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BAURU, SP (FOLHAPRESS) - O Apple Daily, jornal pró-democracia de Hong Kong, anunciou que publicará sua última edição impressa nesta quinta-feira (24) e que deixará de atualizar seu site até, no máximo, sábado (26). Segundo a Next Digital, empresa proprietária do jornal, a decisão de fechar foi tomada em nome da segurança dos funcionários "devido às atuais circunstâncias que prevalecem em Hong Kong".
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Na semana passada, mais de 500 agentes invadiram a Redação durante uma operação sob pretexto de investigar supostas violações da controversa lei de segurança nacional vigente na ex-colônia britânica. Executivos do jornal foram presos sob acusação de conspiração, e os ativos do jornal foram congelados –um movimento considerado uma tentativa de "estrangulamento" financeiro.
"Obrigado a todos os leitores, assinantes, anunciantes e habitantes de Hong Kong por 26 anos de imenso amor e apoio. Aqui dizemos adeus, cuidem-se", disse o Apple Daily em um artigo publicado em seu site nesta quarta-feira (23).
Em duas ocasiões em que foi alvo de operações policiais, o jornal aumentou sua tiragem de 80 mil para 500 mil exemplares, e as pessoas fizeram filas nas bancas para comprar as edições em protesto contra a repressão. Desta vez, segundo a imprensa local, o Apple Daily planeja imprimir um milhão de cópias de sua última edição física.
Em outra publicação nesta quarta, o jornal listou algumas de suas grandes coberturas jornalísticas ao longo das quase três décadas de trabalho, como a devolução de Hong Kong à China em 1997, a epidemia de Sars em 2003 e os protestos nas ruas da cidade que chamaram a atenção do mundo todo em 2019.
"Apesar do final insatisfatório, a despeito de toda a perseverança, a determinação de permanecer ao lado do povo de Hong Kong nunca mudou em 26 anos. Obrigado a todos os leitores que defendem o Apple e a todos os amigos que esperaram a entrega do jornal tarde da noite nas bancas. Este capítulo final foi escrito pelos leitores e por nós e, ainda que o lamentemos, nós estamos gratos", diz o texto.
O artigo ainda questiona que tipo de cidade Hong Kong será se não pode tolerar o Apple Daily, ecoando as reações de lideranças e entidades internacionais que veem no fechamento do jornal e na série de acontecimentos que levaram ao fim de suas atividades os mais recentes episódios de ataque à liberdade de imprensa na China.
O fechamento do jornal representa o desaparecimento de uma das poucas publicações locais que ousam criticar as autoridades chinesas, embora às vezes seu conteúdo, que mistura o discurso pró-democracia e as investigações jornalísticas sobre as figuras de poder na cidade à cobertura da vida de celebridades, tenha sido visto como espalhafatoso por alguns de seus críticos.
Para Yamini Mishra, diretora regional para Ásia e Pacífico da Anistia Internacional, o fechamento forçado do Apple Daily é o dia mais tenebroso para a liberdade da mídia na história recente de Hong Kong. Em sua avaliação, as prisões, apreensões e congelamentos de bens "vão causar um arrepio na espinha" de todos os meios de comunicação na cidade.
O chefe da Associação de Jornalistas de Hong Kong, Ronson Chan, disse que já se sente com medo de ser preso por conta do que escreve, e que, a partir do fechamento do Apple Daily, teme que toda a sociedade se sinta da mesma forma. "Instamos o governo a cumprir a promessa de salvaguardar a liberdade de imprensa e de permitir que as pessoas que trabalham na indústria de notícias sirvam a Hong Kong sem medo."
Dominic Raab, secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, afirmou que o acontecimento é um "golpe terrível para a liberdade de expressão" na ex-colônia britânica. Para ele, o fechamento deixa claro que a lei de segurança nacional está sendo usada para "restringir liberdades e punir dissidentes, em vez de manter a ordem pública".
O fim das atividades do Apple Daily também representam uma grande vitória para as autoridades de Hong Kong aliadas ao regime central, que não escondiam o desejo de silenciar o veículo. Na terça-feira (22), a chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, reagiu às críticas internacionais contra a repressão ao Apple Daily, classificando-as de equivocadas.
"Não tentem embelezar esses atos que ameaçam a segurança nacional. E não tentem acusar as autoridades de Hong Kong de usar a lei de segurança nacional como uma ferramenta para suprimir a mídia ou para sufocar a liberdade de expressão", disse a líder.
