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Débora Garofalo é professora, a primeira mulher brasileira e primeira sul-americana a ser finalista no Global Teacher Prize, considerado o Nobel da educação. Anna Luisa Beserra criou uma empresa para levar água potável a populações vulneráveis. Silvia Lins trabalhou no lançamento do primeiro drone 5G da América Latina e ajudou a projetar a primeira rede 5G privativa em campus universitário no Brasil.
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Em meio à pandemia do novo coronavírus, Ludmyla Oliveira reinventou os negócios, produziu mais de 13 mil máscaras e gerou renda para outras mulheres, que abraçaram juntas o projeto.
Neste Dia Internacional da Mulher, a Agência Brasil conversou com as quatro mulheres. Elas têm trajetórias diferentes, mas com alguns pontos em comum: todas trabalharam muito para chegar aonde chegaram, orgulham-se do que fazem e incentivam outras mulheres a perseguir os próprios sonhos.
Anna Luisa tinha 15 anos quando começou a desenvolver o Aqualuz, equipamento que purifica a água da chuva coletada por cisternas de áreas rurais, por meio de raios solares, e temum indicador que muda de cor quando o consumo é seguro. A água é desinfetada sem o uso de substâncias nocivas como o cloro, por exemplo. O projeto rendeu à empreendedora baiana o prêmio Jovens Campeões da Terra, da Organização das Nações Unidas (ONU) Meio Ambiente.
O projeto cresceu e ela hoje é fundadora e CEO (sigla em inglês para diretora executiva) da Safe Drinking Water (SDW) for All que, em tradução livre, significa água potável para todos. Além de continuar produzindo o Aqualuz, a empresa também tem produtos de saneamento básico, alguns deles inclusive desenvolvidos em meio à pandemia, como o Aquapluvi, que é uma pia híbrida que permite tanto o uso da água de chuva quanto do sistema de abastecimento local para funcionar. É voltada para espaços públicos de alta rotatividade de pessoas. “Um lavatório urbano de alta durabilidade, que veio com essa proposta de permitir que as pessoas que estão em trânsito possam ter um ponto de higienização”, explica. “A gente conseguiu, em tempo recorde, desenvolver essa tecnologia e implantar aqui em Salvador”.
Anna Luisa conta que trabalhou muito para conquistar credibilidade e que, infelizmente, ser mulher ainda faz com que sofra preconceitos. “Eu passei por algumas experiências de premiações e editais nos quais eu era a única mulher a participar e a única a chegar à final e estar entre os melhores daquele ambiente. Isso sempre me levou a esse questionamento: Por que isso está acontecendo? Até falando por experiência própria, na SDW a maioria da equipe é formada por mulheres e isso nunca foi um critério de seleção, isso sempre aconteceu muito naturalmente. Nas seleções que a gente fazia, as mulheres sempre se destacavam mais”, diz.
Ela acrescenta: “Acho que ainda exista esse preconceito de que homens podem ter resultados melhores que mulheres e que talvez isso cause impacto não só nessas seleções de editais, mas nas próprias mulheres se sentirem confiantes em empreender. Acho que é algo que está tão impregnado na sociedade que as próprias mulheres acreditam que elas não são capazes de empreender tão bem quanto homens”.
A falta de confiança no próprio potencial pode ter levado mulheres a não se inscreverem no principal prêmio de educação do mundo, o Global Teacher Prize, segundo Débora Garofalo. No Brasil, do total de 2,2 milhões de professores que lecionam na educação básica, etapa que vai da educação infantil ao ensino médio, a maioria, 1,7 milhão, é mulher, de acordo com o Censo Escolar 2020. “As professoras são a maioria do nosso país. E se a gente olhar o histórico do prêmio, levou cinco edições para que eu fosse a primeira mulher brasileira a chegar entre os finalistas. Isso mostra também que as próprias mulheres não têm muita confiança nelas para se inscrever”, diz.
Foi o projeto Robótica com Sucata, que agrega tecnologia a utensílios reciclados do lixo, que a professora desenvolveu com estudantes da periferia de São Paulo, que levou Débora ao posto de top dez professores do mundo. Atualmente, Débora atua na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como coordenadora do Centro de Inovação. O Robótica com Sucata tornou-se política pública e foi levado para 3,5 milhões de estudantes da rede. “Isso me dá um grande orgulho, porque sabemos que a condição do professor muitas vezes é desrespeitada e desvalorizada. Hoje, me vejo na situação inversa, de ter sido reconhecida por esse trabalho e desse trabalho realmente ter se tornado uma política pública”.
