Baladas pandêmicas: jovens continuam indo a festas, apesar da pandemia

Em um mês, 716 festas clandestinas foram encerradas em SP

© Reprodução/ istoe.com.br

Brasil Absurdo 24/03/21 POR Notícias ao Minuto Brasil

As notícias são inúmeras e se repetem todos os dias: os flagrantes de festas clandestinas onde jovens se aglomeram diariamente. Em um mês, 716 festas clandestinas foram encerradas em SP, mostrou a reportagem da Agência Brasil. 

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No Instagram, os flagrantes são mostrados em fotos e vídeos: o Brasil Fede Covid, perfil do Instagram que denuncia festas e aglomerações em todo o país, expõe também flyers de eventos, não para convidar, mas para alertar do que está acontecendo, sempre marcando na publicação as autoridades. 

Mas, embora bem informados da situação do país, o que leva adolescentes e jovens a esse comportamento de risco tem várias explicações, apontam os especialistas ouvidos pela Agência Brasil. 

A psiquiatra Danielle Herszenhorn Admoni, psiquiatra da infância e adolescência na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, explica que os adolescentes e os jovens adultos têm uma necessidade quase física de estar com os pares, com os grupos, pois eles deixam de se identificar com os pais para se identificar com os amigos. 

“Ter ficado longe das amizades e casos [românticos] foi muito marcante para os adolescentes e jovens, pois é um grupo que precisa mais estar fisicamente com os outros do que, por exemplo, as crianças e os adultos, que já conseguem ficar em casa, com a família. Outra questão é que o jovem tem a ideação de que vai dar tudo certo, por exemplo: ‘não preciso estudar muito, mas vou passar no vestibular”, ou seja, ele pensa: ‘posso ir numa balada que eu não vou pegar covid, estou acima de tudo isso’. Ele sabe dos riscos, mas fica uma ideação mágica. Ainda tem a questão do prazer imediato: ‘preciso me divertir, preciso estar com os amigos, não quero saber se vou adoecer, se vou ser preso’, enfim, depois ele vai ver o que acontece”, diz a especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria. 

Na opinião da psicóloga Flávia Teixeira, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, outro fator contribuiu para este comportamento. “O fato de os jovens terem dados de que não fazem, ou não faziam, parte do grupo de risco, associado ao fato de que, podem ir à escola, frequentar praias, academias e clubes, de alguma forma, os leva a pensar que as baladas também podem ser frequentadas. Uma associação do tipo: “Se posso estar com meus amigos para estudar e praticar esportes, por que não estar com eles para me divertir?”, destaca a especialista, que também é professora de pós-graduação em Psicologia Hospitalar na Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-graduada em Psicossomática Contemporânea.

À medida que as regras de restrições foram ficando mais flexíveis e as possibilidades de sair se tornou mais concreta, os grupos foram se organizando e de alguma maneira estes jovens voltaram ao convívio, destaca Adriane Branco, psicóloga especialista em Saúde Integral do Adolescente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Outro ponto que foi possível observar também é que independentemente de ter baladas, muitos ainda se reuniam em grupos menores, com pequenos eventos sociais, nas suas próprias casas, com o consentimento dos pais e/ou responsáveis, o que também dá uma falsa impressão de que “está tudo bem”, observou a especialista, que também é pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade. 

Foi o que aconteceu com a assessora de imprensa Carolina Caprioli, de 27 anos. Ela contou que começou a sair quando a cidade de São Paulo entrou para a Fase Laranja, quando os bares e locais de lazer começaram a abrir com as medidas de segurança. “Durante muitos meses fiquei isolada em casa apenas com os familiares. Nos aproximamos e também tivemos muitos desentendimentos. Eu sentia a necessidade de ver outras pessoas fora do meu círculo familiar para conversar sobre diversos assuntos, dar risada e também rever os amigos que há tantos meses não via”. 

Carolina tem um grupo de quatro amigas. “Estamos sempre juntas, entre nós. Em algumas reuniões estamos todas juntas e em outras só parte do grupo. Minhas amigas moram sozinhas, sem os pais, e nos reunimos na casa delas para bater papo, beber e fazer algumas atividades juntas”, conta a moradora da zona leste da capital paulista. 

Ela conta que recebeu convites para ir em festas clandestinas. “Geralmente os convites chegam por meio de amigos bem próximos, sem muita informação e nem divulgação. Os locais também são sempre revelados em cima da hora. Mas não fui em nenhuma festa.

Eu e minhas amigas não nos sentimos confortáveis em ir às festas porque a pandemia ainda está no auge e os números de mortes não param de baixar. Por mais que algumas delas estejam morando sozinhas, nós preferimos respeitar o momento e ficar em casa”.

Mesmo assim, depois dos encontros com as amigas, ela sentiu medo de ter sido infectada. “No Ano Novo, nós alugamos uma casa na praia e tivemos contato com outras pessoas também, além do nosso grupo de amigas. Logo depois, fiquei com muito receio de estar infectada e também tive muitos sintomas parecidos com a covid, mas que eram da minha cabeça porque todas às vezes testei e deu negativo. O psicológico fica sempre muito abalado”, desabafa a jovem.

Carolina conta ainda que está trabalhando em casa, mas que, quando sai e encontra com os amigos e depois volta, procura ficar de máscara mesmo dentro de casa, ainda que não divida o lar com idosos ou pessoas do grupo de risco. “Tomo os cuidados como: não me aproximar muito deles, evitar contato físico, fico isolada em um canto da casa”. 

