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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O possível efeito cascata provocado pela decisão da Quinta Turma do STJ de anular a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) é o que mais preocupa investigadores do caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
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A própria denúncia já protocolada contra Flávio também pode ter como destino o arquivo. Uma eventual nova acusação dependeria de provas colhidas a partir de uma nova decisão judicial autorizando o acesso aos dados bancários do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seu suposto operador financeiro, Fabrício Queiroz.
Contudo, a decisão do STJ ameaça provas colhidas que não podem ser apreendidas de novo, como celulares e comprovantes bancários. Para o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), elas corroboram os indícios das "rachadinhas" expostos pelos dados das contas dos investigados.
Isso porque elas foram autorizadas com pedidos feitos pela Promotoria usando como base os dados da quebra de sigilo bancário, agora considerados ilegais.
"Agora deu ruim", disse em mensagem de áudio o pai da ex-assessora Luiza Souza Paes ao ver a notícia sobre a movimentação financeira de Queiroz.
"Comecei a tirar R$ 1.400", escreveu a ex-assessora Flávia da Silva em comprovante de transferência para Queiroz, indicando o seu salário real, debitado o valor repassado ao policial militar aposentado.
A própria prisão de Queiroz, atualmente em regime domiciliar, está sob risco. Ela foi decretada com base em mensagens e anotações apreendidas com sua mulher, Márcia Aguiar. A decisão que autorizou as buscas teve como fundamento as quebras de sigilo agora anuladas.
Outra importante prova na corda bamba são os dados telemáticos obtidos com pedido feito pelo MP-RJ baseado nas quebras de sigilo bancário. As informações permitiram que os investigadores mostrassem, a partir do tráfego de dados de antenas, que os ex-assessores de Flávio só usavam seus celulares em locais distantes da Assembleia.
Contudo, esses dados, assim como os bancários, podem ser obtidos novamente com outra ordem judicial.
Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Segundo os investigadores, o senador liderava uma quadrilha para recolher parte dos salários de ex-funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para benefício pessoal.
O valor total desviado dos cofres públicos, segundo o MP-RJ, foi de R$ 6,1 milhões.
O efeito cascata ainda depende dos votos e acórdão a serem publicados. Ele pode ser determinado diretamente pelo STJ ou pode ser debatido no Órgão Especial do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), foro designado para analisar o caso do senador.
Na sessão desta terça-feira (23), os ministros do STJ não mencionaram em suas falas o efeito imediato da decisão que estavam tomando.
A anulação em sequência também pode ser revertida por um eventual recurso a ser apresentado pelo MP-RJ contra a decisão do STJ, a ser analisado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Seria o primeiro ato do novo procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, no caso do senador, após intensa articulação política para ser nomeado para o cargo pelo governador interino, Cláudio Castro (PSC), aliado de Bolsonaro.
Nesse cenário, Mattos deve assumir novo protagonismo, já que a decisão atualmente vigente atribui ao procurador-geral a responsabilidade por refazer a investigação contra o senador.
A quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e outras 84 pessoas e nove empresas foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
A medida permitiu o acesso aos dados financeiros dos investigados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2018, período em que Queiroz esteve lotado no antigo gabinete de Flávio na Alerj.
Foi a partir dos dados bancários que os investigadores identificaram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões.
Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam ter sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.
O MP-RJ ainda identificou a partir dos dados bancários um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartamento adquirido pelo casal.
Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.
Eles também apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.
Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.
A discussão desta terça girou em torno da fundamentação de Itabaiana na decisão que autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal.
A determinação do magistrado foi atacada por advogados do caso por não ter apresentado os fundamentos de sua decisão. A justificativa do magistrado em abril de 2019 toma um parágrafo do documento, adotando as razões expostas pelo Ministério Público em 87 páginas.
Em junho de 2019, ao autorizar a quebra de sigilo de outros investigados, ele aprofundou sua fundamentação para as medidas cautelares deferidas contra os envolvidos dois meses antes.
Os ministros entenderam que a fundamentação, da forma como foi feita, não tem validade jurídica.
O debate jurídico para tentar salvar as provas contra Flávio também depende de dois processos que ficaram pendentes.
A Quinta Turma do STJ ainda precisa analisar a legalidade do compartilhamento de provas pelo Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) com o MP-RJ no caso, bem como da autoridade do juiz Itabaiana de emitir decisões, considerando que o TJ-RJ entendeu que o senador tinha direito a foro especial.
Caso o senador obtenha nova vitória nesses recursos, as provas ficam em situação ainda mais frágil.
O relatório do Coaf foi a origem da investigação contra o senador. Nele, o órgão de inteligência financeira descreveu uma movimentação financeira considerada atípica de Queiroz em 2016. Além do volume que passou pelas contas do ex-assessor no período (R$ 1,2 milhão), chamou a atenção o fato dele ter recebido depósitos em espécie sempre em datas próximas ao dia de pagamento de salário da Alerj.
Os advogados de Flávio afirmam que o relatório tem um detalhamento excessivo, assemelhando-se a uma quebra de sigilo bancário. Além disso, apontam que o MP-RJ orientou o Coaf a fazer pedidos às instituições bancárias, o que eles consideram ilegal.
O Ministério Público nega que tenha agido fora das regras de compartilhamento de dados.
O emaranhado de debates judiciais, certamente, adia ainda mais a eventual mudança de status criminal do senador de acusado para réu, caso o Órgão Especial aceitasse a denúncia contra ele.