Estudo: Mensagens antivacina de Bolsonaro minaram esforços contra Covid

O trabalho sugere que a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac foi alvo de uma campanha de descrédito

© Getty Images

Brasil CORONAVÍRUS-ESTUDO 24/05/21 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mensagens do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores nas redes sociais insuflaram uma onda de ataques à Coronavac num período crítico para o desenvolvimento da vacina, segundo um estudo que examinou milhões de publicações feitas desde o início da pandemia do coronavírus.

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O trabalho sugere que a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac foi alvo de uma campanha de descrédito em outubro, quando um acordo do Ministério da Saúde para comprar milhões de doses da Coronavac foi cancelado após Bolsonaro atacar a iniciativa.

Para os autores do estudo, ligados à Rede de Pesquisa Solidária, a torrente de mensagens nas redes sociais e o cancelamento do acordo, que previa compra de 46 milhões de doses do imunizante, disseminaram dúvidas sobre a segurança e a eficácia da vacina e atrasaram seu desenvolvimento.

O Ministério da Saúde anunciou o acordo com o instituto de São Paulo em 20 de outubro do ano passado, três semanas após a divulgação de estudos que comprovaram a segurança da Coronavac. No dia seguinte, Bolsonaro afirmou que mandara cancelar a compra, e o ministério recuou do acordo.

Os estudos que demonstraram a eficácia do imunizante e permitiram que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizasse seu uso no país foram concluídos em dezembro. O ministério contratou a compra de 100 milhões de doses da Coronavac após o sinal verde da Anvisa, em janeiro.

A análise da Rede de Pesquisa Solidária mostra que o interesse pelo avanço no desenvolvimento da Coronavac provocou um aumento expressivo das discussões sobre ela no Twitter entre setembro e novembro e aponta as mensagens anti-vacina como principais responsáveis por esse crescimento.

Segundo os pesquisadores, na semana de outubro em que o acordo com o Butantan foi anunciado e cancelado um dia depois, defensores da Coronavac prevaleceram nas discussões na rede social, com 52% das postagens sobre o assunto. Críticos da vacina foram autores de 44% das publicações.

Manifestações de bolsonaristas tornaram-se dominantes depois, com 85% das postagens sobre o tema na primeira semana de novembro e 57% na seguinte. Os pesquisadores analisaram o conteúdo das mensagens num período de oito semanas entre o fim de setembro e o início de novembro.

Em julho, quando o Instituto Butantan assinou acordo com a Sinovac para desenvolvimento de estudos, a pressão dos críticos do imunizante chinês era menor. Na última semana de julho, as mensagens favoráveis à Coronavac representavam 58% do total e as dos bolsonaristas, 39%.

"Essa campanha contribuiu para alimentar a desconfiança da população num momento em que o governo deveria ter feito esforços na direção contrária, para comprar vacinas e dar segurança às pessoas", diz a cientista política Lorena Barberia, da Universidade de São Paulo, coordenadora do estudo.

Na semana passada, ao depor à Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as ações do governo na pandemia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que ocupava o cargo na época das negociações com o Butantan, afirmou que nunca recebeu ordem de Bolsonaro para cancelar o acordo.

O ex-ministro, que procurou isentar o presidente de responsabilidade por erros cometidos pelo governo no enfrentamento da Covid-19, disse em vários momentos do depoimento à CPI que as manifestações de Bolsonaro na internet não deveriam ser tratadas como se tivessem caráter oficial.

"Vou explicar para o senhor: uma postagem na internet não é uma ordem. Uma ordem é uma ordem direta verbal ou por escrito. Nunca foi dada. Nunca", afirmou Pazuello aos senadores da comissão na quarta-feira (19).

Segundo o estudo da Rede de Pesquisa Solidária, deputados ligados ao presidente e aliados com grande influência nas redes sociais, como o escritor Olavo de Carvalho, também contribuíram para difundir mensagens críticas à Coronavac, notícias falsas e informações distorcidas no ano passado.

"Bolsonaro e seus seguidores usaram toda sua força nas redes sociais para levantar suspeitas que tiveram muita reverberação", diz Pedro Bruzzi, sócio da consultoria de análise de mídias sociais Arquimedes e pesquisador da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, que também participou do estudo.

O trabalho mostra que, em novembro, a notícia da morte de um participante dos ensaios clínicos da vacina gerou nova onda de manifestações críticas nas redes sociais, da qual o próprio Bolsonaro participou. Soube-se depois que o paciente cometera suicídio e a Coronavac nada tinha a ver com sua morte.

Apesar das manifestações críticas, o interesse da população pelas vacinas se manteve elevado no ano passado e aumentou com o início da vacinação. Segundo sondagem concluída pelo Datafolha há duas semanas, 91% dos brasileiros adultos dizem que já se vacinaram ou pretendem se vacinar.

A Coronavac é o imunizante mais usado na vacinação contra a Covid-19 no Brasil até agora. De acordo com os registros do Ministério da Saúde, 56% das pessoas que já tomaram a primeira dose e 93% das que receberam a segunda aplicação foram imunizadas com a vacina de origem chinesa.

O Instituto Butantan tem encontrado dificuldades para entregar as doses contratadas pelo Ministério da Saúde, por causa de atrasos no recebimento de matéria-prima da China. O instituto entregou até a semana passada 47 milhões de 58 milhões de doses previstas pelo cronograma do ministério.

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