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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Vladimir Putin, ameaçou forças da Otan um dia após um destróier britânico ser alvo de tiros de advertência russos perto da costa da Crimeia, no mar Negro.
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"Se eles forem muito longe, você não pode descartar nenhuma opção para proteger as fronteiras russas", afirmou Putin sobre a aliança militar ocidental, segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Antes, à agência Tass, o chanceler adjunto Serguei Riabkov havia sido ainda mais assertivo. "O que podemos fazer? Nós podemos apelar ao bom senso. Se isso não funciona, nós podemos não só bombardear o caminho [do navio], mas também o alvo."
Depois do adido militar britânico em Moscou, o embaixador de Londres na Rússia deverá ser chamado para ouvir uma reprimenda.
Na manhã da quarta (23), houve um dos mais graves incidentes entre forças russas e ocidentais desde a Guerra Fria. O destróier HMS Defender entrou 3 km dentro de águas costeiras da Crimeia, que Londres considera ucranianas.
A Rússia anexou a península em 2014 e, sem reconhecimento da Organização das Nações Unidas, pensa diferente: para Moscou, toda a região é território seu. Como a incorporação da Crimeia, de resto uma região histórica russa, é um fato consumado, a invasão foi vista pelo Kremlin como uma provocação.
Com efeito, um barco da Guarda Costeira russa deu tiros de advertência contra o navio, além de avisar pelo rádio que faria isso se ele não mudasse o curso.
De forma ainda mais agressiva, caças-bombardeiros Sukhoi Su-24 cercaram o Defender e, segundo a Rússia, quatro bombas foram jogadas à frente de sua rota –daí a referência de Riabkov.
O Ministério da Defesa britânico negou ter sido alvo dos tiros e bombas, mas um dramático vídeo produzido a bordo do Defender por uma equipe da BBC desmontou pelo menos parte de sua versão. Nele, são mostrados os alertas em inglês pelo rádio do destróier: "Se vocês não mudarem o curso, eu vou atirar".
Logo depois, é possível ouvir os tiros, que o repórter disse terem sido "bem fora de alcance". Claro, eram tiros de advertência. Na sequência, ele conta até 20 aviões passando junto do navio, e dois Su-24 são vistos em rasantes claros. Não é possível saber se jogaram bombas à frente ou não.
Já o Ministério da Defesa russo divulgou um vídeo feito de dentro de um dos aviões, mas sem muitos detalhes.
Nesta quinta (24), Londres voltou a falar sobre o episódio e defendeu que a rota do Defender, de Odessa (Ucrânia) para a Geórgia, era regular e passava só por águas internacionais.
O incidente colocou as já tensas relações entre Rússia e Otan num novo patamar de agressividade. Na semana passada, a aliança reafirmou em reunião de cúpula que considera Moscou sua principal ameaça, incluindo a pareceria entre Putin e a China de Xi Jinping como um risco a ser acompanhado.
O mar Negro, ao lado do Báltico, é um dos principais palcos arestosos dessa relação. Desde que a Crimeia foi anexada e a guerra de separatistas pró-Rússia aberta no leste da Ucrânia, após a derrubada de um aliado de Putin em Kiev, a atividade militar na região explodiu.
A Rússia militarizou a península, que já abrigava por leasing em Sebastopol a Frota do Mar Negro de Moscou. Sistemas antiaéreos avançados foram instalados, assim como baterias de mísseis balísticos Iskander-M, que podem atingir boa parte do território ucraniano.
Já a Otan passou a fazer exercícios conjuntos com a Ucrânia, além de reforçar seus laços com a Geórgia, outro país no qual a Rússia interveio em favor de populações russas étnicas com uma guerra em 2008.
Em ambos os casos, o georgiano e o ucraniano, o objetivo final era impedir a absorção dos países pela Otan e outras estruturas ocidentais, como a União Europeia.
Geopoliticamente, é inaceitável para o Kremlin essa aproximação, que ocorreu quando as ex-repúblicas soviéticas do Báltico aderirarm à aliança militar, em 2004.
Isso foi reforçado em abril, quando Putin concentrou tropas na fronteira ucraniana e fechou áreas do mar Negro. Ele queria pressionar Kiev a não agir contra os separatistas, como movimentações militares indicavam, e de quebra viu sua agenda de implementação de acordos de paz retornar às mesa na Europa.
O incidente no mar Negro sugere também que a cúpula entre Putin e o novo presidente americano, Joe Biden, realizada na semana passada em Genebra, pode ter sido ainda menos produtiva do que o esperado –que já não era grande coisa.
Nesse sentido, a presença britânica é sintomática. Se o incidente tivesse ocorrido com um navio americano, as tensões seriam ainda maiores, e de quebra Londres eleva seu cacife junto aos sócios majoritários da Otan.
O Defender faz parte do Grupo de Ataque do novo porta-aviões da Marinha Real, o HMS Queen Elizabeth, que está em sua viagem operacional inaugural.
Ressaltando a cooperação com Washington, parte dos caças F-35B que ele carrega é americana, e as aeronaves estão participando de ataques na Síria a partir do Mediterrâneo. O Defender deixou o grupo e foi fazer sua provocação aos russos há dez dias, e depois deve se reintegrar à força principal.
Com isso, o Queen Elizabeth, visto como muito caro para ser operado por analistas, vai dando seu recado. Mais à frente, ele irá navegar para o Indo-Pacífico, o que irá provocar outro adversário ocidental, a China.
No caso específico da Rússia, há o agravante de que Londres e Moscou têm relações estremecidas desde que um ex-espião russo e sua filha foram envenenados em solo inglês. O governo local acusou Putin pela ação, o que o Kremlin nega.
Ainda assim, o comércio entre os países está num dos melhores momentos da história recente, segundo o próprio presidente russo afirmou durante o Fórum Econômico de São Petersburgo, há algumas semanas.