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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Delegados responsáveis por comandar operações policiais no Rio de Janeiro passaram recentemente a ser responsabilizados na Justiça por supostas falhas nessas ações.
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Procedimentos civis do Ministério Público se tornaram um instrumento de cobrança por critérios em incursões como a do Jacarezinho, a mais letal da história do estado. Eles são uma alternativa não excludente aos inquéritos criminais, que exigem provas mais robustas para responsabilização perante os tribunais, segundo especialistas.
A apuração civil também permite uma investigação voltada sobre à atuação dos comandantes das ações policiais, responsáveis por organizá-las, e não apenas dos agentes da ponta envolvidos nos tiroteios.
A primeira ação do tipo foi proposta pelo MP-RJ em janeiro deste ano. Dois delegados e um policial civil foram acusados de improbidade administrativa por uma operação em 2019 no Complexo da Maré. A ação pede a aplicação de multa e perda de função pública dos acusados.
Já um inquérito civil ainda em curso na Promotoria apura irregularidades em ações no Jacarezinho em 2018, tendo como alvo outro delegado.
Ambos os procedimentos analisam se os regulamentos da própria polícia foram respeitados no planejamento das operações.
Eles foram abertos pelo Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública), extinto pela atual gestão do MP-RJ. O órgão informou que uma promotoria abriu procedimento civil semelhante para analisar a regularidade da operação no Jacarezinho deste ano.
Logo após a ação policial deste mês na favela, em que 28 pessoas foram mortas, a cúpula da Polícia Civil criticou o "ativismo judicial" que, na avaliação dos delegados, limita sua atuação.
A declaração foi vista como uma crítica ao STF (Supremo Tribunal Federal), que impôs exigências para a realização de operações policiais. Segundo a Folha apurou, contudo, os inquéritos civis contra delegados também preocupam a cúpula da polícia fluminense.
Para Fernando Veloso, ex-chefe da Polícia Civil, as ações por improbidade "tem um potencial para fazer a máquina do estado parar".
"Esse receio vai afetar o policial que age de acordo com sua conveniência pessoal, sem respeitar as regras, o que é positivo. Mas vai afetar também quem trabalha direito. Ele vive sob uma insegurança jurídica total. Vivemos num momento em que a guerra de argumentos está se sobrepondo à regra do jogo", disse Veloso.
O advogado Daniel Sarmento, representante do PSB na ação no STF, afirma que nas ações civis públicas "a prova de dolo não é tão exigente quanto na esfera penal".
"O descumprimento sistemático dos requisitos para realizar uma operação policial pode configurar improbidade administrativa. Há fatos que constituem improbidade e não constituem crime. Mas não são categorias excludente", disse.
O presidente da Abracrim-RJ (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas), Thiago Minagé, considera que a ação cível deve ser usada como complemento à denúncia criminal.
"Quando você fala de ação policial, está falando de crime, sobre um policial que subiu no helicóptero e deu rajadas de tiro para baixo. Você não está falando de ato administrativo falho. Essa falta de responsabilização é o principal motivo pelo qual abusos continuam acontecendo", opina Minagé.
Durante a incursão na Maré, em 2019, a Polícia Civil usou um helicóptero da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) como plataforma de tiros próximo a sete escolas municipais da favela. Segundo a apuração, 480 tiros foram disparados num intervalo de uma hora.
A ação terminou com um preso, apreensão de armas e drogas e sem o registro de feridos. Mas, para o MP-RJ, a forma de atuação foi irregular.
"O impacto real da operação vai muito além de uma contagem cartesiana do número de pessoas feridas ou mortas. Os depoimentos prestados pelas diretoras, professores e funcionários é uníssono quanto ao sofrimento físico e psíquico imposto a toda a comunidade escolar, sobretudo, às crianças", afirma a Promotoria.
Para o MP-RJ, "as autoridades com poder de decisão sobre a realização de operações em territórios notoriamente conflagrados têm a responsabilidade legal e constitucional de avaliar os limites, os riscos e o impacto social dessas operações e sopesar se os meios são proporcionais ao fim almejado".
Além dos traumas a professores e alunos, o MP-RJ considerou que a Polícia Civil elaborou um planejamento informal para executar a operação, contrariando regras internas para esse tipo de ação.
A ação diz que as autoridades não apresentaram aos promotores mapas do local de ação, trajetos a serem percorridos até o alvo, entre outros documentos. Um policial, em depoimento à Promotoria, afirmou que não sabia sequer onde ficavam as escolas.
Os alvos do processo são os delegados Fábio Barucke (ex-subsecretário de Integração Operacional), Sérgio Sahione (ex-coordenador da Core) e o policial civil Ricardo Herter, piloto do helicóptero de onde partiram os tiros.
Já o delegado Marcus Maia é alvo de um inquérito civil que apura duas incursões no Jacarezinho em janeiro de 2018 logo após o delegado Fábio Monteiro ser morto na região.
Ex-assessor da subchefia Operacional da Polícia Civil, Maia foi apontado como o responsável por autorizar as ações, já que o titular do órgão estava em férias.
No dia 12 daquele mês, horas após o corpo de Monteiro ter sido localizado, cem policiais foram ao local, onde houve intensa troca de tiros e um morador foi encontrado morto em condições ainda não esclarecidas.
Dois dias depois, uma nova operação foi realizada na comunidade, na qual a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) foi atingida por tiros possivelmente vindo do helicóptero da Core, de onde partiram 60 disparos.
Inicialmente, Maia afirmou ao MP-RJ que a operação do dia 12 foi feita para "apoiar a ação investigatória da Divisão de Homicídios". O então responsável pela DH, delegado Giniton Lages, porém, disse que não participou da operação.
Após a extinção do Gaesp, essa apuração ficou a cargo da 4ª Promotoria de Tutela Coletiva e Defesa da Cidadania da capital.A Folha procurou todos os policiais citados diretamente ou por meio da assessoria de imprensa da Polícia Civil.
Barucke não respondeu às mensagens, mas à Promotoria disse que a operação na Maré em 2019 terminou sem inocentes feridos e que os policiais apenas atiraram para se defender.
Sahione não quis se manifestar. Em depoimento ao MP-RJ, declarou que a Core tem "preocupação extrema em não expor crianças aos riscos de uma operação policial". Disse também que é necessário um "comando imperativo" para que o risco das ações seja considerado mais relevante do que o cumprimento de ordens judiciais.
A reportagem não conseguiu localizar Herter nem Maia. Ao MP-RJ, o primeiro negou ter sobrevoado escolas na Maré e disse que interrompeu a operação quando se aproximou delas. Já o segundo afirmou que autorizou a operação no Jacarezinho para realizar perícia e auxiliar nas investigações do homicídio do policial.
A Polícia Civil não se manifestou.