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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O primeiro-ministro do Haiti, Claude Joseph, anunciou nesta segunda-feira (19) que vai renunciar ao cargo, em mais um capítulo da crise de sucessão gerada pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse -o premiê na prática assumiu o controle do governo desde o crime, que aconteceu no último dia 7.
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Joseph disse em entrevista ao jornal americano The Washington Post que vai entregar o cargo a Ariel Henry, 71, que tinha sido indicado pelo próprio Moïse para ser o novo premiê.
Ele deveria ter tomado posse no próprio dia 7, mas, devido ao assassinato do então presidente, a troca acabou sendo cancelada, e Joseph seguiu no cargo de maneira interina. Agora finalmente a mudança deve acontecer.
Após o crime, Joseph assumiu o comando do país e declarou estado de sítio durante duas semanas, medida que ampliou os poderes do Executivo.
Nesta segunda, ele afirmou ao Washington Post que se reuniu com Henry na última semana para resolver a disputa e que aceitou entregar o cargo "pelo bem da nação". "Todos que me conhecem sabem que eu não estou interessado nessa batalha ou em qualquer tipo de disputa pelo poder", disse o premiê ao jornal americano. "O presidente era meu amigo. Eu estou interessado em ver justiça".
Segundo a agência de notícias AFP, a troca de governo deve acontecer nesta terça-feira (20), e Joseph deve servir como ministro das Relações Exteriores do novo governo.
Reportagens publicadas na última semana pela imprensa colombiana (mais de 20 suspeitos pelo crime são ex-militares colombianos) afirmaram que Joseph está sendo investigado como um dos possíveis mandantes do crime. A ideia seria prender Moïse, alvo de contestação pela forma autoritária com que governava, mas, segundo as investigações, o primeiro-ministro teria mudado de ideia e resolvido mandar matá-lo.
A polícia haitiana, que é subordinada ao governo Joseph, negou que o premiê esteja sob investigação.
De início, Joseph teve respaldo da ONU e dos EUA para assumir o comando do país, mas no sábado (17) o Core Group, que reúne embaixadores estrangeiros, mudou de posição e defendeu a formação de um governo consensual e inclusivo, sem Joseph à frente.
"Encorajamos fortemente que o primeiro-ministro designado Ariel Henry continue a missão confiada a ele de formar um governo", disse o grupo, em comunicado no sábado (17). O Core Group reúne embaixadores e outros representantes de Brasil, Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, União Europeia, ONU e OEA (Organização dos Estados Americanos).
Isso deu força ao pleito de Henry, que é neurocirurgião e faz parte de um partido de centro-esquerda. Ele dizia desde o assassinato que estava consultando políticos para formar um novo governo e que Joseph deveria renunciar.
No domingo (18), após o comunicado do Core Group, Henry disse que "cumprimenta o povo haitiano por sua maturidade política frente ao que pode-se chamar de 'golpe de Estado'" e afirmou que vai garantir que a justiça seja feita quanto ao assassinato.
O governo dos EUA também saudou o acordo. "É alentador ver os atores políticos e civis haitianos trabalhando para formar um governo de unidade que possa estabilizar o país e assentar as bases para eleções livres e justas", disse a porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.
Jovenel Moïse foi morto em casa na madrugada do último dia 7. Sua mulher, Martine Moïse, ficou gravemente ferida e foi levada a Miami para receber tratamento médico. Ela voltou ao Haiti no sábado (17).
O governo Moïse foi marcado por instabilidade, com protestos violentos principalmente depois de um aumento dos preços dos combustíveis em 2018. Após seu assassinato, o país voltou a mergulhar no caos, com ações de gangues armadas nas ruas, falta de gasolina em postos e risco de desabastecimento de comida.
Até agora, não há conclusão sobre quem foi o mandante do assassinato nem a razão do crime. Segundo o governo haitiano, o presidente foi morto por um grupo de mercenários, que incluía militares colombianos aposentados. Mais de 20 pessoas foram presas por conexão com o caso.
A polícia haitiana acusou o médico Christian Emmanuel Sanon, 63, de ser o mentor do crime e o prendeu. Ele vive na Flórida, mas teria viajado ao Haiti com planos de assumir o comando do país.
Já Jorge Vargas, chefe da polícia colombiana, disse que um ex-funcionário do Ministério da Justiça do Haiti, Joseph Felix Badio, deu a dois mercenários colombianos a ordem de matar o presidente. Mas não está claro se Badio, por sua vez, estava seguindo as ordens de outra pessoa.
Alguns dos mercenários suspeitos disseram, em depoimento, que receberam a missão de prender Moïse e levá-lo para o palácio presidencial, mas que, ao chegar, encontraram-no morto.Ex-funcionário de uma unidade anticorrupção do Ministério da Justiça, Badio é uma das muitas pessoas procuradas pela polícia haitiana, junto com o ex-senador da oposição Joël John Joseph, acusado de fornecer armas para o crime. Ambos são descritos como "armados e perigosos".
A morte de Moïse acirrou a crise política do país, que tinha no centro da disputa uma discussão sobre o término do mandato de Moïse. Ele foi eleito em 2015 e deveria ter tomado posse em 7 de fevereiro de 2016 para um mandato de cinco anos. Em meio a acusações de fraudes, porém, o pleito foi anulado e teve que ser refeito no ano seguinte. Durante esse período, o país foi comandado por um governo interino.
Moïse saiu vencedor na nova votação e assumiu o comando do Haiti em 7 de fevereiro de 2017. Como o mandato presidencial no país é de cinco anos, ele alegava que deveria permanecer no cargo até fevereiro de 2022, portanto -uma alegação apoiada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelos EUA. A oposição, porém, defendia que seu mandato deveria ter se encerrado em fevereiro deste ano.
Em meio a essa discussão, o presidente então suspendeu as eleições de meio de mandato, o que deixou vagos dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos. Assim, Moïse passou a comandar o país via decretos -o que rendeu uma onda de protestos contra o governo e acusações de autoritarismo.