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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União), as Forças Armadas abriram, pela primeira vez na pandemia, os dados sobre ocupação de leitos para pacientes com Covid-19 nos hospitais militares. As planilhas mostram que as Forças bloquearam leitos à espera de militares em enfermarias e UTIs e que há unidades com até 85% de vagas ociosas.
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O TCU investiga possíveis irregularidades por parte de Ministério da Defesa, Exército, Aeronáutica e Marinha ao não ofertarem a civis leitos destinados a pacientes com Covid-19 em unidades militares de saúde.
Essas unidades consumiram pelo menos R$ 2 bilhões do Orçamento da União em 2020, segundo auditoria do TCU.
Os auditores sustentam que os hospitais militares deveriam fazer convênios com o SUS para ampliar atendimentos à população durante essa fase mais crítica da pandemia, quando há um colapso generalizado das redes públicas de saúde nos estados.
A reserva de vagas aos militares contraria os princípios da dignidade humana e viola o dever constitucional do Estado de oferecer acesso à saúde de forma universal, conforme o tribunal, que determinou no dia 17 a abertura dos dados sobre ocupação de leitos.
O Ministério da Defesa pediu mais 10 dias para sistematizar os dados, o que foi autorizado pelo plenário do TCU no dia 24.Vencido o prazo, as primeiras planilhas com as informações começaram a ser publicadas nos sites das Forças Armadas. As próprias planilhas registram que leitos são reservados exclusivamente a militares e seus familiares.
Até então, o Ministério da Defesa, os comandos das Forças e a direção do HFA (Hospital das Forças Armadas), em Brasília, evitavam dizer se as unidades estavam abrindo ou não espaços a civis, diante do colapso nas redes públicas de saúde.
O jornal Folha de S.Paulo formulou pedidos de informação a HFA, Marinha, Exército e Aeronáutica, por meio da Lei de Acesso à Informação, sobre destinação de vagas a civis. As respostas dadas pelas duas primeiras instituições confirmam que os leitos são destinados a militares e seus dependentes e que não houve abertura de vagas a civis em geral.
No HFA, são atendidos apenas servidores civis do Ministério da Defesa. O hospital também atende o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e ministros de Estado.O Exército afirmou que seu sistema é voltado aos militares, sem dizer se abriu alguma exceção a civis. A Aeronáutica pediu mais tempo para responder.
A Folha de S.Paulo localizou as planilhas com dados sobre a ocupação dos leitos publicadas por Aeronáutica, Exército e HFA, publicadas após a determinação do TCU, mas não os da Marinha.
A Aeronáutica lista 27 unidades de saúde, das quais 14 têm leitos reservados a pacientes com Covid-19. Em quase todas não há vagas em UTIs, que estão lotadas, conforme dados atualizados na segunda-feira (5). Há uma exceção: a UTI do Hospital de Aeronáutica de Recife, onde a ocupação é de 71,43%.
Quanto aos leitos de enfermaria, apenas três têm 100% de ocupação. Em outras seis, o índice é de 50% ou menos. São os casos dos esquadrões de saúde de Guaratinguetá (SP), Curitiba (PR), Natal (RN) e Lagoa Santa (ES), com ocupação inferior a 25%.
A ocupação dos leitos clínicos para Covid-19 no Hospital de Aeronáutica de Canoas (RS) estava em 41,67%. No Hospital de Aeronáutica de Manaus, em 50%.
Já o Exército divulgou a disponibilidade geral de leitos, não apenas para Covid. Segundo a força, 23 unidades de saúde têm 366 leitos, um terço do total. Em 14 delas, a ocupação geral é de 50% ou menos.
As maiores ociosidades, segundo planilha do Exército, estão no Hospital de Guarnição de Florianópolis (ocupação de 13%), no Hospital Geral de Curitiba (19%), no Hospital de Guarnição de Marabá (PA) (22%) e no Hospital Geral de Juiz de Fora (MG) (26%).
No caso das UTIs, há um cenário de superlotação. Dezenove hospitais militares do Exército oferecem 217 leitos, e apenas três não têm 100% ou mais de ocupação geral.
No Hospital de Guarnição de Marabá, há duas vagas e as duas estão livres, segundo o Exército. No Hospital Militar de Área de Manaus, a ocupação geral é de 33%; há seis leitos ativos para pacientes com Covid-19. E no Hospital de Guarnição de Porto Velho, há quatro vagas, todas livres.
A administração dos leitos para Covid-19 nos hospitais militares do Exército faz parte da chamada Operação Apolo, cujas ações são gerenciadas pelo Departamento Geral de Pessoal.
O chefe do departamento é o general Paulo Sérgio de Oliveira, que foi indicado na semana passada ao cargo de comandante do Exército, após a demissão do atual comandante, Edson Leal Pujol.
No HFA, quase todos os 40 leitos de UTI estão ocupados com pacientes com Covid-19. O índice divulgado é de 97,5%. Já os leitos de enfermaria têm ocupação de 57,1%, segundo atualização feita pelo hospital nesta terça.
Dos pacientes que estão em enfermaria (há 70 leitos), 10% integram uma lista de espera e aguardam uma vaga em UTI, segundo o HFA. Parte dos leitos de enfermaria se destina a pacientes que tiveram alta da UTI.
Segundo o Ministério da Defesa, a respeito do HFA, o número de leitos de UTI ou clínicos não é constante e se adapta à demanda. Não há ociosidade e há grande rotatividade, afirmou o ministério. "Isso acontece não só em hospitais militares, mas também em hospitais públicos e privados", disse, em nota.
"A informação sobre a taxa de ocupação faz alusão apenas aos dados do dia corrente, pois qualquer número ou porcentagem relacionada à disponibilidade de leitos que vier a ser divulgada de maneira equivocada poderá construir um cenário incerto, que não condiz com essa realidade que muda a todo instante", afirmou.
A pasta disse ter fornecido todos os dados ao TCU, a partir da determinação feita. "Os hospitais militares estão com número limitado de leitos, assim como os hospitais públicos. Esses dados estão disponíveis na internet e podem ser acessados, de maneira irrestrita, nos sites do HFA e das Forças Armadas."
O percentual de militares da ativa infectados pelo coronavírus por estarem na linha de frente supera 13%, valor superior à média nacional, conforme a nota.
"Esse número elevado, somado à grande quantidade de dependentes, militares da reserva, reformados e pensionistas, normalmente de idade bastante avançada, que são atendidos por lei, tem mantido o sistema de saúde das Forças e hospitais militares no limite de suas capacidades, como no restante do país", afirmou a Defesa.