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Em nova tentativa de acomodar um aliado político na máquina estadual, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), teve que recuar da nomeação de um membro histórico do tucanato neste mês por ordem da Justiça.
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O economista Barjas Negri, ex-ministro da Saúde e prefeito de Piracicaba por três mandatos, foi exonerado do posto de subsecretário de Assuntos Metropolitanos, cargo vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Regional, após decisão liminar do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
A corte entendeu que Barjas –condenado à perda de direitos políticos e declarado inelegível em 2020, quando tentou a reeleição no município do interior de São Paulo (a 164 km da capital)– estava impedido de assumir a função.
Doria, que busca fazer da gestão uma vitrine para sua eventual campanha à Presidência em 2022, já teve problemas com outros nomes de primeiro e segundo escalões em sua equipe, que acabaram se afastando, temporária ou permanentemente, por pendências na esfera jurídica associadas a corrupção.
São os casos de Gilberto Kassab (PSD) e Aloysio Nunes (PSDB), que saíram ao se tornarem alvos de investigações que criaram constrangimento para o governador, e de Alexandre Baldy (PP), que chegou a ser preso no exercício do cargo de secretário dos Transportes Metropolitanos, mas retornou.
Barjas, o único deles removido por decisão judicial, foi colocado na subsecretaria em janeiro, em uma decisão interpretada no universo político como um gesto de Doria à ala tradicional do PSDB, partido do qual o economista é um dos fundadores. A estratégia seria buscar o apoio do grupo de veteranos.
Além de ter comandado a Saúde em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Barjas teve passagens pelo governo paulista nas gestões de Franco Montoro e Geraldo Alckmin.
A escolha também foi vista como um aceno de Doria a prefeitos. Uma das atribuições do subsecretário é fazer a interlocução com municípios das regiões metropolitanas do estado.
Na ocasião do anúncio de sua ida para o governo, Barjas disse que sua meta era trabalhar pelo desenvolvimento e crescimento econômico de regiões como a capital, a Baixada Santista e os vales do Paraíba e do Ribeira.
O PSDB estadual exaltou o filiado como uma das "pessoas bem preparadas" que integram os quadros do partido. O diretório paulista da legenda é presidido por Marco Vinholi, que também é o secretário de Desenvolvimento Regional.
Vinholi celebrou a "indiscutível bagagem na seara pública" do subordinado ao divulgar a chegada dele.
Barjas recebeu o convite para a subsecretaria depois de ser derrotado no plano de reeleição em Piracicaba. No pleito, vencido por Luciano Almeida (DEM), o tucano concorreu sub judice (aguardando julgamento). Neste ano, em fevereiro, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) confirmou sua inelegibilidade.
Publicada em 27 de janeiro no Diário Oficial de São Paulo, a nomeação virou alvo de uma ação popular apresentada pelo vereador Laércio Trevisan Jr. (PL), que faz oposição a Barjas em Piracicaba.Ele sustentou que o adversário não poderia desempenhar função na administração pública em razão de três condenações por improbidade já ratificadas em segunda instância. Os processos se referem a atos dele quando era prefeito e envolvem irregularidades em licitações e contratos.
Em uma das ações, o tucano foi condenado a devolver R$ 40 mil aos cofres públicos. "Ele não poderia ter sido nomeado", diz Trevisan à Folha. "O erro [do governo] foi grave."
Em decisão de 15 de fevereiro, o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública, concordou com o pedido e mandou o subsecretário ser desligado sumariamente. O magistrado se baseou, de acordo com a sentença, no fato de que um dos casos transitou em julgado em 11 de fevereiro.
Barjas recorreu, mas, em despacho de 26 de fevereiro, a desembargadora Isabel Cogan, da 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, confirmou a liminar que havia determinado a remoção imediata.
A anulação da nomeação foi oficializada em decreto de 3 de março, publicado no dia seguinte no Diário Oficial. Os registros mostram que ele foi exonerado "a pedido", ou seja, por iniciativa própria, com data retroativa a 26 de fevereiro.
