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BAURU, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o presidente Joe Biden procura desmentir a tese de que as portas dos Estados Unidos estão abertas, o país está enfrentando o maior aumento de migrantes dos últimos 20 anos em sua fronteira com o México, disse nesta terça-feira (16) o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas.
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De acordo com os números divulgados por seu departamento, as tentativas de cruzamento das fronteiras por pessoas vindas do país vizinho e do Triângulo Norte -Guatemala, Honduras e El Salvador- têm aumentado constantemente desde abril de 2020.
A pandemia de coronavírus, os furacões e outros desastres naturais que causaram muitos danos nos países de origem dos imigrantes explicam, segundo o secretário, o agravamento nas condições de vida dos que se arriscam a atravessar a fronteira ilegalmente.
Só no mês de fevereiro, 100.441 pessoas foram detidas ou expulsas na fronteira com o México, de acordo com dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês). O número representa o maior total mensal desde a crise na fronteira americana em 2019.
Enquanto adultos sozinhos constituem a maioria das pessoas expulsas, crianças de até seis anos desacompanhadas não estão sendo rejeitadas, de acordo com Mayorkas. Mesmo assim, cerca de 9.400 menores estão entre os detidos e expulsos no mês passado, segundo os dados do CBP. Se considerados os números de outubro a fevereiro, o total é de quase 30 mil crianças e adolescentes.
Mayorkas afirmou que está sendo criado um centro de processamento conjunto para transferir os menores prontamente para a custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, o que ele apontou como um sinal de que o governo de Joe Biden corre para lidar com o fluxo crescente de crianças que tentam entrar nos EUA.
"Teremos, creio eu, no próximo mês, camas suficientes para cuidar dessas crianças que não têm para onde ir, mas precisam ser cuidadas", disse Biden à rede de TV ABC News em entrevista exibida nesta quarta-feira (17).
O presidente se isentou parcialmente da responsabilidade ao mencionar "aumentos repentinos" no número de imigrantes que tentam entrar no país nos dois últimos anos, mas reconheceu que a crise atual pode ser pior do que as enfrentadas por Donald Trump.
Biden disse que "herdou uma bagunça" do governo anterior e procurou desmentir a tese de que ele abriu as fronteiras para todos porque seria "um cara legal".
"Posso dizer claramente [aos imigrantes]: não venham. Não deixem suas cidades ou comunidades", afirmou o presidente. Apesar da fala incisiva, o democrata defendeu a importância de abordar as causas que podem explicar o aumento no fluxo migratório.
"Não é como se alguém estivesse sentado em Guadalajara, no México, e dissesse: 'Tive uma ótima ideia! Vamos vender tudo o que temos, dar a um coiote [agente que conduz imigrantes em travessias clandestinas], dar a ele nossas crianças e dizer para levá-las ao outro lado da fronteira'".
"Deixe-os em um deserto onde eles não falam o idioma. Não vai ser divertido?", continuou o presidente, com ironia, simulando um cenário hipotético.
"Não é por isso que as pessoas vêm. Elas vêm porque a situação delas é muito ruim. Alguns vêm porque querem uma oportunidade melhor, por razões econômicas. Enquanto isso, o que devemos fazer é garantir que forneceremos camas para essas crianças."
No início desta semana, o departamento chefiado por Mayorkas convocou forças de emergência para lidar com o excesso de menores na fronteira. Os agentes da Fema, agência normalmente encarregada de responder a enchentes e furacões, vão "ajudar a receber, abrigar e transportar as crianças" nos próximos 90 dias.
Em outra frente, o governo americano começou nesta segunda-feira (15) a contatar os pais de crianças da América Central nos primeiros passos da retomada do programa que permite a permanência nos EUA dos menores que estejam fugindo de situações de violência em Honduras, El Salvador e Guatemala.
O programa Menores da América Central (CAM, na sigla em inglês) permite que migrantes com até 21 anos que tenham pais vivendo legalmente nos EUA se inscrevam para uma entrevista de reassentamento de refugiados em seus países como uma forma de evitar o perigoso caminho clandestino que leva muitos deles à detenção em território americano.
No âmbito político, a nova crise de imigração nos EUA tem evidenciado os contrastes entre democratas e republicanos. Enquanto os colegas de Biden se preparam para aprovar medidas na Câmara que começam a colocar em prática a promessa de conceder cidadania americana a 11 milhões de imigrantes, os partidários de Trump acusam o atual governo de estar "pegando leve demais" nessa questão.
"Para que vamos legalizar qualquer [migrante], transmitindo mais um incentivo para que continuem a vir para cá, enquanto não sustarmos o fluxo?", questionou o senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul. "Não entendo a lógica política disso. Está tudo muito fora de controle."
O plano dos congressistas democratas é aprovar ainda nesta semana dois projetos considerados menos polêmicos e, portanto, em tese, com mais chances de passar pelo escrutínio da Câmara. Um deles prevê medidas que beneficiam pessoas trazidas ao país na infância, conhecidas como "dreamers", e o outro deve atender migrantes que receberam status de proteção temporária por razões humanitárias e trabalhadores agrícolas.
O desempenho dessas propostas entre os deputados pode servir de termômetro para mudanças mais abrangentes prometidas por Biden. Durante toda a sua campanha na corrida pela Casa Branca, o então candidato garantiu que adotaria uma abordagem mais humana do que o governo anterior em relação às políticas de imigração.
Quase dois meses depois de sua posse, no entanto, a crise atual cria uma certa nebulosidade sobre alguns dos avanços já postos em prática, como as assinaturas de uma série de ordens executivas nos primeiros dias de governo que, entre outras medidas, pretendem reunificar as famílias de imigrantes separadas no governo Trump e a suspensão das obras de ampliação do muro na fronteira com o México.
Nesse período, a atual administração tem se apoiado em uma controversa medida imposta por Trump em março do ano passado, sob a justificativa de que ainda não teve tempo de implantar mudanças mais profundas.
Conhecida como "Título 42" e tratada como uma ordem de saúde pública, a decisão do ex-presidente republicano cita uma "séria preocupação com a introdução da Covid nos EUA" como respaldo legal para a expulsão imediata de pessoas que tentarem entrar no país violando as restrições de viagens ou de forma clandestina.
O governo Biden diz que não tem aplicado a regra a crianças desacompanhadas. O número de pessoas enquadradas sob o Título 42, porém, ainda é o principal responsável pelos recordes de expulsão e detenção de quem tentou atravessar a fronteira. Dos 100 mil forçados a voltarem para os países de onde vieram no mês de fevereiro, mais de 70% foram alvos da controversa ordem de saúde pública.