© Edilson Rodrigues/Agência Senado
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O inquérito sigiloso da Polícia Federal que investiga supostos crimes do general Eduardo Pazuello reuniu evidências de que o ex-ministro da Saúde e o comando do Exército na Amazônia foram formalmente avisados sobre a "iminência de esgotamento" de oxigênio em Manaus em janeiro, cinco dias antes do colapso, com pedidos de socorro não atendidos a contento.
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A existência de novos ofícios, com alertas e pedidos de ajuda detalhados, foi descoberta no curso das investigações da PF, em inquérito aberto por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os ofícios foram enviados a Pazuello e ao comandante militar da Amazônia, general Theophilo Oliveira, que fica em Manaus. Eles são assinados pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), aliado do presidente Jair Bolsonaro.
Após a demissão de Pazuello do cargo de ministro da Saúde em março, com a consequente perda de foro privilegiado, a investigação saiu da alçada do STF e foi encaminhada à Justiça Federal em Brasília. Uma cópia do inquérito foi enviada à CPI da Covid no Senado.
O general da ativa voltou a ocupar um cargo no governo, dentro do Palácio do Planalto, mas sem foro privilegiado. Desde o último dia 1º, ele comanda a Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República.
Um ofício reproduzido no inquérito, assinado por Lima, foi enviado a Pazuello em 9 de janeiro. O documento aponta a necessidade de oxigênio diante da alta de casos de Covid e do aumento das internações, com "súbito aumento no consumo" do insumo.
O documento alerta para a "iminência de esgotamento" e para a "necessidade de resguardar a vida dos pacientes".
O ofício diz, então, que a White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio em Manaus, teria disponíveis 500 cilindros em Guarulhos (SP) –vindos de Campinas (200), Belo Horizonte (150) e Brasília (150)–, prontos para transporte aéreo urgente às 16h do dia seguinte, 10 de janeiro.
Ainda no dia 9, o governador mandou ofício ao comandante militar da Amazônia. Usou as mesmas expressões do outro documento: houve "súbito aumento" no consumo e havia "iminência de esgotamento".
Lima pediu ajuda para o transporte de 36 tanques de oxigênio, em "caráter de urgência", que também estariam disponíveis em Guarulhos às 16h de 10 de janeiro.
À reportagem a White Martins detalhou o que efetivamente foi transportado pela Aeronáutica, por intermédio do Ministério da Saúde e do Exército, nos dias que antecederam o colapso de oxigênio em Manaus. O insumo se esgotou nas primeiras horas do dia 14. Pacientes com Covid-19 morreram asfixiados nos hospitais.
O ministério ajudou a transportar 200 cilindros de oxigênio a partir de Vinhedo (SP), em 12 de janeiro, e 150 cilindros oriundos de Belo Horizonte, a partir de Guarulhos, em 13 de janeiro, segundo nota da White Martins.
Já no dia 9 estavam disponíveis 23 tanques criogênicos móveis de oxigênio líquido no aeroporto de Guarulhos para serem transportados a Manaus pela Força Aérea Brasileira.
Os primeiros seis tanques foram embarcados somente no dia 12. Chegaram a Manaus no dia 13, contendo 2.700 metros cúbicos de oxigênio líquido.
Não há registro nem em documentos do Ministério da Saúde enviados ao STF nem em material divulgado pelas Forças Armadas antes do colapso sobre o transporte dos outros 150 cilindros de oxigênio a partir de Guarulhos ou sobre os demais tanques disponíveis no mesmo aeroporto.
O que houve foi o transporte de cilindros de Belém a Manaus, em aviões da FAB: 150 no dia 9 e 200 no dia 10, conforme a nota da White Martins.
O insumo havia sido objeto de outros ofícios enviados ao Comando Militar da Amazônia, nos dias 7 e 8, assinados pelo secretário estadual de Saúde, Marcellus Campêlo.
Somente após o colapso no dia 14 houve intensificação do transporte de oxigênio.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que o transporte de cilindros foi feito de forma escalonada, entre 8 e 30 de janeiro, ultrapassando um total de 5.000. Os cilindros eram provenientes de Belém e Guarulhos.
No caso dos tanques de oxigênio, o transporte foi feito nos dias 12, 14 e 15, afirma a pasta. "Por se tratar de um deslocamento arriscado e proibido de ser feito por aviação civil, o envio do oxigênio líquido foi feito em contêineres, em aeronaves militares."
Antes do colapso, o transporte foi de 5.100 m³. Com entregas diárias posteriores, superou 1 milhão m³, diz a pasta.
Exército, Aeronáutica e Ministério da Defesa não responderam aos questionamentos da reportagem. A defesa de Pazuello disse que ele não está se manifestando sobre o assunto.
Os relatórios registram com precisão a escalada da demanda de oxigênio. No dia 11, o consumo já chegava a 50 mil m³. No dia 13, 70 mil m³, e se aproximou dos 100 mil m³ no auge da crise. A quantidade transportada pela FAB, porém, foi bem inferior.
Wilson Lima também enviou ofícios com data de 10 de janeiro pedindo ajuda aos governadores de Acre, Roraima, Maranhão, Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal.
No dia 12, um novo ofício foi remetido a Pazuello. O ministro foi avisado de que o consumo havia mais do que triplicado. O estado pediu que fossem enviadas microusinas e geradores de oxigênio. Não há registro desse tipo de transporte antes do colapso no dia 14.
Em depoimento na CPI da Covid, em 19 de maio, Pazuello afirmou que só tomou conhecimento do risco da falta de oxigênio na noite do dia 10 de janeiro, em reunião com Lima e Campêlo.
O então ministro, porém, recebeu uma ligação do secretário ainda no dia 7. Confrontado com essa informação por senadores, o general admitiu a conversa, mas afirmou que não foi avisado sobre iminência de colapso.
Pazuello já se esquivou outras vezes em relação às informações de que foi alertado com antecedência sobre o que ocorria em Manaus. O ministro chegou a mudar uma versão apresentada ao próprio STF sobre o recebimento de email da White Martins.