Assim como milhares de professores no país, ela foi pega de surpresa pela pandemia, pela suspensão das aulas presenciais e pela migração das atividades desenvolvidas na sala de aula para meios remotos. “Eu, que trabalho com tecnologia, me vi diante de uma situação em que foi necessário me reinventar, do começo ao fim”.
A maior preocupação de Déboraé com os alunos. “Os meus estudantes não são estudantes que conseguem respeitar um isolamento social, devido às condições de moradia. Essas crianças residem no meio de uma favela, as casas são de madeira, muitas vezes são de um cômodo que abriga dez pessoas em uma residência. Não existe saneamento básico, então também não existe água para que essas crianças possam seguir com esses protocolos de segurança e distanciamento social. Isso me faz pensar muito nesse papel que a escola tem hoje, que é essencial. Por isso digo que não é só um espaço de aprendizagem, é um espaço também de proteção”.
Apesar de todo o reconhecimento, a professora conta que ser mulher e trabalhar com tecnologia nem sempre foi fácil. “A primeira vez que meu nome apareceu na mídia, as pessoas diziam ‘olha, a gente tem que entender que ela fez um trabalho de robótica. Ah, é mulher, então, deve ser trabalho de artesanato’. Parece que o tempo todo a gente tem que ficar provando alguma coisa para alguém”, afirma. “Luto para mostrar a importância da inserção das tecnologias e da inovação nesse cenário, mostrar que as mulheres podem seguir isso desde a educação básica e que elas têm total direito de levar essa carreira adiante dentro de grandes indústrias”, acrescenta.
A engenheira de computação Silvia Lins foi uma das mulheres que levou o interesse em tecnologia, que tinha desde cedo, para a vida adulta. Ela é, atualmente, pesquisadora da empresa multinacional Ericsson. É uma das responsáveis pelo lançamento da primeira rede 5G privativa em campus universitário brasileiro, na Universidade Federal do Pará. Ela também trabalhou no desenvolvimento do primeiro drone 5G da América Latina, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Agora, em conjunto com outras mulheres, desenvolve pesquisas sobre o 6G, a próxima geração de tecnologia celular que só deverá estar madura daqui a dez anos.
“Eu acho que parte de eu ter conseguido - considero ter uma trajetória privilegiada de sucesso - é porque tive apoio, tive mentores. Por ser uma mulher padrão, uma mulher branca, não sofri nem vírgula do preconceito que vi mulheres negras e mulheres trans sofrendo. Mas, o que notei, principalmente frente a colegas, é ser discriminada em relação à capacidade intelectual, ou ser cobrada pela aparência. Você tem que ser bonita, senão não consegue ter oportunidade. Ou, você não consegue fazer isso porque você é mulher. Você termina a implementação e vão checar duas vezes, porque acham que está errado”.
Silvia não está sozinha. Segundo pesquisa realizada pela Yoctoo, consultoria de recrutamento e seleção especializada em Tecnologia da Informação (TI), 81% das mulheres entrevistadas dizem que já sofreram preconceito de gênero, seja na escola ou no ambiente de trabalho. Cerca de 43% afirmam sofrer preconceito na universidade, já que os cursos são majoritariamente masculinos. No mercado de trabalho, no entanto, para 63% é onde se sentem mais discriminadas. Para 82% delas, o maior desafio é ter que provar a própria competência técnica o tempo todo. Mais da metade, 51%, dizem ter dificuldade para ser respeitada por pares, superiores e subordinados do gênero masculino.
As mulheres também recebem menos investimentos. De acordo com Silvia, dados das organizações internacionais MassChallenge e Boston Consulting Group (BCG), mostram que startups - empresas que atuam em inovação - lideradas por homens recebem pouco mais do dobro de investimentos que aquelas lideradas por mulheres. Mesmo as mulheres provando que são mais lucrativas. Elas têm receitas cerca de 10% maiores.
As mulheres ocupam também espaços relevantes e lucrativos como consumidoras. Em cinco anos, até 2019, o número de mulheres conectadas diariamente à internet aumentou 11% — representando 91% do total hoje —, enquanto a porcentagem masculina cresceu 7%, de acordo com dados computados pela plataforma de telecom Melhor Plano, a partir da última pesquisa TIC Domicílios, produzida pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br).
