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Na contramão do general da ativa Eduardo Pazuello, que se livrou de punição do Exército após participar de ato político com Jair Bolsonaro, um terceiro-sargento da Escola Naval da Marinha já foi alvo de três sindicâncias após se manifestar contra o presidente da República.
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A defesa de Michel Santos, 30, que foi candidato a vereador pelo PSB nas últimas eleições, atribui as investigações a uma perseguição contra o militar, por ser homossexual e de esquerda. Os procedimentos foram noticiados pela coluna PerifaConnection e pelo UOL no ano passado.
Após publicar nas redes sociais conteúdos críticos a Bolsonaro, Santos respondeu à primeira sindicância na Marinha em agosto de 2020, denunciado por suposta ofensa ao presidente e seus familiares. Ao ser ouvido em setembro, o militar permaneceu em silêncio.Em audiência disciplinar em janeiro de 2021, sua defesa alegou que as provas apresentadas, prints de um celular, eram duvidosas. Afirmou que Santos não se recordava se havia sido ele ou sua assessoria de campanha o autor das publicações.
Em uma delas, em agosto, o militar pergunta: "Presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?".
Segundo o regulamento da Marinha, são contravenções disciplinares "atingir física ou moralmente qualquer pessoa, procurar desacreditá-la ou concorrer para isso", "desrespeitar ou desconsiderar autoridade civil" e "manifestar-se publicamente a respeito de assuntos políticos ou tomar parte fardado em manifestações de caráter político-partidário".
A advogada de Santos, Bianca Figueira, mostrou na audiência que o próprio oficial que denunciou Santos havia publicado diversos conteúdos favoráveis a Bolsonaro, incluindo uma foto com o presidente, nas redes sociais.
A Marinha, então, decidiu abrir nova sindicância, na qual Santos não foi ouvido. Nesse novo procedimento, foi considerado que o militar transgrediu o regulamento disciplinar da instituição porque teria faltado com a verdade em sua primeira audiência ao colocar em dúvida os elementos trazidos na denúncia. Assim, ficou determinado que ele deveria cumprir dois dias de prisão.
"É nítido e notório que ele [Santos] está sendo perseguido porque é um militar de esquerda e homossexual", afirma Figueira à reportagem.Procurada para comentar as declarações da advogada, a Marinha não respondeu até a publicação desta reportagem.
Enquanto Santos cumpria o primeiro dia de prisão, em março deste ano, sua advogada entrava com um pedido de habeas corpus na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Na peça, Figueira narrou que o terceiro-sargento começou a perceber um comportamento "incisivo e persecutório, imotivado e descabido" por parte de seus superiores e mesmo daqueles que não estavam na sua linha hierárquica, por ter se filiado a um partido de esquerda.
"Sua vida na caserna começava a piorar de forma assustadora e, embora tentasse realizar suas atividades profissionais de forma límpida e proficiente, não conseguia agradar alguns de seus superiores hierárquicos que buscavam encontrar alguma falha, qualquer que seja, para que pudesse lhe chamar à atenção, direcioná-lo a alguma atividade extra ou mesmo puni-lo", dizia o pedido.
A liminar foi concedida pela 7ª Vara Federal Criminal, com manifestação favorável do Ministério Público Federal, e o militar foi solto no mesmo dia. Em maio, a juíza Caroline Figueiredo confirmou sua decisão anterior.
A magistrada entendeu que houve infringência da norma constitucional e violação da ampla defesa ao condenar Santos sem que ele tivesse sido ouvido na sindicância.
"Em situações como a dos autos nas quais a autoridade competente constata a eventual prática de ato que possibilite privação de um direito tão precioso quanto a liberdade, deve garantir o pleno e efetivo exercício do direito de defesa ao imputado", escreveu a juíza.
Quando o problema parecia ter sido resolvido, porém, Santos foi alvo de nova denúncia no Ministério Público Militar, que pediu esclarecimentos para a Escola Naval.
Nova sindicância foi aberta há cerca de duas semanas para apurar se o terceiro-sargento recebeu remunerações para além da Marinha. O militar ativo não pode exercer qualquer outra atividade formal.Figueira afirma que no ano passado Santos participou como roteirista de uma transmissão ao vivo nas redes sociais e que recebeu uma remuneração pontual por esse trabalho.
A defesa irá sustentar que o evento foi isolado e que não pode ser considerado como uma atividade remunerada. A advogada diz que a denúncia foi anônima. "Querem pegar o Michel", afirma.