© Tânia Rêgo / Agência Brasil
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Responsável pela gestão da saúde no Brasil durante a maior parte da pandemia da Covid-19, o general Eduardo Pazuello deixa o cargo de ministro suspeito de crimes, investigado pela Polícia Federal e com o país batendo recorde de mortes pela doença.
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General da ativa do Exército, Pazuello chegou ao Ministério da Saúde em abril de 2020, na demissão de Luiz Henrique Mandetta (DEM) da pasta, que discordava publicamente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a necessidade de medidas de distanciamento social para conter o avanço da pandemia.
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Ao escolher o médico Nelson Teich para ficar no lugar do democrata, Bolsonaro colocou Pazuello, que não tinha experiência em gestão de saúde, como secretário-executivo do ministério, sob a justificativa de "coordenar a transição" entre os dois ministros.
Na prática, porém, Pazuello se tornou uma espécie de representante do presidente dentro da pasta para evitar que Bolsonaro fosse desautorizado novamente por um subordinado. À época, o general foi incensado como um "especialista em logística", representante da "expertise" dos militares em lidar com situações de crise.
Menos de um mês depois, quando Teich pediu demissão, em 15 de maio, o general assumiu o posto titular – a princípio provisoriamente, e em setembro, efetivado.
O terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro passou a acumular polêmicas logo no início da sua gestão.
Sob seu comando, o ministério deixou de divulgar informações sobre o total de casos e mortes pela Covid no país, o que levou veículos de imprensa a criarem um consórcio para divulgar os dados por conta própria.
Desde o início de sua gestão, Pazuello defendeu a cloroquina e da hidroxicloroquina como medicamentos eficientes para o tratamento da Covid-19, mesmo sem evidências científicas que corroborem, inclusive com risco à saúde dos pacientes.
Logo que assumiu, o Ministério da Saúde divulgou um documento que amplia a possibilidade do uso dos remédios, usados contra a malária lúpus, para casos leves de pacientes com Covid-19.
Sob a gestão do general, o Brasil recebeu 3 milhões de comprimidos dos Estados Unidos e usou recursos do SUS para distribuí-los pelo país.
Após questionamentos do Tribunal de Contas da União, Pazuello afirmou, em janeiro deste ano, que nunca indicou medicamentos para tratamento da doença. "Eu nunca indiquei medicamentos para ninguém, nunca autorizei o Ministério da Saúde a fazer protocolos indicando medicamentos."
Apesar da declaração do ministro, a Saúde tem em seu site um guia com orientação para "manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19".
O próprio Pazuello em janeiro lançou em Manaus um aplicativo, voltado a profissionais de saúde, que estimula a prescrição dos medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus.
O TrateCov sugeria a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina, a partir de uma pontuação definida pelos sintomas do paciente após o diagnóstico de Covid –a recomendação era feita mesmo a pacientes com sintomas leves, como dor de cabeça, e crianças.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo em janeiro deste ano mostrou, também, que o ministério pressionou a Prefeitura de Manaus a distribuir o medicamento, afirmando ser "inadmissível" a não adoção do chamado "tratamento precoce", coquetel de medicamentos que a ciência considera ineficazes para tratar a doença.
A crise em Manaus acabou por catalisar o desgaste do ministro. Com a explosão de novos casos e mortes pela doença no começo deste ano na capital amazonense, a cidade ficou desabastecida de oxigênio hospitalar e doentes começaram a morrer asfixiados.
Reportagem publicada na Folha de S.Paulo mostrou que há pelo menos 11 indícios de que a cúpula do ministério tinha conhecimento prévio sobre a escassez do gás e se omitiu.
Pela crise em Manaus, Pazuello é investigado pela Polícia Federal, com autorização do Supremo Tribunal Federal. Na petição em que pediu a instauração do inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que que Pazuello tinha "dever legal e possibilidade de agir para mitigar os resultados" e que uma eventual omissão seria passível de responsabilização cível, administrativa ou criminal.
Como general fora do cargo, porém, o caso pode passar à primeira instância.
Além dessa investigação, senadores tentam abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia.O ministro tem sido o principal alvo de críticas pela escassez de vacinas contra a Covid-19 no Brasil.
O governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses do imunizante até dezembro deste ano. Do total, 3 milhões poderiam ter sido entregues em fevereiro. A farmacêutica fez a primeira oferta em 14 de agosto de 2020, conforme mostrou reportagem da Folha de S.Paulo, mas os contratos não foram assinados.
Antes disso, em outubro do ano passado, Pazuello chegou a anunciar que o Ministério da Saúde havia comprado as 46 milhões de doses da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e importada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Em meio à briga política entre Doria e Bolsonaro, o presidente desautorizou o ministro da Saúde em rede social, falou em traição e disse que o país não compraria "a vacina chinesa de João Doria". Em janeiro deste ano, porém, o governo voltou atrás e fechou acordo para comprar o imunizante, em contrato estendido para 100 milhões de doses no mês seguinte.
A vacinação no país ainda inclui outro episódio anedótico.
No fim de fevereiro, o estado do Amazonas esperava receber 78 mil doses do imunizante, mas chegaram apenas 2.000. Já o Amapá, com população bem menor, viu chegarem 78 mil doses, não as 2.000 previstas. Secretários de saúde na ocasião afirmaram que a pasta confundiu os dois estados do norte do país.
Agora, quando o general deixa a Esplanada dos Ministérios, o país enfrenta o pior momento da pandemia, sem vislumbre de uma situação melhor no horizonte próximo. O Brasil é atualmente o país onde mais se morre pela doença.
Até esta segunda-feira (15), 279.602 pessoas haviam morrido de Covid em pouco mais de um ano de pandemia, e a doença está em aceleração em boa parte das cidades brasileiras.