Imóvel que Flávio Bolsonaro diz ter vendido para comprar mansão sofreu cobrança de 'lei do puxadinho'

O imóvel vendido é pivô de uma disputa judicial com a Prefeitura do Rio de Janeiro

© Reuters

Política Senador 03/03/21 POR Folhapress

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O imóvel que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) diz ter vendido para conseguir dar entrada na compra de sua mansão em Brasília é pivô de uma disputa judicial com a Prefeitura do Rio de Janeiro por uma cobrança gerada pela "lei dos puxadinhos".

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O município exigiu em 2016 a cobrança de R$ 90 mil para que o senador regularizasse o fechamento da varanda do apartamento, localizado na orla da Barra da Tijuca. Flávio recorreu à Justiça para reverter a decisão em processo ainda em andamento.

O senador afirma que, com o dinheiro da venda deste imóvel, obteve os recursos para pagar a entrada na mansão comprada neste ano em Brasília, avaliada em R$ 6 milhões.

Não há informações sobre as condições do negócio fechado no Rio de Janeiro porque a transação ainda não foi informada ao Registro de Imóveis -a responsabilidade é do comprador e não há prazo para fazer o registro.

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.

Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações.

A escritura pública da compra da mansão do senador, por R$ 6 milhões, mostra que a parcela inicial do financiamento imobiliário equivale a mais da metade da renda declarada do casal.

Segundo o contrato de compra e venda, ao qual a reportagem teve acesso, a prestação assumida pelo parlamentar e por sua mulher, a dentista Fernanda Bolsonaro, é de R$ 18.744,16.

Juntos, segundo o documento registrado em Brazlândia (a 45 km de Brasília), eles comprovaram renda de R$ 36.957,68. Ele declarou ganhar R$ 28.307,68 e ela, R$ 8.650.

As rendas, somadas, são menores que a mínima exigida pelo BRB (Banco de Brasília) para contratação de financiamento nessas condições. Segundo simulador disponível no site da instituição, nessa linha, o tomador precisaria ganhar pelo menos R$ 46.401,25.

A instituição financeira é controlada pelo governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB), um aliado de Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com o site do Senado, o salário líquido do parlamentar é de R$ 24.906,62.

Na compra da casa, localizada no Lago Sul, região nobre de Brasília, o casal financiou R$ 3,1 milhões, e o prazo para a compra do imóvel foi de 360 meses (30 anos).

Já o apartamento na Barra, adquirido em 2014 por R$ 2,5 milhão (sendo R$ 1,07 milhão financiados), foi indicado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como o principal bem a ser perdido pelo senador em caso de condenação no caso da "rachadinha".

Os investigadores afirmam que ele foi adquirido com recursos do esquema -parte das prestações foram pagas após depósitos em espécie na conta do senador sem origem identificada. Não houve, porém, bloqueio do imóvel, sendo legal a transação relatada pelo senador.

A pendência desse apartamento na prefeitura começou após o senador decidir fechar com placas de vidro a varanda do imóvel -prática comum no Rio de Janeiro. À Justiça Flávio afirmou que a intervenção tinha como objetivo evitar "fatores externos indesejados".

"Por residir em prédio localizado na orla, fica sujeito ao enfrentamento de intempéries climáticas, tais como: chuvas, maresia e ventanias frequentes, além da indesejável presença de insetos, aves e outros componentes externos que vinham danificando seu imóvel", disse o senador.

Após a intervenção, a defesa de Flávio disse à Justiça que foi notificado para regularizá-la. A prefeitura exige licença para que a medida seja tomada.

O senador recorreu então à chamada "lei dos puxadinhos" de 2015, legislação que de tempos em tempos é editada no Rio de Janeiro para a legalização de acréscimos feitos sem licença na cidade. Ela costuma ser editada para que o município tenha uma injeção de recursos extras em caixa.

Após enviar a solicitação à Secretaria de Urbanismo, a pasta estabeleceu em R$ 90 mil a cobrança pela regularização. Flávio se insurgiu contra o valor e, após tentar as vias administrativas, buscou a Justiça em 2019.

Ele alegou que a intervenção não resultou em aumento de área construída. Além disso, afirmou que os vidros instalados no apartamento eram móveis, como janelas, o que o assemelha às cortinas de vidro autorizadas pelo município.

A prefeitura discordou dos argumentos apresentados pelo senador. Ela entendeu que "houve acréscimo de área aos cômodos existentes ao se transformar a varanda em um novo cômodo habitável".

A Justiça determinou que fosse feito um laudo, por um perito, para que se identificasse a regularidade da obra ou não. Os advogados do filho do presidente, porém, passaram a questionar o valor cobrado pelo estudo: R$ 9.000. O valor acabou ficando em R$ 7.111.

A pendência não impede a venda do imóvel relatada pelo senador.

O filho mais velho do presidente Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas de 2007 a 2018, período em que Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro e suposto operador financeiro do esquema, esteve lotado em seu antigo gabinete de deputado estadual.

De acordo com o MP-RJ, foram desviados dos cofres públicos R$ 6,1 milhões, dos quais para R$ 2,08 milhões há comprovação de repasse para Queiroz. Outros R$ 2,15 milhões foram sacados das contas de supostos "funcionários fantasmas", recursos que os promotores afirmam terem sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

Flávio nega as acusações. Sua defesa afirma que a denúncia tem "erros bizarros".

"Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova. Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada", declararam os advogados de Flávio quando a denúncia foi oferecida.

No final do mês passado, a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu anular a decisão que autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio e demais investigados. Por 4 a 1, a maioria entendeu que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, não justificou a necessidade da medida.

A corte determinou que as provas decorrentes da quebra de sigilo sejam retiradas da acusação, o que esvazia por completo a denúncia do MP-RJ.

Caso a decisão seja mantida, a tendência é que a denúncia seja arquivada, para abertura de uma nova investigação, que precisará de novo pedido de quebra de sigilo. O MP-RJ ainda estuda se vai recorrer do acórdão da Quinta Turma.

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