Dois jornais concorrentes do Apple Daily e de conteúdo alinhado à China, o Wen Wei Po e o Ta Kung Pao, publicaram páginas especiais nesta quarta-feira, retratando o magnata da mídia Jimmy Lai, 73, dono do Apple Daily e ferrenho crítico de Pequim, como um "animal parecido com um cachorro", um "traidor" e um engraxate que obedece às ordens dos Estados Unidos. Apoiadores do regime central celebraram o anúncio do fechamento portando cartazes em que se lia "fake news" e tomando champanhe em frente à sede do Apple Daily.
A operação policial e o iminente fechamento do jornal foram os mais recentes reveses para Lai, que também teve seus bens congelados com base na lei de segurança nacional e, atualmente, cumpre pena de prisão por participar de manifestações contra o regime chinês consideradas ilegais em Hong Kong. Lai está detido desde dezembro, teve seu pedido de fiança negado e já cumpriu várias sentenças por participar de protestos não autorizados.
Na semana passada, durante a invasão da Redação do Apple Daily, cinco executivos do jornal foram presos, e dezenas de computadores e telefones usados pelos repórteres foram apreendidos. A polícia também determinou o congelamento de 18 milhões de dólares honcongueses (R$ 11,7 milhões). Segundo o secretário de segurança de Hong Kong, a Redação do jornal era uma "cena de crime" e suas reportagens eram "ferramentas para colocar em perigo" a segurança nacional.
No ano passado, 200 homens entraram no prédio para prender Lai sob suspeita de conluio com forças estrangeiras –a mesma acusação que agora recai sobre os diretores do Apple Daily e que, segundo a legislação, é punível com penas que podem chegar a prisão perpétua, assim como atos que sejam considerados atividades subversivas, secessão e terrorismo.CRONOLOGIA DO APPLE DAILY E DE SEU FUNDADOR, O MAGNATA JIMMY LAI
20.jun.95: Apple Daily publica sua primeira edição. "Enquanto os leitores nos escolherem, apoiarem nosso jornalismo e concordarem com nossa posição, não importa o quão forte a pressão se torne, seremos capazes de nos manter firmes", diz o editorial daquele dia.
1º.jul.97: sobre a transferência da soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, o Apple Daily diz que continua confiante no futuro da cidade.
8.jul.19: Jimmy Lai, fundador do Apple Daily, se encontra com o então vice-presidente dos EUA Mike Pence e com o secretário de Estado Mike Pompeo em Washington para discutir a erosão da autonomia de Hong Kong. O Global Times, jornal controlado pelo Partido Comunista Chinês, chama Lai de "traidor" por "conluio descarado" com o Ocidente.
30.jun.20: a China promulga a lei de segurança nacional em Hong Kong, que pune qualquer ato que Pequim considere conluio com forças estrangeiras, subversão, secessão e terrorismo.
10.ago.20: a polícia invade a sede do Apple Daily para prender Lai por violação da lei de segurança nacional. Ele é libertado sob fiança.
3.dez.20: Lai é novamente detido sob acusação de fraude no pagamento de aluguéis do prédio que abriga o Apple Daily.
11.dez.20: Lai é acusado de conluio com estrangeiros e de colocar em risco a segurança nacional ao defender sanções contra Hong Kong.
23.dez.20: o empresário é novamente libertado sob fiança para, oito dias depois, em 31 de dezembro, voltar à prisão devido à anulação da decisão judicial que lhe concedeu a fiança.
8.fev.21: o pedido de fiança chega à mais alta instância da Justiça de Hong Kong e é rejeitado por unanimidade por cinco juízes.
16.abr.21: quatro dias depois de Lai escrever, da prisão, que defender a liberdade de expressão é um trabalho perigoso, o chefe da polícia de Hong Kong diz que um jornal não especificado poderia ser investigado por violar a lei de segurança nacional. No mesmo dia, Lai é condenado a 14 meses de prisão por participar de protestos em 2019.
11.mai.21: executivos do Apple Daily tentam tranquilizar a equipe sobre os rumores de que o jornal seria fechado antes de 1º de julho, data do centenário do Partido Comunista Chinês .
14.mai.21: autoridades congelam os bens de Lai.
29.mai.21: Lai recebe outra sentença de 14 meses de prisão por participar de outra manifestação considerada ilegal.
17.jun.21: mais de 500 policiais invadem a Redação do Apple Daily, prendem cinco executivos do jornal e congelam milhões em ativos, comprometendo a manutenção financeira da empresa.
20.jun.21: o Apple Daily completa 26 anos e diz que tem dinheiro suficiente para funcionar por algumas semanas.
23.jun.21: após pedidos de demissão da maior parte dos funcionários, o Apple Daily anuncia seu fechamento. A última edição impressa deve ser publicada na quinta-feira (24) e o site deixará de ser atualizado até, no máximo, sábado (26).