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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Países veem o avanço da vacinação e quedas expressivas nas mortes por Covid-19 –o que, neste momento, não necessariamente representam causa e efeito. Enquanto isso, o Brasil, um ano depois do primeiro caso da doença registrado oficialmente, vê um novo crescimento do Sars-CoV-2 e alcança o pior momento na pandemia.
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O Brasil completou nesta quarta-feira (24) 35 dias seguidos com média móvel de mortes acima de 1.000. No mesmo dia, o país superou a marca de 250 mil vidas ceifadas pela Covid e registrou a maior média móvel de óbitos de toda a pandemia, 1.127.
Mas desde novembro a taxa começou a reapresentar tendências de crescimento. À época, especialistas já apontavam a expansão da doença e o risco que as festas de final de ano representavam.O registro de mortes nas duas últimas semanas no Brasil teve crescimento acima de 2%, o que representa uma situação de estabilidade, porém, em patamar elevado –cenário semelhante ao que persistiu no meio do ano passado.
O estado de São Paulo, por exemplo, registrou, no último dia 22, o maior número de pacientes com Covid-19 internados em UTIs desde o início da pandemia. Araraquara, no interior de São Paulo, viu se esgotarem suas vagas de UTI e, em menos de dois meses de 2021, já teve mais mortes por Covid registradas do que em todo 2020.
Mas foi Manaus a primeira cidade em 2021 a ver seu sistema de saúde colapsar com a pressão da Covid. A evolução rápida das internações pela doença levou à falta de oxigênio hospitalar, e pacientes morreram sem acesso ao gás medicinal.
A região Sul do país, de início controlada, também vive o pior momento da pandemia, o que levou os governadores dos seus três estados a anunciar a criação de um grupo de trabalho contra a Covid-19.
Enquanto o vírus continua a avançar rapidamente pelo Brasil e com variantes preocupantes pelo potencial de contaminação, como é o caso da P.1 (observada no Amazonas), da B.1.1.7 (Reino Unido) e da B.1.351 (África do Sul), a vacinação caminha a passos lentos.
O país conta, até o momento, apenas com duas vacinas contra a Covid: a Coronavac, sob responsabilidade do Instituto Butantan, e o imunizante de Oxford/AstraZeneca, nas mãos da Fiocruz.
Nesta semana, a Anvisa deu autorização para uso definitivo para a vacina da farmacêutica americana Pfizer, desenvolvida com o laboratório alemão BionNTech, mas ainda não foi feito acordo para compra de doses do imunizante porque o governo não concorda com cláusulas do contrato da farmacêutica. Doses dessa vacina começaram a ser oferecidas ao governo desde o segundo semestre do ano passado.
A campanha nacional de vacinação contra a Covid teve início no fim de janeiro e só 7,6 milhões de doses (somadas as primeiras e segundas) foram aplicadas, o que representa 3,82% da população brasileira acima de 18 anos. Além do ritmo lento, também já houve registros de outros problemas (não exclusivos do Brasil, porém) como a interrupção de vacinação em capitais, além de desencontros e erros do Ministério da Saúde.
O ônus da Covid no Brasil neste ano, porém, é atípico entre países que já tiveram uma fase aguda em 2020. Em vários outros lugares, os números declinam.
Os Estados Unidos foram dramaticamente afetados pela Covid (ultrapassa o meio milhão de mortos e soma mais de 28 milhões de contaminados, segundo a Universidade Johns Hopkins), registraram no último mês queda expressiva nas mortes, chegando a 22% na comparação entre a semana de 9 a 16 de fevereiro e superando 6% nos sete dias mais recentes.
A diminuição nos números americanos de mortes e casos coincide com o início do governo do democrata Joe Biden. Ao contrário de seu antecessor, o republicano Donald Trump, o novo presidente se mostra preocupado com as orientações científicas básicas de combate à Covid e comunica essa preocupação o tempo todo.
Um exemplo é o uso de máscaras, incentivado pelo atual presidente, que também assinou ordem executiva (equivalente a medida provisória) determinando a obrigatoriedade do item em viagens, meios de transporte e em instalações federais.
Sob Trump, uma ação do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) que visava o uso obrigatório de máscaras foi bloqueada, e a agência emitiu apenas recomendações para seu uso.
Como Trump, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) também tem um histórico de desconsiderar evidências científicas sobre a Covid. Além de minimizar a pandemia desde o início, foram inúmeros os momentos em que Bolsonaro indicou o uso de medicamentos para Covid considerados, por estudos científicos, ineficazes, e provocou aglomerações, sem preocupação com o uso de máscaras.
Segundo levantamento da ONG Conectas Direitos Humanos e do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que na esfera federal "mais do que a ausência de um enfoque de direitos, já constatada, o que nossa pesquisa revelou é a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República".
Os pesquisadores levaram em conta as 3.049 normas relacionadas à Covid-19 publicadas desde o início da pandemia até o fim de 2020.
Exemplos de campanhas de vacinação mais céleres (e seus consequentes efeitos positivos no combate à pandemia) também já são vistos pelo mundo. Um dos mais citados é Israel, que já tem mais de 50% da população vacinada. Com essas taxas, o país já viu números de mortes e infecções caírem.
O Reino Unido é outro que avança rapidamente e já tem mais de 25% da população inoculada. Mesmo em meio à vacinação, o país precisou passar recentemente por mais um "lockdown" para conter a expansão do Sars-CoV-2 e, principalmente, de sua variante mais contagiosa B.1.1.7. Resultado: queda no número de mortes.
Se tais exemplos parecem distantes, há também no continente desempenho superior na vacinação. O Chile já conseguiu vacinar mais de 14% da população, ficando à frente inclusive dos EUA (com mais de 13% dos habitantes vacinados).