Um terço das mortes no primeiro semestre no país são por covid-19

Até o momento, os dados oficiais do Ministério da Saúde somam 518.066 mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil desde o início da pandemia

© Reuters

Brasil Covid-19 01/07/21 POR Agência Brasil

Dos 927.568 registros de óbito no primeiro semestre no país, 314.036 foram por covid-19. Os números estão no Portal da Transparência do Registro Civil e foram atualizados até a madrugada de hoje (1º).

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Os dados do portal são atualizados duas vezes por dia e seguem os prazos legais. A família tem até 24 horas após o falecimento para registrar o óbito em cartório, porém esse prazo foi estendido para 15 dias por causa da pandemia. O cartório tem até cinco dias para efetuar o registro de óbito e depois até oito dias para enviar o ato à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que atualiza a plataforma online. Portanto, os números ainda podem mudar.

Até o momento, os dados oficiais do Ministério da Saúde somam 518.066 mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil desde o início da pandemia.

O registro de óbitos por covid-19 vem caindo. Em março, a média móvel de mortes dos últimos sete dias chegou a 3.357 no dia 30. Foi o ponto mais alto do primeiro semestre. Em junho, essa média ficou entre 1.600 e 2.000 óbitos. O mês termina com uma média móvel de 592 mortes. Apesar da incidência de casos continuar acima de 70 mil novos casos diários. No pico da pandemia no ano passado, entre o fim de maio e o fim de agosto, a média móvel de óbitos ficou em torno de 1.000 registros por dia.

O presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro (Arpen/RJ), Humberto Costa, disse que esse número não leva em conta as mortes causadas por outras doenças que podem ser associadas ao agravamento da covid-19, principalmente a síndrome respiratória aguda grave (SRAG), responsável por 16.868 óbitos em 2020 e 8.613 este ano. Em 2019, antes da pandemia portanto, foram registrados 1.512 óbitos por SRAG.

“Houve um aumento exacerbado no número de óbitos. No cartório em que eu sou titular, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, por exemplo, a gente passou de um total de 300 a 400 óbitos mensais para 600 a 700 óbitos mensais. Isso em razão da pandemia, antes o número máximo que a gente tinha feito era de 400 óbitos”, explicou Costa.

No ano passado, dos 1.460.991 registros de óbito emitidos no país, 198.547 tiveram como causa a covid-19, o que equivale a 13,59% do total. Foram cerca de 190 mil mortes a mais em 2020 do que em 2019 no país. Para Costa, a única explicação para esse excedente de óbitos é a pandemia.

“Morreu um número muito maior de pessoas. A única diferença dos anos anteriores para o ano passado e este ano é o coronavírus. Nossos números são muito altos, espero que com a vacinação eles diminuam”, disse.

Somente no primeiro trimestre deste ano, o aumento no número de registros de óbitos no país foi de 40%. Segundo a Arpen, em maio de 2021, apesar da queda nos registros em relação a março e abril, os óbitos ainda ficaram 70% acima da média de registros mensais da pandemia, iniciada em março de 2020.

O professor e pesquisador Cássio Turra, do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais, destaca que medidas sanitárias e o avanço do conhecimento científico e tecnológico propiciaram um aumento linear no crescimento populacional desde o século 19. “O aumento só foi interrompido por grandes crises como a gripe espanhola de 1918-1919, que matou 50 milhões de pessoas, e a 2ª Guerra Mundial, que deixou 40 milhões de civis e 20 milhões de soldados mortos entre 1939 e 1945. Agora, o mundo passa por um novo impacto de aumento exacerbado da mortalidade, causado pela pandemia de covid-19, que já se aproxima de 4 milhões”, disse Turra.

“O cálculo do excesso de mortalidade é feito com a extrapolação a partir dos óbitos do ano anterior com o que era esperado para cada país. Os países tiveram comportamento muito diferente, no Brasil teve um excesso de mortalidade de 22% no ano de 2020 e, em 2021, até aqui está com um excesso de 67%, em função do agravamento da crise em março e abril”, disse o professor.

Turra explicou que esse excesso de mortalidade é uma combinação de efeitos diretos e indiretos, resultantes tanto dos óbitos por covid-19 como por outras causas como o estrangulamento do sistema de saúde e mudança de comportamento dos indivíduos.

As informações foram dadas pelo professor no evento online UFMG Talks em Casa.

No mesmo evento, a professora e pesquisadora Sandhi Barreto, do Departamento de Medicina Preventiva da UFMG, lembrou que o Brasil tem despontado pelos piores indicadores de mortes por milhão de habitantes nessa pandemia, ultrapassando a média de uma morte por minuto em 2021.

“Essa desproporção fica evidente quando a gente compara a relação população mundial e o percentual de mortes. O Brasil responde por 2,7% da população mundial e 13% das mortes por covid-19 estão aqui no país. A prevalência e a gravidade da pandemia foram ampliadas porque, diferente de outros vírus respiratórios que enfrentamos, a covid afeta os mais velhos e aqueles com doenças crônicas”. Disse a professora.

