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BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas ironizou nesta terça-feira (16) uma crítica aos militares feita um dia antes pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal). Sem citar o general, Gilmar Mendes reagiu.
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A reprimenda de Fachin foi uma resposta à revelação de que a cúpula do Exército, então comandado por Villas Bôas, articulou um tuíte de alerta ao Supremo antes do julgamento de um habeas corpus que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.
Lula acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril daquele ano, foi preso e levado para Curitiba. Deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segunda instância.
Nesta terça-feira (16), Villas Bôas comentou a notícia sobre as críticas de Fachin: "Três anos depois". O general sofre de esclerose lateral amiotrófica. Ele usa aparelhos de informática para se comunicar. O militar está em uma cadeira de rodas.Fachin é o relator da Operação Lava Jato no Supremo.
Após a publicação de Villas Bôas, uma manifestação partiu de um ministro da ala mais garantista da corte. Gilmar já fez críticas à extinta força-tarefa de Curitiba.
No Twitter, sem citar o nome do general, Gilmar afirmou que "a harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa república".
"Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!", escreveu.A postagem de Villas Bôas é um comentário à postagem de Antonio Lorenzo, que já foi chefe de comunicação da Aeronáutica. Lorenzo publicou três emojis com expressão de sono e escreveu: "Três anos depois...".
Em livro-depoimento recém-publicado pela Fundação Getulio Vargas, segundo Villas Bôas, o texto do tuíte de 2018 foi escrito por "integrantes do Alto Comando".
"A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição", disse Fachin, em nota divulgada por seu gabinete, que fez referência a reportagem do jornal Folha de S.Paulo sobre o tema publicada no domingo (14).
Segundo mostrou a reportagem, a postagem do então comandante do Exército tinha um teor bastante mais incendiário do que o publicado.
Além disso, segundo o relato no livro-depoimento feito pelo general, que comandou o Exército de 2014 a 2019, ao menos três ministros do governo Bolsonaro e o atual chefe da Força souberam da nota.
A postagem de Villas Bôas acabou atenuada por ação do então ministro da Defesa, general da reserva Joaquim Silva e Luna, hoje diretor-geral de Itaipu, em um episódio até aqui inédito que foi relatado à Folha de S.Paulo por integrantes do governo Michel Temer (MDB).
"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", dizia a primeira postagem de Villas Bôas, feita no dia 3 de abril de 2018.
"Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais", completava o general.
Nesta segunda-feira, Fachin citou trecho da Constituição que define o papel das Forças Armadas.
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República."
Em abril de 2018, após o tuíte de Villas Bôas, Fachin não se manifestou publicamente. No dia seguinte, o plenário do STF negou habeas corpus a Lula.
Ao votar pelo indeferimento do pedido do ex-presidente, o ministro também não fez comentário sobre o texto do general.
Em seu voto, Fachin ressaltou que deveria haver estabilidade e respeito ao entendimento dos tribunais sobre a execução provisória da pena.
De acordo com o ministro, não havia até aquele momento revisão da jurisprudência, do próprio Supremo, que previa a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, entendimento aplicado no caso de Lula.
Celso de Mello, então decano do Supremo, por sua vez, abordou a mensagem de Villas Bôas, sem citá-lo por nome.
Ao iniciar a leitura de seu voto, o então decano afirmou que um comentário realizado por "altíssima fonte" foi "infringente ao princípio da separação de Poderes" e alertou contra "práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional".
Celso afirmou que intervenções militares restringem a liberdade e limitam o espaço do dissenso e, portanto, são inaceitáveis.
"O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem", disse.