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EDUARDO CUCOLOSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Encontrar uma definição para o bilionário George Soros, 90, não é tarefa simples. Sobrevivente das ocupações nazista e soviética da Hungria na década de 1940, Soros fez fortuna no mercado financeiro e usou parte do dinheiro para ajudar a enterrar o socialismo no Leste Europeu.
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Tornou-se um financiador do Partido Democrata nos Estados Unidos e inimigo declarado de dirigentes autocratas como Donald Trump (EUA), Xi Jinping (China) e Viktor Orbán (Hungria). Recentemente, elegeu as grandes empresas de tecnologia como uma nova ameaça à democracia e ao pensamento crítico.
No Brasil, é visto com ressalvas pela esquerda, para quem será sempre um símbolo do "capital especulativo internacional", e pela extrema direita, que o enxerga como um porta-voz do que denominam "globalismo". Soros se descreve como um filantropo defensor do pensamento crítico, "alguém reconhecidamente egoísta" que decidiu "criar uma fundação altruísta".
É assim que ele se apresenta no livro "Em Defesa da Sociedade Aberta - Um Alerta sobre os Perigos que Enfrentamos para a Sobrevivência da Democracia". Lançado em 2019, o título chega ao Brasil na segunda-feira (19) na versão em língua portuguesa.
Trata-se de uma coleção de ensaios, a maioria deles publicada entre a crise financeira de 2008 e o ano anterior à pandemia e à derrota de Trump.
O primeiro capítulo trata dos riscos para a democracia gerados pelas empresas de tecnologia e novas ferramentas de monitoramento. O segundo é uma minibiografia, com foco na sua Open Society Foundations e na lógica da sua filantropia política.
Os três capítulos intermediários tratam das crises econômicas e políticas que colocam em risco as sociedades abertas dos EUA e da Europa. O último oferece um resumo da filosofia de Soros, aquela que o "orientou tanto a ganhar dinheiro como a empregá-lo para fazer do mundo um lugar melhor", como diz o autor, um discípulo do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994), autor de "A Sociedade Aberta e seus Inimigos".
Para Soros, vivemos um momento revolucionário, algo que não se via desde a dissolução do império soviético.
Em meio a essa revolução, as sociedades abertas estão em crise, gerada a partir da Grande Depressão de 2008 e da posterior vivida na zona do euro, enquanto ditaduras e Estados mafiosos estão em alta.Há, no entanto, sinais de que "a maré está virando novamente", segundo o autor, que apostava então na ascensão de um governo democrata nos Estados Unidos.
As grandes empresas de tecnologia entram nesse contexto como inimigas do pensamento crítico, corporações que "enganam seus usuários manipulando sua atenção", "os viciam deliberadamente nos serviços que fornecem", induzindo-os a abrir mão de sua autonomia, afirma.
O fato de monopolizarem a distribuição de informação faz delas um serviço público e, como tal, deveriam estar sujeitas a regulamentações mais severas. "Seus dias estão contados. A regulação e a taxação serão sua ruína", diz Soros.
Uma perspectiva ainda mais alarmante para ele é a "aliança entre Estados autoritários e esses imensos monopólios tecnológicos em dados", o que possibilita a criação de um sistema de vigilância patrocinado pelo Estado, algo que tende a ocorrer primeiro em países como China e Rússia.
"Considero perturbador que instrumentos de controle desenvolvidos pela inteligência artificial proporcionem uma vantagem inerente a regimes autoritários sobre as sociedades abertas", afirma Soros, que pede a adoção de medidas rígidas para evitar a dominação do 5G por empresas chinesas com ZTE e Huawei.
As empresas de tecnologia e o governo chinês são apenas alguns dos nomes de uma lista de inimigos que Soros cita no livro. "Tenho muito orgulho dos meus inimigos. Quando olho para a lista, sinto que estou fazendo algo certo."
Também fala indiretamente sobre a extensa lista de teorias da conspiração envolvendo seu nome que se espalham pelas redes sociais. "Existe toda uma indústria empenhada na minha demonização."
O Brasil é pouco citado no livro e em contextos ainda distantes da questão democrática. Foi apenas no ano passado, quando anunciou a criação de uma rede acadêmica contra "ditadores de agora e em gestação" e mudanças climáticas, que Soros criticou Jair Bolsonaro por sua atuação na área ambiental.
Entre as polêmicas, o autor relembra que ganhou projeção internacional em 1992, quando promoveu um ataque especulativo contra a libra esterlina e se tornou "o homem que quebrou o Banco da Inglaterra" -ele afirma ter tido uma participação bem menos relevante no episódio.
Soros atribui boa parte do sucesso no mercado financeiro à capacidade de antecipar movimentos de correções de preços, algo que faz a partir de sua teoria filosófica, descrita no capítulo final do livro (diz que apresentá-la no início poderia afastar os leitores).
Trata-se de uma versão resumida e revisada de um texto de 2014 dirigido ao público especializado, sendo a única parte estritamente técnica do livro.
Nela, trata dos princípios da falibilidade (o ponto de vista das pessoas nunca corresponde ao estado real das coisas) e da reflexividade (essas opiniões imperfeitas podem levar as pessoas a mudar o estado das coisas).
Segundo ele, não são ideias que constituem uma descoberta, mas que são empregadas por ele para contradizer princípios da teoria econômica ortodoxa sobre a suposta tendência de equilíbrio dos mercados.
"A teoria da escolha racional e a hipótese do mercado eficiente são tão pseudocientíficas quanto as teorias marxista e freudiana", afirma, ao se referir a si mesmo como um filósofo frustrado e pouco reconhecido como tal.
"Em Defesa de uma Sociedade Aberta" é uma oportunidade para que o leitor possa conhecer a vida e o pensamento de Soros, sempre sob o ponto de vista do autor, e tirar suas próprias conclusões sem recorrer a teorias da conspiração da extrema direita e à visão estereotipada da esquerda.Em Defesa da Sociedade AbertaGeorge Soros, editora Intrínseca (192 págs.), R$ 49,90 e R$ 34,90 (ebook)