Entre as quase 520 mil vítimas da covid-19 no Brasil, 29.145 tinham 90 anos ou mais, sendo que desse total 1.576 tinham 100 anos de idade ou mais. Com base nas projeções da população para 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso equivale a 3,40% dos brasileiros com 90 anos ou mais perdidos para a pandemia.

Por faixas etárias, o Brasil perdeu 0,69% das pessoas de 60 a 69 anos de idade, 1,28% entre 70 e 79 anos de idade e 2,30% dos idosos de 80 a 89 anos de idade, segundo os óbitos registrados por idade no site dos cartórios especial da covid-19. Para a população total, a pandemia levou 0,24% dos brasileiros entre 16 de março de 2020 e 28 de junho de 2021.

Com o avanço da vacinação, a faixa etária das vítimas tem diminuído, como destaca o presidente da Arpen-RJ, Humberto Costa.

“O número de óbitos que a gente teve é bem expressivo, morreu gente de todas as faixas etárias. No início da pandemia, quando os idosos não estavam vacinados, a faixa etária que a gente mais registrava óbito era entre 70 e 80 anos de idade. Me parece que é bem claro que a vacinação faz com que o número de óbitos caia radicalmente. Se a gente tivesse com um percentual maior da população vacinada, com certeza não teria tantos óbitos quanto estamos registrando”, disse Humberto Costa.

Com a perda dos idosos pela covid-19, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer diminuiu em, pelo menos, dois anos, segundo aponta um estudo da UFMG em colaboração com as universidades norte-americanas de Harvard, do sul da Califórnia e de Princeton, publicado na plataforma MedRxiv. O estudo foi baseado nos dados do ano passado, mas com o recrudescimento da pandemia, em 2021 o índice será ainda pior.

Segundo o levantamento, pessoas nascidas no ano passado viverão, em média, 1,94 ano a menos do que se esperaria, de volta aos patamares de 2013. Essa é a primeira queda desde a década de 1940. De acordo com o IBGE, uma pessoa nascida no Brasil em 2019 tinha expectativa de viver, em média, até os 76,6 anos de idade. Para os homens eram 73,1 anos de idade e para as mulheres 80,1 anos de idade.

O estudo indica que, na faixa etária dos 65 anos de idade, a redução da expectativa de vida no ano passado foi de 1,58 ano, o que coloca o Brasil de volta aos níveis de 2009. Entre as unidades da federação, a queda na expectativa de vida ao nascer foi maior no Distrito Federal, com uma diminuição de 3,68 anos.

Cássio Turra explica que esse efeito na expectativa de vida traduz, de forma simples, o impacto do excesso de óbitos. Para os nascidos em 2021, o cálculo já indica uma redução de 1,78 anos na expectativa de vida em relação a 2019. Para ele, essa flutuação tende a ser temporária e é possível que o nível seja recuperado no próximo ano.

“Eu sou um otimista cauteloso com relação a 2022, imaginando o seguinte: se a vacinação em 2021 avançar para patamares que permitam a redução da mortalidade de forma significativa, certamente a expectativa deve voltar aos níveis de 2019 ou para o que estava projetado para 2022. No médio prazo, depende de quais as marcas diretas e indiretas que a doença vai deixar nas pessoas, como de outras doenças que deixaram de ser acompanhadas nesse período”, disse.

De acordo com Turra, é preciso analisar também a seletividade da mortalidade, já que no excesso de óbito está contida também a perda da população que inicialmente já poderiam ser mais suscetível à morte.

“Isso pode ter um efeito no médio prazo. Acho que os ganhos anuais vão voltar, mas num ritmo menor. No longo prazo, os efeitos seculares predominam. A gente vai ter um ritmo de aumento na expectativa de vida quanto mais profundas forem as mudanças estruturais que já estão acontecendo no Brasil, como o aumento da escolaridade e a melhoria da saúde preventiva. Se olharmos um pouco além da nossa conjuntura atual, são movimentos que vem favorecendo a nossa expectativa de vida”, explicou.

A pesquisadora Sandhi Barreto destaca que, além do meio milhão de mortes, o país teve mais de 18,5 milhões de pessoas infectadas e ainda são necessários mais estudos para estimar os efeitos de longo prazo no envelhecimento saudável.

“Mais ou menos 20% dos hospitalizados por covid vão desenvolver complicações graves como insuficiência respiratória, disfunção de múltiplos órgãos, internações prolongadas, prejuízos motores, cognitivos e mentais. A gente sabe que quanto mais grave o adoecimento por covid, maior o risco de sequelas e necessidade de reabilitação e cuidados com os sobreviventes”, disse a pesquisadora.

A pesquisadora explica que estudos já mostraram que um em cada três sobreviventes da covid-19 apresentaram doença mental ou neurológica após 6 meses. “No curto prazo, a pandemia acentuou as desigualdades que já existiam, além de piorar as condições das pessoas idosas e que tinham doenças crônicas”.

De acordo com Sandhi Barreto, entre os problemas causados pela covid-19 nos sobreviventes já foram identificados a redução da autonomia nos idosos, que pode levar à dependência, o atraso em diagnósticos de outros problemas, atraso em tratamentos, cancelamento de procedimento, modificação de comportamentos importantes para o controle de doenças crônicas, como exercício e alimentação, deterioração na qualidade do sono e diminuição da rede de apoio social.

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