Para ela, os jovens estão mais relaxados com os cuidados no geral. “A pandemia acabou durando muito mais do que o esperado e os jovens sentem-se limitados dentro de casa, já que costumavam sair para festas, baladas, bares e encontros.” 

Para as especialistas, o comportamento dos jovens é igual, tanto na periferia quanto no bairros nobres. “Acredito que aconteça e no mesmo nível. A diferença é que os bailes funks da periferia não possuem os muros dos bairros mais ricos. Os dois extremos querem se sentir diferentes do todo. Precisam provar que são poderosos. Que não são um gado que segue regras. E acredito ainda mais, que ambos os lados estão se vingando dos padrões impostos pela sociedade. Porque uns se sentem sufocados e outros se sentem injustiçados”, diz a educadora parental Stella Azulay, diretora da Escola de Pais XD.  

Opinião semelhante tem a psicóloga Adriane Branco. “Para o jovem de periferia, muitas vezes ficar em casa, em um espaço pequeno, também é desconfortável fisicamente, e o excesso de convivência é outro fator que os leva para a rua em busca de diversão. Jovens que estão em bairros mais ricos, na maioria dos casos não têm o problema do pouco espaço, porém também não estão acostumados com a convivência constante com os pais e familiares imposta pelo isolamento social. E ambos, independente de onde estejam, tem comportamentos típicos do jovem, que é a necessidade voraz de viver, de estar em grupo, de diversão”.

A educadora parental acrescenta que no caso de uma pandemia, existe o agravante de estarem colocando em risco centenas de outras pessoas. “E essa falta de visão da realidade, de empatia, é que deve preocupar e mobilizar cada um de nós para uma reflexão sobre quem serão os adultos de amanhã”, reflete Stella. 

Um dos caminhos para reverter esse quadro de aglomerações em festas é a conscientização direcionada aos jovens, aponta a Danielle H. Admoni, psiquiatra da infância e adolescência. “É interessante pensar em campanhas que falem a linguagem do adolescentes e do adulto jovem. Temos exemplos de outros países que têm feito isso. São exemplos mais concretos que mostram não somente o prejuízo para eles, mas porque saem espalhando covid para outras pessoas com comorbidades, acho que é mostrar isso, que o prazer imediato pode trazer uma consequência gravíssima depois”. 

O governo paulista divulgou, nas emissoras de TV e redes sociais, vídeo para sensibilizar os jovens. O vídeo foi criado pelo governo do Mato Grosso do Sul e cedido ao governo paulista.  

A psicóloga Flávia Teixeira diz acreditar que nesse momento, os pais e responsáveis devem ser mais enfáticos. “Mais do que nunca, é preciso que estejamos à frente das decisões sobre o ir e vir deles. Nós devemos dar os limites e as regras desse jogo, ainda muito desconhecido, inclusive para nós. Adolescentes e jovens precisam de direcionamento, de contorno, e de segurança. Nós adultos somos responsáveis por eles, e devemos ser os agentes de segurança nesse momento de tamanha incerteza e fragilidade. A diversão e a interação são, sem dúvida nenhuma, muito importantes para nos mantermos saudáveis, mas para isso, precisamos priorizar e preservar a vida. Devemos compreender que em alguns momentos abrir mão, e perder algumas coisas, são fundamentais para muitos outros ganhos futuros”, destaca.

A educadora parental Stella Azulay diz acreditar que, apesar de terem mais acesso a informação do que antigamente, os adolescentes e jovens de hoje são muito mais imaturos. “E isso já começa em casa, na educação que recebem dos pais. Com muita dificuldade em educarem seus filhos com limites e valores, os pais vão deixando passar diversos comportamentos inadequados, seja por fraqueza, preguiça, cansaço ou até mesmo falta de preparo para lidar com os desafios da educação”.

Segundo a educadora, os jovens encontram nas baladas uma forma de manifestar suas carências e suas rebeldias. “Quanto mais se sentem abandonados pelos pais, mais se comportam dessa forma, como se fosse uma vingança, ou tipo, um grito de socorro para sociedade. Não estou querendo jogar toda responsabilidade das ações desses jovens nos pais, porém estamos sim assistindo a consequências de uma falta de preparo dos adultos que devem ser mentores e grandes influenciadores de seus filhos”.

Mas, mesmo diante das dificuldades, são os pais que podem ajudar a mudar esse comportamento de risco, aponta a educadora. “Acredito muito que a casa seja o eixo de equilíbrio. Na minha opinião, a cura começa pela fala, pelo diálogo. Começa no momento em que os pais vão abrir o jogo, abrir seus corações, verbalizar a seus filhos como se sentem, o que estão passando. Compartilhar as angústias une as famílias, envolve os filhos no problema, eles passam então a fazer parte da solução”. 

Ela chama atenção para que os pais criem vínculos com seus filhos. “Pais, escutem seus filhos, busquem momentos de paz para criar oportunidades de troca, tenham paciência, façam um esforço a mais na direção certa. Aproveitem a chance para criarem vínculos verdadeiros com seus filhos. Ofereçam a eles ferramentas para que façam boas decisões. A mudança de postura começa de cima para baixo”, aconselha a educadora.

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