Mesmo com fim de tática anti-imigração de Trump, condução de Biden frustra aliados e rivais

Na segunda-feira (7), em visita à Guatemala, a vice-presidente Kamala Harris -que tem cuidado de temas de migração- enviou uma mensagem a quem estivesse planejando entrar ilegalmente no país: "Não venham", disse

© JIM WATSON/AFP via Getty Images

Mundo Imigração 12/06/21 POR Folhapress

Júnior pegou o filho em um braço, deu a outra mão à mulher e atravessou um canal de água em Ciudad Juárez, um dos pontos mais perigosos da fronteira entre o México e os Estados Unidos. Ele cruzou às escondidas, sonhando em chegar até a Filadélfia e recomeçar a vida.

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O agricultor brasileiro de 43 anos -que pede anonimato por segurança- pensou que tinha conseguido entrar. Entregou-se às autoridades e pediu asilo. Era 30 de janeiro de 2020, porém. Ele não sabia, mas um dia antes os EUA haviam incluído o Brasil no programa Permaneça no México. Por isso, Júnior foi enviado de volta a Juárez para esperar a resolução do caso do outro lado da fronteira.

O programa Permaneça no México afetou 65 mil pessoas como Júnior. Criado para dificultar a entrada de centro-americanos e chamado oficialmente de MPP (protocolos de proteção a migrantes, na sigla em inglês), foi uma das bandeiras da gestão de Donald Trump.

Joe Biden fez campanha prometendo encerrar a expulsão de migrantes para o México, duramente criticada por ativistas de direitos humanos. Em fevereiro, logo após sua posse, seu governo paralisou o MPP. Na semana passada, anunciou o fim do programa. Volta a valer, em tese, a regra de que uma pessoa pode esperar pelo processo de asilo dentro dos EUA, sem ser deportada fronteira abaixo.

Apesar do simbolismo do anúncio do fim do MPP, a maneira com que Biden lidou com o programa e com o restante da crise migratória na fronteira mexicana -um dos maiores desafios de sua gestão- tem desapontado tanto os seus rivais republicanos quanto os aliados democratas.

Republicanos afirmam que, ao encerrar o MPP, Biden sinalizou que seria leniente com migrantes irregulares. Isso explicaria, para os opositores, por que tanta gente tem tentado cruzar. Em maio, 180 mil pessoas foram detidas na fronteira, o maior número nos últimos 20 anos. Entre esse total, havia 7.372 brasileiros -no mesmo mês de 2020, tinham sido apenas 39, segundo dados das autoridades de fronteira americanas.

Já alguns democratas dizem que Biden não está fazendo o bastante para resolver a crise humanitária na fronteira com o México, falhando assim com uma de suas plataformas eleitorais. Criticam, por exemplo, a demora em encerrar o MPP de uma vez por todas. O processo levou meses e aparentemente ainda não terminou.

Segundo um relatório da Universidade Syracuse, 8.373 pessoas que tinham sido barradas pelo MPP puderam entrar nos EUA de fevereiro até o fim de abril. No entanto, mais de 18 mil ainda estavam no México. Não há dados mais recentes que indiquem quantos cruzaram desde então, mas é possível que faltem milhares.

Nesse período de fevereiro até o fim de abril, os brasileiros tiveram uma das taxas de entrada mais baixas. Ainda segundo a universidade, apenas 74 deles -13% de um total de 584 no MPP- entraram nos EUA. Entre venezuelanos, em comparação, foram 854 -51% de um total de 1.663. A entrada foi processada em lotes, de acordo com o ponto da fronteira e o momento da chegada, o que pode explicar a discrepância.A permanência no México não é apenas uma questão de um pouco mais de paciência. "As pessoas não têm onde ficar. Às vezes, dormem nas ruas, em campos de refugiados", diz Paulina Vera, professora de direito migratório na Universidade George Washington. Viver na fronteira, à espera de uma decisão americana, agrava o trauma de quem já tinha deixado o seu país em fuga.

Sem dinheiro, em um país estrangeiro, migrantes ficaram vulneráveis à violência. Segundo a ONG Human Rights First, que tem sede nos EUA, houve ao menos 1.544 casos de assassinato, tortura ou sequestro de pessoas que estavam no México em situação de MPP.

Júnior havia saído do Brasil em busca de prosperidade, diz, algo que não encontrava criando gado em Rondônia. Os últimos meses tinham sido de vacas magras, entre crises econômicas e de saúde. Ele também afirma ter sido alvo de perseguições políticas, recebendo ameaças de morte.

"Na fronteira, a gente não tem muita informação, não sabe o que está acontecendo", diz. Júnior tinha chegado pensando que ia passar uma semana no México e acabou ficando 14 meses. Ele viveu em um abrigo gerenciado pelo pastor mexicano Juan Fierro na cidade fronteiriça de Juárez.

Fierro diz que amparou 75 brasileiros expulsos para o México pelo MPP. Todos eles, afirma, já conseguiram entrar nos EUA. É o caso de Júnior, que cruzou em abril. Ele vive por fim na Filadélfia com que sonhava. Espera a Justiça decidir se vai conceder-lhe asilo.

"O MPP levou muitas pessoas ao desespero, porque elas não sabiam o que ia acontecer com elas", diz o pastor. Muitas desistiram e voltaram para os seus países. Outras decidiram esperar e ver se Biden -com uma mensagem eleitoral mais favorável a migrantes- venceria a disputa, o que aconteceu.

O governo de Biden, no entanto, não removeu todas as medidas anti-migração do governo de Trump. Segue em vigor o chamado Título 42, que permite que os EUA expulsem migrantes para o México alegando razões de saúde pública durante a pandemia da Covid-19. São essas as pessoas que ainda vivem no abrigo do pastor Fierro, em Juárez, à espera de uma oportunidade.

A sinalização, por ora, não parece auspiciosa. Na segunda-feira (7), em visita à Guatemala, a vice-presidente Kamala Harris -que tem cuidado de temas de migração- enviou uma mensagem a quem estivesse planejando entrar ilegalmente no país: "Não venham", disse. "Os EUA continuarão a implementar nossas leis e proteger as fronteiras. Se vier, será enviado de volta."

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