Na última quarta-feira (17), os advogados do ex-prefeito entraram com novo recurso, afirmando que ele não possui qualquer impedimento legal para exercer cargo público e que está equivocada a informação de que um dos processos transitou em julgado (encerrou as possibilidades de apelação).
À Folha Barjas diz que sua entrada no governo não envolveu questões políticas. "Pode ser que sim, pode ser que não", afirma, ao ser indagado sobre a hipótese de afago de Doria à ala tradicional do tucanato.
"Ali é uma discussão técnica, e o Doria, como governador do estado de São Paulo, conversa com todos os setores do PSDB", segue ele, que vê com bons olhos uma candidatura do governador ao Planalto. "Eu espero que una [o partido]. Ele está fazendo um bom trabalho."
Depois do imbróglio, as tarefas da subsecretaria foram assumidas por Marcos Campagnone, que também é ligado ao PSDB e já era assessor da repartição.
O governo do estado, em nota enviada pela Secretaria de Desenvolvimento Regional, afirmou que houve consulta ao Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa e Inelegibilidade na data em que Barjas foi nomeado, mas ele não aparecia no sistema.
"Não constando nenhum registro dos processos mencionados, não houve impedimento legal para a nomeação do mesmo para exercício de cargo em confiança", disse a pasta, ressaltando que o governo não se furta ao cumprimento de qualquer determinação judicial.
A gestão Doria não respondeu se possui uma regra de conduta para lidar com casos de nomeações de aliados que enfrentam sobressaltos no campo jurídico. A reportagem questionou em quais situações o governo pode optar por afastar, licenciar ou exonerar um auxiliar.
Até aqui, as intercorrências mais rumorosas envolvendo indicados políticos tiveram desfechos distintos.O primeiro caso, ainda antes da posse de Doria, atingiu o ex-ministro Gilberto Kassab, que tinha sido anunciado como chefe da Casa Civil, dentro do movimento do governador para montar um secretariado de peso, com egressos do governo Michel Temer (MDB).
Alvo em dezembro de 2018 de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal, em desdobramento da Operação Lava Jato que apurava suspeita de caixa dois, Kassab tomou posse em janeiro de 2019 e, em uma saída costurada com o governador, se licenciou sem data para voltar.
O quadro se estendeu por quase dois anos, até dezembro de 2020, quando ele enfim acertou sua saída.Depois disso, foi efetivado na função Antônio Carlos Rizeque Malufe, que já exercia o cargo na prática.No âmbito da mesma ação, a Justiça Eleitoral de São Paulo aceitou no dia 11 deste mês denúncia contra Kassab, que é presidente nacional do PSD. Ele nega qualquer irregularidade.Na terça-feira (16), a Casa Civil passou a ser ocupada por Cauê Macris (PSDB), que presidiu a Assembleia Legislativa de São Paulo nos últimos quatro anos.
Em outro caso do início do governo, em fevereiro de 2019, o ex-chanceler e ex-senador Aloysio Nunes pediu demissão da presidência da Investe SP (agência de estímulo a investimentos) após virar alvo da Lava Jato.
Sua saída foi negociada com o governador para evitar maiores danos de imagem. Um ano depois, Aloysio ganhou um cargo na gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), aliado de Doria. Ele, que sempre se disse inocente, é até hoje o presidente da SP Negócios (agência municipal de promoção de investimentos).O episódio mais traumático, no entanto, foi o do secretário Alexandre Baldy, preso em agosto de 2020.
Doria se apressou em declarar na data que as suspeitas investigadas não ocorreram em São Paulo e que ele poderia se explicar à Justiça.
Prato cheio para adversários, a operação -desdobramento de investigações da Lava Jato no Rio- culminou em um pedido imediato de licença apresentado pelo secretário. Baldy, que ficou um dia preso e nega ter cometido qualquer ilicitude, reassumiu a secretaria dois meses mais tarde.