“Se você não inclui, se não percebe as necessidades desse público, você perde, não só enquanto sociedade, mas no sentido financeiro. Têm livros inteiros sobre o quanto você ganha ou o quanto você deixa de ganhar se não olhar atentamente para esse público. Tem muita gente engajada e preocupada com isso, mostrando que a gente pode ganhar muito mais se incluir mulheres e minorias como um todo. A gente perde muito se não tem diversidade”, diz Silvia.
Foi por causa do desemprego da mãe, Jacira Farias, que Ludmyla juntou os conhecimentos que tinha sobre administração com a habilidade de ambas em corte e costura e criou a Crioula Criativa, marca de joias naturais e bolsas artesanais. Até então, mãe e filha, que hoje trabalham juntas na empresa que fundaram, confeccionavam bolsas apenas para uso próprio.
“A Crioula nasceu em um momento em que eu me descobri uma mulher preta, estava em um momento de transição capilar. Dentro desse primeiro passo de transição, descobri todo um universo de mulher preta em que eu precisava me reconhecer, saber da onde eu venho e quem são os meus. Isso é muito importante quando a gente faz isso dentro do ambiente da moda. A gente tem hoje meninas se identificando, sabendo quem são e reconhecendo sua beleza”, conta Ludmyla.
Com a pandemia, vieram novos desafios. “A gente teve que parar todo o funcionamento do ateliê, inclusive as aulas de capacitação na área de costura. Foi um momento de pensar e sentir a dor. A gente tem que parar de romantizar o empreendedorismo, achando que com cada desafio surge uma ideia do nada. Na verdade, a gente senta, a gente primeiro sofre, depois chora mais um pouco e, aí, vai pensando ao longo do tempo o que a gente pode fazer dentro dessa realidade”.
A marca se reinventou. Em parceria com o Ateliê Casa do Perdão, foi desenvolvido o projeto Entre Linhas e Costuras, que retomou as aulas na área da moda e voltou a produção para máscaras de proteção facial, na zona oeste do Rio de Janeiro. A produção foi custeada pelo aporte financeiro da Shell Iniciativa Jovem e teve o apoio do Projeto Afro Máscaras. Foram produzidas 13,5 mil máscaras, gerando mais de R$ 38 mil de renda para costureiras, profissionais locais e alunas do projeto. Ao todo, o projeto capacitou 20 mulheres, com aulas nos turnos da manhã e tarde, sendo duas delas egressas do sistema prisional.
“A gente precisa olhar mais para mulheres e mulheres periféricas. Com a falta de emprego, há cada vez mais mães e avós em casa, que antes trabalhavam em casa de família, em confecções, atuavamem algum trabalho informal. Mulheres que hoje não têm mais os seus empregos. Foi exatamente isso que a gente fez”, diz Ludmyla. “Já tínhamos a intenção de impactar pessoas, mas achávamos que precisava de muito, que precisava crescer ainda mais para conseguir causar esse impacto. Então, no meio da pandemia, a gente viu que conseguiu”.
Quando perguntadas que mensagem deixariam para as próximas gerações, para as mulheres que querem seguir os passos delas, as respostas das quatro foram semelhantes, todas aconselham a não abrir mão dos sonhos e a confiar no próprio potencial. “O mais importante é acreditar no nosso potencial, sem isso a gente não chega a lugar algum. Então, acredite no seu potencial, corra atrás do seu sonho. Não deixe que ninguém diga que você não consegue. Mostre para o mundo que o que você quer fazer, você é a única pessoa que pode conseguir”, afirma Anna Luisa.
Ludmyla ressalta que a formação e o autocuidado são essenciais. No ano passado, o levantamento Tracking the Coronavirus, realizado pela Ipsos com entrevistados de 16 países, citou o Brasil como o país que mais sofre de ansiedade por causa do novo coronavírus. As mulheres são as mais afetadas: enquanto 49% se declaram ansiosas, 33% dos homens estão lidando com o sintoma no momento. Entre as mulheres, 33% dizem estar tendo problemas para dormir, contra 19% dos homens. Além disso, 14% das mulheres afirmam ter sintomas de depressão em decorrência da pandemia, enquanto entre os homens esse índice foi 7%.
“Você precisa buscar conhecimento. Conhecimento é uma coisa que guardamos e compartilhamos, porque é muito importante fazer isso. Se você tem vontade, criou seu negócio, está com dificuldade, pára, respeite, cuide-se. Não adianta um CNPJ rico e um CPF cancelado. Não adianta construir a melhor empresa do mundo se você não está em primeiro lugar. Se escutar é primordial e acreditar nos sonhos”.