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Horas após o cessar-fogo que encerrou a sequência de 11 dias de ataques entre Israel e Hamas, a polícia israelense entrou em atrito com grupos de palestinos do lado de fora da mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, nesta sexta-feira (21).
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No primeiro dia de trégua entre as Forças Armadas israelenses e o grupo islâmico que controla a Faixa de Gaza, policiais dispararam granadas de atordoamento contra os palestinos, que, por sua vez, lançaram pedras e coquetéis molotov contra os agentes.
Segundo a imprensa israelense, dezenas de policiais estavam preparados para possíveis tumultos na região da Esplanada das Mesquitas, palco de confrontos semelhantes que serviram como um gatilho para a recente escalada de violência.Ao meio-dia, no horário local (6h, em Brasília), havia milhares de muçulmanos em orações no complexo arborizado ao redor da mesquita. Após o momento de devoção, no entanto, parte da multidão se juntou a grupos que se manifestavam em apoio aos palestinos na Faixa de Gaza. Os alto-falantes da mesquita celebraram "a vitória da resistência", e carreatas circulavam com bandeiras palestinas.
Segundo um porta-voz da polícia israelense, alguns indivíduos teriam começado a atirar pedras contra os agentes que estavam em um dos portões de prontidão. As unidades, então, entraram na área da esplanada para conter os distúrbios. As estimativas são de que ao menos 20 pessoas ficaram feridas nos confrontos que duraram pouco mais de uma hora.
A mesquita de Al-Aqsa é o terceiro lugar mais sagrado para o islamismo, e a Esplanada das Mesquitas, um dos mais sensíveis no conflito do Oriente Médio. Antes que o Hamas disparasse os primeiros foguetes contra Israel em 10 de maio, palestinos e policiais israelenses já vinham se enfrentando no local.
Uma das justificativas apresentadas para o início dos ataques do grupo islâmico, considerado terrorista por Israel, EUA e União Europeia, foi justamente a retaliação ao que chamou de abusos dos direitos israelenses contra palestinos em Jerusalém durante o mês do ramadã, sagrado para os muçulmanos.
Também contribuiu para o agravamento das tensões uma decisão judicial em primeira instância que pode expulsar famílias palestinas de um bairro de Jerusalém Oriental alvo de disputas desde que foi anexado por Israel, em 1967. Em resposta ao Hamas, o Exército israelense passou a bombardear Gaza.Em Gaza, a trégua representou um primeiro dia sem explosões provocadas por mísseis, e os moradores puderam começar a dimensionar os danos provocados pelo conflito.
Dezenas de milhares de pessoas deixaram as escolas mantidas pela Organização das Nações Unidas para onde tinham ido em busca de abrigo dos ataques aéreos.
Mais cinco corpos foram retirados de escombros nesta sexta, o que elevou o número oficial de mortos no território palestino para 243, incluindo 66 crianças. Segundo autoridades de saúde, há quase 2.500 pessoas hospitalizadas em Gaza com ferimentos em decorrência do conflito. A maioria não corre risco de morrer, mas há dezenas em situação crítica e centenas sofrendo crises agudas de ansiedade.
Do lado israelense, as autoridades contabilizaram 13 mortos, incluindo duas crianças, e mais de 300 feridos. O país possui um avançado sistema de defesa contra mísseis e foguetes que, segundo os números oficiais, interceptou quase 90% dos cerca de 4.000 projéteis disparados de Gaza.
A trégua entre Israel e Hamas segue com ares de fragilidade, já que cada lado reivindica para si uma suposta vitória no pior conflito da região em sete anos. O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, fez nesta sexta um pronunciamento à nação em que afirmou que o Hamas não pode mais se esconder depois do "êxito excepcional para Israel".
"Eliminamos uma parte importante do escalão de comando do Hamas e da Jihad Islâmica. E quem não foi morto sabe hoje que nosso longo braço pode alcançá-lo em qualquer lugar, acima do solo ou no subsolo", disse Netanyahu, prometendo um "novo nível de força" na resposta a qualquer eventual ataque de Gaza.
