herman Heaton Clay, cumpriu pena por um assassinato ligado ao jogo. Preciosismo do autor? Não. Tudo se encadeou para justificar o discurso do pai de Ali, Cash, que reclamava da exploração dos negros pelos brancos e orientava que o filho não se envolvesse com mulheres brancas.

O contexto que moldou Ali é fartamente amparado por pesquisa dos documentos da época, com dados do censo sobre a população negra dos EUA e entrevistas que revelam por que a Justiça ignorava casos de violência doméstica na comunidade.

Sem lançar mão de termos técnicos ou argumentos intrincados, o autor da biografia faz um estudo sociológico, psicológico e traz as motivações de Ali, membros da família e entourage, e de quem cruzou o seu caminho.

Em "Muhammad Ali: Uma Vida", os personagens abordados, mesmo os coadjuvantes, têm uma história –frequentemente é explicado de onde vieram e qual foi seu destino. A leitura demanda algum fôlego, não só pelas quase 800 páginas do livro, mas pela quantidade e qualidade das informações reunidas.

Em situações nas quais Ali exibia comportamentos contraditórios, que não foram poucas, o autor abre uma variedade de possibilidades e deixa a cargo do leitor interpretar.

Eig, que já havia escrito obras sobre a prisão do mafioso Al Capone e sobre Jackie Robinson, primeiro jogador negro na Major League Baseball, arregaçou as mangas. Um exemplo? Munido de uma fita métrica, conferiu quanto media o quarto que Cassius Clay dividia com seu irmão.

Como diferencial em relação às obras anteriores, o autor lançou mão da ciência e tecnologia. o autor contratou uma empresa especializada em contagem de socos desferidos e acertados, o mesmo recurso disponível nas lutas transmitidas atualmente, para compilar as estatísticas dos combates de Ali.

Também acionou cientistas especializados em fala, da Universidade do Estado do Arizona (EUA), para rever as aparições de Ali na TV em gravações, em ordem cronológica, e avaliar as mudanças na velocidade de sua fala. O objetivo foi mostrar se e de que maneira o pugilismo afetou suas habilidades cognitivas.

Na edição nacional de "Muhammad Ali: Uma Vida", vale destacar a tradução, que preservou, em forma de notas no rodapé, as versões originais em inglês dos famosos poemas de Ali que permitem ao leitor experimentar as rimas, além de manter os palavrões e incluir explicações para termos estranhos aos brasileiros.

O Ali retratado na biografia é de contradições profundas, quase um retrato sem rosto: justo, generoso, esperto, cruel, machista, tolo, um ativista dos direitos dos negros que se tornou apolítico, vaidoso, porém com demonstrações de humildade.

Ao longo da leitura, fica a impressão de que a trajetória de Ali não seguiu um plano, mas que ele se deixava levar pelos interesses de terceiros, pelas circunstâncias ou pelo acaso.

A narrativa o retira do pedestal de super-herói e o coloca como um homem comum obrigado a suportar o fardo de ser a lenda Muhammad Ali. Mas nunca deixa de transparecer uma boa pessoa, cujo maior desejo era mais ser amado do que admirado.

Certamente "Muhammad Ali: Uma Vida" não será a derradeira obra sobre o ex-campeão, vide nos últimos anos a publicação de livros sobre seu relacionamento com Malcon X e o amigo Bundini Brown, mas com certeza é uma das mais completas, altamente recomendada para quem gosta de uma boa leitura.

MAU NEGOCIANTEQuase no final de sua carreira, Ali se deu conta de que não tinha dinheiro suficiente para se aposentar. Vários episódios relatados em sua biografia mostram quão fácil era tomar vantagem de sua ingenuidade e generosidade. Seu "manager" Herbert Muhammad levava entre 30% e 40% das bolsas das lutas, um percentual considerado excessivo.

Pela penúltima luta de sua carreira, contra o então campeão Larry Holmes, o promotor Don King acertara pagar US$ 8 milhões a Ali, mas ficou devendo US$ 1,2 milhão.

Quando Ali foi cobrá-lo, o empresário propôs que levasse US$ 50 mil em dinheiro vivo, mas perdoasse King do restante da dívida.

O atleta fez isso, assinou um recibo e ligou para Michael Phenner, advogado com boas intenções que o representava, para contar o que fizera. Phenner, ao saber do que ocorrera, chorou.Castigo desnecessário

Dados levantados para a biografia mostram que os anos finais de sua carreira, quando sua principal motivação era a necessidade de levantar dinheiro, foram cruciais em relação à saúde de Ali.

Segundo levantamento da empresa contratada para compilar as estatísticas de seus combates, antes de ter a licença de pugilista cassada, o jovem Ali recebeu em média 11,9 socos por assalto.

Em suas dez lutas finais, essa média subiu para 18,6 golpes por assalto.

Em 12 de suas primeiras apresentações, recebeu menos de 1.100 socos. Só em suas quatro derradeiras lutas foram os mesmos 1.100 golpes.

Logo que se aposentou, Ali já apresentava fala arrastada, rigidez do pescoço, movimentos lentos e, por vezes, esquecia quem era o interlocutor para quem tinha ligado.

MUHAMMAD ALI: UMA VIDAAvaliação: ótimoAutor: Jonathan EigEditora Record (2020)Páginas: 770

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