Lideranças do Hamas também mantiveram o tom de confrontação e afirmaram que seguem com o "dedo no gatilho". O líder Ismail Haniyeh saudou a "vitória do Hamas" e disse que o conflito destruiu o projeto de coexistência ou normalização das relações com Israel e que palestinos colherão benefícios a partir de agora. "O que está por vir depois dessa batalha não é o que veio antes dela. Vocês ainda verão muitos contatos e sucessos [diplomáticos]", disse Haniyeh. "Vimos como nossa nação despertou para apoiar Jerusalém, a Palestina e a resistência."
O Irã, aliado do Hamas, disse que os palestinos tiveram uma vitória histórica. "Sua resistência forçou o atacante a recuar", tuitou Said Khatibzadeh, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano.
Embora encerre a fase de hostilidades entre Israel e Gaza, é improvável que qualquer cessar-fogo aborde as questões fundamentais dos conflitos -o que inclui, entre outros pontos, a criação de um Estado palestino, a presença de colonos judeus na Cisjordânia e a divisão de Jerusalém.
Civis de ambos os lados encaram o cessar-fogo com ceticismo. "Eu não concordo com uma trégua. O que é trégua? O que significa?", disse Samira Abdallah Naseer, mãe de 11 filhos, à agência de notícias Reuters enquanto estava sentada perto dos destroços de um prédio em Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza.
"Voltamos para nossas casas e não encontramos nenhum lugar para sentar, sem água, sem eletricidade, sem colchões, nada."Num café na cidade israelense de Ashdod, o estudante Dan Kiri, 25, disse que Israel deveria continuar atacando o Hamas até que ele desmoronasse. "O fato de estarmos sentados aqui, tomando café pacificamente e comendo nosso croissant, é só uma questão de tempo até a próxima operação em Gaza."
Uma pesquisa divulgada pela imprensa israelense horas antes do cessar-fogo acertado nesta quinta indicou que a maior parte da população pensa da mesma forma. Segundo o levantamento, 72% dos israelenses diziam apoiar a continuidade do conflito, enquanto 24% queriam um cessar-fogo.
A sondagem ouviu 684 pessoas e tem margem de erro de 4,3%.As consequências do conflito também são econômicas. Autoridades palestinas estimam o custo da reconstrução de Gaza, onde quase 17 mil casas foram destruídas, em dezenas de milhões de dólares, enquanto economistas dizem que a ofensiva militar pode comprometer a recuperação econômica de Israel após a pandemia de coronavírus.
Nesse sentido, o presidente dos EUA, Joe Biden, que havia pressionado Netanyahu por uma diminuição do conflito enquanto diplomatas americanos se opunham a resoluções do Conselho de Segurança da ONU pedindo o fim da violência, disse que fornecerá ajuda humanitária a Gaza por meio da Autoridade Palestina -que é controlada pelo Fatah, rival do Hamas dentro da política regional- e agradeceu ao líder autoritário egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, por mediar as negociações de paz.
Em entrevista coletiva na Casa Branca, Biden disse nesta sexta que não haverá paz até que o Oriente Médio reconheça, de forma inequívoca, o direito de Israel a existir e que a criação de um Estado palestino é a única solução para resolver a crise de vez.
O presidente americano reafirmou que considera o Hamas como um grupo terrorista, mas disse também que os Estados Unidos se preocupam com a segurança dos palestinos, e que ele havia deixado isso claro nas conversas com Netanyahu.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, visitará o Oriente Médio nos próximos dias. Ele conversou, por telefone, com Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e disse que os EUA estão comprometidos a ajudar na reconstrução de Gaza.
A sequência de violência foi a mais grave desde 2014. O último grande confronto durou 51 dias e devastou Gaza, provocando as mortes de pelo menos 2.251 palestinos, a maioria civis, e de 74 israelenses, quase todos soldados. O conflito atual também serviu de combustível para acirrar as hostilidades internas em cidades israelenses que antes eram vistas como símbolos da convivência entre árabes e judeus.
Houve centenas de prisões, e autoridades locais decretaram estados de emergência e toques de recolher. Além disso, houve sinais de revolta contra Israel na população árabe nos vizinhos Líbano e Jordânia, o que aumentou os temores de que o conflito desestabilizasse todo o Oriente Médio -o que não aconteceu.